Acórdão nº 956/18.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida nos presentes autos, a qual decidiu conceder provimento ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da Câmara Municipal de Sintra de aplicação de coima no valor de EUR 1.500,00, acrescido de custas, interposto por JORGE .......... e declarou nula a decisão de aplicação de coima proferida pelo Vereador da Câmara Municipal em 1.03.2018, por falta de competência deste para proferir tal decisão.

As alegações de recurso apresentadas culminam com as seguintes conclusões: I. O Ministério Público vem interpor recurso da sentença proferida nos presentes autos, através da qual o tribunal a quo declarou nula a decisão de aplicação de coima proferida pelo Vereador da Câmara Municipal em 01.03.2018, por entender que o Vereador em causa não tinha competência delegada para o efeito, porquanto a delegação de competências resultante do despacho n.º 79-P/2017 não teria procedido à delegação nesse Vereador das competências próprias do presidente previstas no artigo 35.º, n.º 2, al. n), da Lei n.º 75/2013, por total omissão nesse despacho quanto aos poderes relacionados com a instrução dos processos de contraordenação e a aplicação de coimas.

  1. Em tal processo de contra-ordenação está em causa o ilícito contra-ordenacional de realização de alterações em obra em desconformidade com o projeto inicialmente aprovado ou apresentado, previsto e punido pelos artigos 83º, n.º 3 e 98º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (doravante RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com referência ao art.º 89º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

  2. A matéria da delegação de competências encontra-se regulada nos artigos 44º a 50.º do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA), estabelecendo o art.º 47º, n.º 1 do CPA os requisitos da acto de delegação.

  3. O despacho de delegação n.º 79-P/2017 do Presidente da Câmara Municipal de Sintra tem como pressuposto, conforme claramente resulta do seu texto, a estrutura nuclear e flexível da Câmara Municipal de Sintra que consta do Despacho n.º 9895/2017, publicado em diário da república, 2.ª série de 15.11.2017.

  4. Nesse despacho n.º 9895/2017 é estabelecido que o departamento jurídico tem por competência, designadamente, dirigir as atividades ligadas à assessoria jurídica, contencioso administrativo, execuções fiscais e contraordenações.

  5. A ideia expressa no despacho de delegação n.º 79-P/2017 do Presidente da Câmara Municipal de Sintra foi delegar as competências relativas a toda a actividade relacionada com o Departamento Jurídico, por remissão para o referido Despacho n.º 9895/2017, que estabeleceu a estrutura nuclear e flexível da Câmara Municipal de Sintra, onde se incluem as competências relativas à instrução e decisão dos processos contra-ordenacionais.

  6. O que acrescentou no ponto C. para além das competências referentes ao Departamento Jurídico foi devido ao facto de tais matérias, ao contrário do que sucede para as contra-ordenações, irem para além das competências previstas no despacho n.º 9895/2017 para o departamento jurídico.

  7. Daí a necessidade de individualizar tais matérias, uma vez que, essas sim, ao contrário das contra-ordenações (que estão expressamente previstas na competência do Departamento Jurídico), não se poderiam considerar delegadas por remissão se assim não fosse.

  8. No despacho em causa foram, assim, delegadas todas as competências necessárias à execução das atribuições do Departamento Jurídico, sendo que o delegante, independentemente daquelas (ou seja, para além daquelas), sentiu a necessidade de minudenciar, «neste contexto orgânico», determinadas competências em função da matéria e de valores de despesa.

  9. Ou seja, como a autoridade administrativa referiu nos autos na informação lavrada, a referida explicitação do despacho concretizou apenas uma maior acepção da intenção do delegante, ressalva que não prejudica nem limita as demais competências com referência às do Departamento Jurídico, de entre as quais, no âmbito da Divisão de Execuções Fiscais e Contra-Ordenações, se inclui a competência para aplicação de coimas, ao abrigo do disposto no art.º 98º, n.º 10 do RJUE e no art.º 35.º, n.º 2, alínea n) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que aprovou o Regime Jurídico das Autarquias Locais.

  10. Repare-se ainda, por não ser de somenos importância, na existência de um ponto final após a expressão “Departamento Jurídico”, ponto final esse que, como sabemos, é um sinal de pontuação usado para indicar o final de um período, marcando uma pausa absoluta, pelo que demonstra igualmente a intenção do órgão delegante em delegar todas as suas competências relacionadas com o Departamento Jurídico.

  11. Não obstante a constatação de que a técnica de redacção de tal despacho de delegação de competências poderia, e deveria, ter sido mais clara (nomeadamente através da sempre preferível, embora não exigível, enunciação positiva das competências delegadas, através da sua descrição individualizada), entendemos, ainda assim, que a mesma preenche os referidos requisitos previstos no aludido art.º 47º, n.º 1 do CPA.

  12. Como tal, não corresponde às melhores regras da hermenêutica jurídica, com o devido respeito, a interpretação de que no despacho n.º 79-P/2017 nada foi referido, ou feita menção ainda que por remissão, quanto à competência para instrução dos processos de contra-ordenação e aplicação de coimas.

  13. E, assim se concluindo, cumpre inferir, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, que o acto de aplicação da coima foi praticado por quem tinha competência (delegada) para o efeito, e que a autoridade administrativa respeitou as normas de competência decisória no processo de contra-ordenação.

  14. Consequentemente, não se verificando uma situação de incompetência (relativa) do órgão que praticou o acto administrativo, não se verifica igualmente a nulidade da decisão administrativa que aplicou a coima, nos termos do disposto no artigo 119.º, al. e), do CPP, ex vi artigo 41.º do RGCO.

  15. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo fez errada interpretação, e como tal as violou, das seguintes normas jurídicas: Artigo 83º, n.º 3 do RJUE; Artigo 98º, n.º os números 1, al. b), 3, 9 e 10 do RJUE; Artigo 35.º, n.º 2, alínea n) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que aprovou o Regime Jurídico das Autarquias Locais; Artigo 47º, n.º 1 do CPA; Artigo 119.º, al. e), do CPP, ex vi artigo 41.º do RGCO.

Termos em que, devendo tais normas ser interpretadas e aplicadas no sentido supra referido, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução dos autos e a prolação de decisão quanto ao preenchimento do tipo legal da contra-ordenação em apreço.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto acompanhou a posição do Ministério Público em 1.ª instância.

• Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

• I. 1.

Questões a apreciar e decidir: Este Tribunal Central, neste âmbito (art. 4.º, nº 1, al. l), do ETAF), regra geral, conhece apenas da matéria de direito (art. 75.º, n.

º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro - Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, previstas no art. 410.

º, n.

ºs 2 e 3, do C. Processo Penal [2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. // 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada].

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, considerando a limitação dos poderes de cognição deste tribunal de recurso, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não concluir pela existência de delegação de competências no vereador que praticou o acto de aplicação da coima impugnado judicialmente.

• II.

Fundamentação Consta da sentença recorrida: Com relevância para a decisão mostram-se provados os seguintes factos: A) Em 22.10.2011...

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