Acórdão nº 342/16.3IDAVR-BB.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelLILIANA DE PÁRIS DIAS
Data da Resolução20 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 342/16.3IDAVR-BB.P1 Recurso Penal Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 1 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório No processo comum supra identificado, após despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, pela imputada prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º e 104º, nº 2, alínea a) e nº 3, do RGIT, requereram os arguidos B…, C…, D… e E…, Lda, ao juiz de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, que fosse ordenada a suspensão do processo, nos termos previstos no art. 47º, nº 1, do RGIT, invocando, para tanto, a pendência de duas impugnações judiciais no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que aqui correm termos sob os números 375/19.8BEAVR e 376/19.6BEAVR.

Nesta sequência, foi proferido pela Sra. Juíza de Instrução Criminal o despacho datado de 13/6/2019, que consta de fls. 683/687 (e que aqui se dá por reproduzido).

Não se conformando com esta decisão, dela interpuseram recurso os arguidos, limitado ao segmento que – pronunciando-se sobre o requerimento de suspensão do processo pelos mesmos formulado, por estarem pendentes processos de impugnação judicial no TAF de Aveiro – determinou, ao abrigo do disposto no art. 47º, nº 1, do RGIT, a suspensão do processo, quanto aos recorrentes, “apenas relativamente aos factos e crime imputados relativamente aos quais os arguidos figuram como alegados utilizadores de faturação falsa e bem assim relativamente aos concretos períodos sujeitos a impugnação, excluindo os impostos referentes aos anos de 2010 e 2011, não sujeitos a impugnação”.

Pretendem os recorrentes que seja revogado o despacho impugnado e substituído por outro que suspenda a totalidade do processo. Baseia-se o recurso nos fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]: “1. No despacho recorrido, atenta a unidade do processo, deveria ter sido ordenada a suspensão do todo o processo quanto aos Recorrentes.

  1. Aliás, o que se impunha ao tribunal.

  2. O despacho carece de fundamentação fáctica e legal, sendo totalmente discricionário.

  3. Não há qualquer fundamento legal, nem tal consta do despacho, que justifique a suspensão apenas quanto aos factos relativos ao crime relacionado com a utilização das “facturas falsas”; e já não no que diz respeito à parte da emissão de facturas que vieram a ser utilizadas pela “F…, SA”.

  4. Também nenhum fundamento legal existe que permita suspender apenas quanto aos anos de 2012 e 2013, quando os Arguidos/Recorrentes estão acusados de um só crime que em termos temporais diz respeito a alegados factos que vão desde 2010 a 2013.

  5. Aliás, o despacho, de forma ilegal, subdivide o mesmo crime em dois, transformando uma acusação por um crime em dois.

  6. O que poderá levar os Recorrentes a serem julgados pelos mesmos factos por duas vezes, colocando em causa o princípio do ne bis in idem.

  7. O despacho também é ilegal porque procede à separação de processos sem qualquer fundamento legal.

  8. O despacho retalha a acusação quanto aos Recorrentes, colocando em causa o princípio da unidade do processo, sem qualquer fundamento que o justifique.

  9. Por fim, sem prescindir, se o tribunal suspendeu o processo no que diz respeito aos factos relativos às facturas emitidas pela Recorrente E… e utilizadas pela F…, Lda, a requerimento desta, impunha-se ao tribunal que essa suspensão abarcasse também os aqui recorrentes.

  10. O art.° 47.° do RGIT visa acautelar a resolução de questão prejudicial que não cabe na competência material do tribunal penal, mas antes aos tribunais administrativos e fiscais, dando-se assim cumprimento e concretização ao art.° 212.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.

  11. Sempre que no processo penal tributário exista questão fiscal prejudicial, nomeadamente questão “em que se discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”, pendente nos tribunais administrativos e fiscais materialmente competentes para tal, o art.° 47.° do RGIT impõe, ao juiz da causa, a suspensão do processo até que essa questão esteja resolvida.

