Acórdão nº 01775/15.8BELRA 01299/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução04 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

Relatório 1.1.

A…………, S.A.

, titular do número de identificação fiscal …………, com sede em ………., ………., Rio Maior, interpôs RECURSO DE REVISTA, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de maio de 2017 que concedeu parcial provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a impugnação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa referente às liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas dos exercícios de 2009, 2010 e 2011 e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referente às liquidações de imposto sobre o valor acrescentado dos períodos de 2009 a 2012.

Recurso que circunscreveu à parte do mesmo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul a que se refere o seu «ponto iii) do ponto 2.2.2.

».

Com a interposição do recurso juntou alegações, que condensou nas seguintes conclusões: «(…) A.

O presente recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo deve ser admitido ao abrigo do disposto no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, aplicável aos autos ex vi artigo 2.º do CPPT, por se demonstrar essencial a sua intervenção para uma melhor aplicação do Direito; B.

Ademais, estamos nos presentes autos perante uma questão de grande relevância jurídica e social, que se qualifica de importância fundamental, claramente extravasando o caso concreto dos autos, sendo fundamental a intervenção desse Supremo Tribunal Administrativo em vista a uma melhor aplicação do direito.

C.

Com efeito, cumpre referir que a questão objecto do presente Recurso que importa dirimir pelo Supremo Tribunal Administrativo é a de se determinar se uma empresa que desenvolva materialmente uma actividade económica conexa com a principal, mas não formalmente inscrita no seu objecto social à data da prossecução da mesma, que tenha gerado lucro sobre o qual foi pago o respectivo imposto sobre o rendimento, não pode deduzir qualquer gasto incorrido com essa actividade, porquanto se entende ser o mesmo não indispensável para efeitos do artigo 23.º do CIRC.

D.

Assim, como é fácil de se ver, o objecto do presente recurso reveste-se de uma enorme relevância jurídica e social para a generalidade dos operadores económicos, pois a decisão deste Supremo Tribunal terá, necessariamente, impacto em dezenas de processos em que idêntica questão venha a ser discutida.

E.

Na verdade, e como circunda a matéria em crise nos presentes autos um quadro normativo que carece de uma aplicação uniforme e que carece, igualmente, de ser devidamente interpretado e aplicado, de modo a adequar-se ao princípio legal e constitucional da capacidade contributiva e ao princípio constitucional da tributação do rendimento real das empresas.

F.

Bem como à liberdade de iniciativa económica privada e ao Direito de Propriedade Privada, que consubstanciam direitos fundamentais constitucionalmente consagrados e protegidos nos artigos 61.º e 62.º da nossa Lei Fundamental.

G.

O que motiva a intervenção desse Douto Supremo Tribunal Administrativo tendo em vista dissipar todas as dúvidas sobre o quadro legal que regula a questão bem identificada e delimitada no ponto C. das presentes Conclusões de Recurso, proporcionando uma melhor aplicação do direito e uma correcta administração da justiça.

H.

Assim, atento o preenchimento dos pressupostos legais que estão subjacentes ao artigo 150.º do CPTA, aplicável aos autos ex vi artigo 2.º do CPPT, deverá esse Supremo Tribunal Administrativo admitir a presente revista, apreciando, assim, o objecto do presente recurso.

I.

Considerou o douto Tribunal recorrido e citamos: "No caso, o objecto social da Recorrente à data dos factos objecto de tributação incidia sobre a produção e comércio de produtos agrícolas, pelo que os custos relativos à actividade de criação de gado não assumem uma relação casual com a fonte produtora do rendimento da sociedade, tal como este é delimitado nos seus estatutos, dado que os custos em exame são alheios à actividade da empresa, tal como esta se apresentava, à data, no tráfico jurídico-comercial".

J.

Logo entendendo que, in casu, não se verifica o requisito da indispensabilidade, e, confirmando a tese proferida pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

K.

