Acórdão nº 1184/16.1BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório Filipa ..........

recorre da sentença proferida, a 3.6.2019, pelo TAF de Leiria, que julgou a ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, com base no funcionamento da administração da justiça, improcedente e absolveu o Estado Português dos pedidos.

A recorrente em sede de alegações formulou as seguintes conclusões: 1 – «O presente processo de revista deve ser admitido dado que está em causa também e fundamentalmente saber se foi ou não violada a vinculação de administração da justiça em prazo razoável e o cálculo do quantum indemnizatório, de acordo com os princípios do TEDH e Tribunais Nacionais; 2 – A responsabilidade civil dos agentes de execução obedece ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, constante na Lei nº 67/07 de 31 de dezembro; 3 – Consequentemente, a responsabilidade do Estado, no caso concreto, deve ser aferida, também, no período de tempo em que o processo foi tramitado pelo agente de execução e que foi não inferior a dois anos; 4 – O referido na conclusão 2ª) justifica-se porque o agente de execução é um auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade publica no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza pública, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutório, sendo que o agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa; 5 – E ainda a circunstância de se encontrar legalmente previsto que o funcionário ou agente de execução que der causa à anulação de atos do processo, responde pelo prejuízo que resultar da anulação, nos termos fixados pelo requerente da responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos leva à mesma conclusão; 6 – Também nos leva a igual entendimento a circunstância do Código de Processo Civil prever que nos casos em que a abertura de propostas não tenha lugar perante o juiz, o agente de execução desempenha as funções reservadas ao juiz na venda do imóvel, aplicando-se, devidamente adaptadas, as normas da venda por proposta em carta fechada; 7 – Deste modo, a atividade legal desempenhada pelo agente de execução, corresponde materialmente à função administrativa do Estado, não sendo uma atividade de Direito privado; 8 – O que também deriva do facto do agente de execução não representar as partes, o que leva à conclusão de que ele representa o interesse público na boa execução de sentenças e demais títulos executivos e todos os atos já assinalados; 9 – O agente de execução realiza atos materiais sob o comando direto da lei (Código de Processo Civil e Estatutos), o que é muito semelhante com o que ocorre com a Administração Pública em geral; 10 – E o ponto de vista defendido não é impeditivo o facto de o agente de execução receber honorários diretamente, pois tal traduz-se numa forma que o Estado encontrou de transferência ou compensação de valores para estes órgãos, sendo que existem segmentos (por exemplo os juros compensatórios) que o mesmo tem que entregar ao Estado.