  12. O art.° 47.° do RGIT aplica-se a todos os arguidos para os quais os factos em discussão nos processos de impugnação sejam questão prévia, da qual depende a situação tributária de cuja definição resulta a qualificação criminal.

  13. Pelas razões expressas nas alegações, o processo deveria ter sido suspenso quanto aos Recorrentes, por aplicação do art.° 47.° do RGIT, uma vez que os factos que lhe são imputados ainda estão em discussão no Tribunal Administrativo e Fiscal.

  14. A norma aplicada com a interpretação que lhe foi dada é inconstitucional por violar o direito a um processo justo e equitativo, violando as garantias de defesa do arguido, uma vez que os Recorrentes vêem a situação fiscal da qual depende a qualificação criminal ser decidida por um tribunal sem competências específicas para tal, havendo, pois, violação do art.° 20.° e do n.° 9 do artigo 32.°, ambos da CRP.

  15. Sendo certo que há também violação da competência exclusiva dos tribunais fiscais, o que consubstancia inconstitucionalidade nos termos do n.° 3, do art.°212° da CRP.

  16. E, por fim, o art ° 47 ° do RGIT, interpretado no sentido de que só se aplica á sociedade comercial impugnante e aos seus gerentes, mas já não à sociedade comercial emitente das facturas e aos seus gerentes, que com eles estão acusados em co-autoria material pela prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, viola o princípio da igualdade previsto no art.° 13.° da CRP, uma vez que leva a um tratamento desigual, de situações análogas que merecem o mesmo tratamento perante a lei.

  17. lnconstitucionalidades estas que, desde já, vão invocadas.

Termos em que o despacho recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por decisão que mande suspender totalmente o processo, quanto aos Arguidos/Recorrentes, nos termos do art.° 47.° RGIT.”.

*O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado dos autos principais, e com efeito devolutivo.

*O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância apresentou resposta, defendendo a manutenção do despacho recorrido, com os fundamentos constantes do respectivo articulado (e cujo teor aqui se dá por reproduzido), invocando, em síntese, o seguinte: “A impugnação judicial tem um carácter individual e pessoal, pelo que apenas pode condicionar os efeitos da sua acção em relação a si mesmo, e não em relação a quem não é parte na impugnação, nem nela interveio.

Efectivamente, o caso julgado formado pela decisão proferida em processo tributário ocorre apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (cfr. art°. 48° do RGIT), pelo que apenas se verifica em relação aos impugnantes perante os quais tal decisão faz caso julgado e não perante quaisquer outros eventuais interessados/arguidos que nesse processo não intervieram, que não ficam, por isso, abrangidos pelo caso julgado.”.

*Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual defendeu a improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos contidos na resposta ao recurso apresentada pelo magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância e invocando, para além disso, quanto ao respectivo mérito, a existência de jurisprudência que suporta a decisão recorrida, para além da sua conformidade constitucional (nos termos que constam do respectivo articulado e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

*Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, sem que tivesse sido apresentada resposta pelos recorrentes.

*Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*II - Fundamentação É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art. 410º, nº 2 ou o art. 379º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).

No presente caso, o objecto do recurso prende-se, fundamentalmente, com a questão de saber se no despacho proferido pela Exma. Sra. Juíza de Instrução Criminal (datado de 13/6/2019 e constante de fls. 683 e seguintes da presente certidão) foi observado o preceito contido no art. 47º, nº 1, do RGIT.

O despacho objecto de recurso tem o seguinte teor: “No que se refere ao Reqto. de fls. 6123 e segs.: Os arguidos E…, Lda., D…, B…, C…, G… e H… vieram invocar encontrarem-se pendentes dois processos de Impugnação Judicial que correm termos no TAF de Aveiro, com os nos. 375/19.8 BEAVR e 376/19.6 BEAVR, requerendo, assim, a suspensão dos presentes autos com tal fundamento.

As certidões das respectivas impugnações ao TAF constam de fls. 6126 e segs.

Estão em causa as impugnações judiciais que deram origem aos identificados processos, pendentes no Tribunal Administrativo e Fiscal de...

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