Ora, como acima explanado, é precisamente quanto a este ponto que se insurge o ora Recorrente, porquanto a fazer vencimento esta tese, a mesma é de uma profunda gravidade social para a generalidade dos operadores económicos que estejam numa situação similar, o que acarreta a aplicação de um tratamento fiscal profundamente injusto e ilegal face ao quadro jurídico em vigor à data dos factos tributários em causa.

L.

É que o Tribunal a quo ignorou, por completo, à semelhança do que já tinha feito a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que, in casu, a Recorrente teve uma actividade comercial ipso facto, a qual gerou lucro, sendo, como foi, tributado!!! M.

Ora, se existiu uma actividade tributável, materialmente desempenhada e conexa com a actividade principal, a qual gerou lucro tributado, o facto de, à data dos gastos, a actividade não se encontrar formalmente inscrita no objecto social do Recorrente - o que, veja-se, até viria a ocorrer - não pode, por si só, ser suficiente para desconsiderar totalmente e sem mais considerações a totalidade dos gastos incorridos com a actividade prosseguida.

N.

O Tribunal a quo não nega que a actividade foi desenvolvida, apenas diz que como esta não estava inserida formalmente no objecto social do Recorrente - mas veja-se que até passou a estar, embora essa não seja a questão fundamental entende e sustenta a Recorrente -, então haverá que rejeitar, tout court, a dedutibilidade dos custos havidos com esta actividade.

O.

O que de modo algum se pode aceitar, porquanto, salvo o devido respeito que é muito, traduz uma solução jurídica manifestamente ilegal e em absoluta discordância com o sistema de tributação pelo lucro real das empresas que tem, de resto, proteção constitucional.

P.

A interpretação restrita do conceito de indispensabilidade aparentemente ratificada pelo Tribunal recorrido está hoje totalmente ultrapassada e, de resto, nem sequer é acolhida pelo legislador fiscal, pois a versão que estava em vigor do artigo 23.º do Código do IRC à data dos factos tributários em causa nos autos dizia como segue: "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Q.

Não há, nem nunca houve nesta norma, qualquer referência ao objecto social de uma empresa.

R.

E a versão actual do artigo 23.º do Código do IRC é ainda mais clara a este respeito quando diz que: "Para a determinação do lucro tributável, são dedutiveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.".

S.

O que a lei pretendeu sempre evitar é que o contribuinte deduza custos ou gastos que não estejam relacionados com uma actividade económica por si desenvolvida, aqueles que se relacionem com uma actividade alheia e que se situe fora do interesse da sociedade, porquanto totalmente alheia ao normal escopo lucrativo que norteia a actividade de uma empresa. É este, e não outro, o espirito da norma do artigo 23.º do Código do IRC.

T.

Aliás a Comissão para a Reforma do IRC considerou no seu Relatório Final (páginas 128 e 129) o seguinte e citamos: "O significado do conceito de indispensabilidade tem sido um tema fortemente debatido, dele resultando um notório grau de incerteza para os sujeitos passivos quanto à dedutibilidade de certos gastos e, bem assim, um apreciável volume de litigância fiscal.".

U.

A doutrina e a jurisprudência, em particular, têm desenvolvido um significativo esforço no sentido de produzir a melhor interpretação de um tal conceito.

V.

Na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa - o que foi o caso dos autos -, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC, isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos seus sócios - o que não é aqui de todo o caso, como se demonstrou e provou ao longo do processo e nunca foi, sequer, questionado pelo Recorrido.

W.

Neste contexto, entendeu a Comissão propor uma evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos. Assim, o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados.

X.

No que concerne à ligação que o douto Tribunal recorrido pretende estabelecer entre o conceito de indispensabilidade para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC e o objecto social do Recorrente, é de referir que este entendimento corresponde a uma concepção ultrapassada e hoje completamente desadequada do dinamismo da actividade económica moderna à qual a justiça e o direito não podem ignorar.

Y.

A utilização pura e simples do objecto social como referencial único para a aferição da indispensabilidade tem como base a importação deste primeiro conceito do Direito Privado, mas mesmo aí os actos fora do objecto não deixam de vincular a sociedade desde...

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