11 – Também não obsta a este entendimento o facto de terem sido alteradas as regras de substituição e destituição do agente de execução, pois trata-se de uma forma que o Estado resolveu impor naquela atividade de interesse público; 12 – A circunstância do agente de execução ter que possuir um seguro de responsabilidade civil obrigatório também não constitui obstáculo ao defendido na conclusão 2ª), dado que o mesmo detém poderes de autoridade de acordo com o CPC e a Lei nº 154/2015; 13 – Finalmente, salienta-se que a Câmara dos Solicitadores é uma ordem profissional que integra a Administração autónoma do Estado, trata-se de uma associação pública, encontrando-se sujeita a tutela governamental; 14 – Neste particular a decisão em apreço violou o preceituado nos artigos 1º, 4º, 33º nº 2 e 3, 34º nº 5 e 6, 89º, 91º, 95º, 104º, 120º, 121º, 123º, 124º nº 1, 135º e 162º da Lei nº 154/2015; e os artigos 225º nº 2 c), 231º, 256º, 533º, 534º nº 3, 552º nº 2 g), 716º nº 2 e3, 719º nº 1, 720º, 722º, 723º nº 1 c), 726º nº 8, 748º nº 1, 749º, 751º nº 2 e 4, 754º a 756º, 757º nº 2, 763º, 764º nº 1, 773º nº 1, 774º nº 3, 777º, 780º, 781º nº 1, 794º nº 11, 799º nº 4, 800º nº 3, 812º, 824º, 825º, 827º, 829º nº 2, 833º nº 4 e 849º nº 1 b), do NCPC; e artigos 165º nº 1 s) e 267º nº 1 e 4 da CRP; 15 – Decidiu-se erradamente quando se considerou que não se encontrava preenchido o pressuposto da ilicitude, tendo em consideração tudo o quanto se deixou expresso nas conclusões 1 a 13; 16 – Na ação sub judice, sob pena de futura condenação internacional do Estado, por divergências entre a aplicação tida por apropriada e a interpretação dada pelo TEDH, na análise dos dados jurisprudenciais atinentes à densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável da decisão, indemnização razoável e danos morais indemnizatórios, a jurisprudência daquele Tribunal tem que ser tomada obrigatória e primordialmente em conta; 17 – Para a jurisprudência do TEDH os processos executivos, pela sua própria natureza, devem ser cumpridos com celeridade, sendo inadmissível que a execução de um título de crédito, que é um título executivo, como sucedeu no caso dos autos, dure vários anos, como se verificou no processo nº 1463/05.3TBABT e 1463/05.3TYBABT-A, num total de 11 anos; 18 – A Jurisprudência do TEDH é unânime no sentido de que, dentro dos critérios da razoabilidade do prazo, se deve ater à complexidade do mesmo, conduta das partes, atuação das autoridades competentes no processo, e ao que estava em causa para a recorrente no litígio; 19 – A execução não revestia nenhum tipo de especial complexidade, existindo apenas dois intervenientes processuais, sendo a matéria de facto e de direito de fácil análise e resolução, sendo que a Recorrente demonstrou uma conduta processual irrepreensível, tendo-se verificado falhas graves na atuação dos agentes judiciais intervenientes no processo, a nível do Tribunal e do agente de execução, que conduziram a que, do seu início até à conclusão, decorressem onze longos e penosos anos (só do processo executivo), sendo que o processo se revestia de relevância financeira para a Recorrente que sofreu constrangimentos a esse nível, bem como no plano emocional e psicológico; 20 – Face à natureza do processo, o prazo para a sua resolução não devia demorar mais do que dois anos, pelo que tudo o que ultrapasse esse prazo se afigura irrazoável; 21 – Nesta parte, mostra-se violado o contido no artigo 6º, nº 1 do CEDH, e 20º, nº 2 da CRP e 2º, nº 1 do CPC, devendo ser alterado o entendimento vertido no Acórdão que o fixou em três anos, de forma tabelar o que também aí se afasta da Jurisprudência do TEDH; 22 – Pelo que deve a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra que defira a pretensão da Recorrente, atribuindo-lhe uma indemnização não inferior a € 10.000,00 por danos não patrimoniais, em face de tudo o exposto; 23 – Mostra-se violado o preceituado no artigo 6º, nº 1 do CEDH, e 20º, nº 2 da CRP e 2º, nº 1 do CPC».

O Ministério Público, em representação do Estado Português, ora recorrido, contra-alegou o recurso concluindo: «1ª- Não tendo sido refutada a matéria de facto dada como provada, desta resulta que só é imputável à máquina da justiça, e, por conseguinte, ao Estado Português, no processo executivo em questão, o atraso processual de cerca de 1 ano e 7 meses.

  1. - O restante período da demora, sendo imputado ao agente de execução, não é de considerar, para aquele efeito, pela jurisprudência nacional e do TEDH, já que essa entidade reveste a natureza de um agente privado, cuja atividade está fora do âmbito de previsão da Lei 67/07, de 31/12.

  2. – “1.A responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua atividade, obedece ao regime geral privado e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas … 2. O atraso em processo executivo por se ter excedido o prazo julgado razoável é imputável ao Estado apenas e tão só no tocante às fases em que a instância tramitou sob a alçada do Tribunal».

  3. –Ademais, compreende-se, por isso, que o Estado não possa ser co-responsabilizado por um agente que atua por sua conta, ordem e risco, nem por situações como a inexistência de bens penhoráveis, avaliação e venda dos bens que dependem de fatores alheios ao processo, e que são independentes do funcionamento e controlo dos tribunais, fatores, esses, diga-se, que até podem acarretar atrasos benéficos à execução.

  4. - Donde, nenhuma censura merece a decisão recorrida já que aplicou acertada e criteriosamente as atinentes normas legais à situação em apreço, e a coberto de autorizada doutrina e jurisprudência nacional e do TEDH, devendo a mesma ser mantida».

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

Objeto do recurso: Atentas as conclusões das alegações de recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito: i) ao excluir do regime da responsabilidade civil do Estado, previsto na Lei nº 67/2007, de 31.12, o atraso no processo executivo, nº 294/03.0TTABT-A, imputável ao agente de execução, por considerar que obedece ao regime geral privado de responsabilidade por factos ilícitos previsto no art 483º e seguintes do Código Civil.

ii) Ao julgar não verificado o requisito da ilicitude.

Fundamentação De facto.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto: 1) «Em 15/01/2004...

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