Acórdão nº 2342/18.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução18 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A. J. G. P.

, devidamente identificado nos autos, no âmbito de Ação Administrativa que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente à impugnação do Despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS de 12/05/2018 que indeferiu o requerimento formulado pelo Autor para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, inconformado com a decisão proferida no TAF do Porto que em 11 de março de 2019 julgou improcedente a Ação, veio recorrer jurisdicionalmente para esta instância em 29 de abril de 2019, tendo apresentado as seguintes conclusões: “A. Além de ter feito incorreta valoração da factualidade constante aos autos, decidindo pela não inclusão no acervo dos factos provados de factos relevantes para a decisão da causa que resultaram inequívocos nos autos, fez o Mmo. Juiz a quo errada aplicação do direito a tal factualidade.

  1. Face à pretensão deduzida pelo Autor, ora Recorrente, impunha-se considerar outros factos por si carreados aos autos, cujo teor resulta dos documentos juntos com o articulado inicial e não foi por qualquer forma infirmado.

  2. Por não ter sido alvo de impugnação e resultar da prova documental junta aos autos pelo Recorrente, deveria ainda ser julgada provada a factualidade vertida nos artigos 4.º a 9.º, 12.º, 14.º, 15.º e 16.º da petição inicial.

  3. Além de tal factualidade ter sido (oportunamente) alegada em sede de petição inicial e resultar dos documentos que a instruíram, relevando diretamente para a pretensão do Autor, não foi a mesma alvo de impugnação pelo aqui Recorrido.

  4. Citado para contestar o Recorrido nada disse, juntando apenas procuração forense e o competente processo administrativo (PA).

  5. Não obstante, o Tribunal recorrido não apreciou devidamente tal inércia do recorrido para efeitos probatórios frontalmente contra o estatuído no art. 83.º n.º 4 no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º, a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.”) – sic, mas realce nosso.

  6. Ainda que se possa concluir pela não confissão dos factos constantes da petição inicial por força da falta de contestação, não podia o Mmo. Juiz a quo deixar de relevar tal comportamento da banda do Recorrido consistente na ausência de impugnação especificada dos factos articulados pelo aqui Recorrente para efeitos probatórios.

  7. O que nos permite concluir que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não cuidou de proceder à análise crítica e conjugada da prova produzida, desconsiderando in totum a ausência de contestação e a prova documental produzida que contende diretamente com a pretensão deduzida em sede de petição inicial e reitere-se não foi alvo de impugnação.

    I. Assim, ao decidir de forma diversa da expendida, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 83.º n.º 4 e 94.º n.º 3 do CPTA, impondo-se a alteração da decisão de facto nos termos supra.

  8. De modo simplista, entendeu o Tribunal a quo que a norma aplicável é clara ao estabelecer o prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho e que o mesmo não foi in casu cumprido, não padecendo tal normativo de qualquer ilegalidade.

  9. Não se olvida a existência do prazo em questão e as razões que o entroncam, porém a sua aplicação automática e descontextualizada da concreta factualidade, conduz a resultados iníquos que ofendem os mais basilares princípios constitucionais, o que o Tribunal recorrido desconsidera em toda a linha.

    L. Conforme demonstrado nos autos, o Recorrente cuidou de apresentar o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho assim que estiveram reunidas as condições para tal, de acordo com o preceituado no DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, mormente o seu art. 1.º n.º 1 a) e 5.º n.º 2 a).

  10. Tendo havido ação de insolvência, o que se exigia era, sem alternativa, o documento mencionado na alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º: declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; N. Assim, o acionamento do Recorrido/FGS apenas pode ocorrer em momento posterior ao da prolação da sentença de insolvência e emissão de declaração de reconhecimento do crédito por banda do Sr. Administrador de Insolvência (artigo 5.º, n.º 2, do NRFGS).

  11. Desta feita, ter-se-ia de concluir que unicamente por motivos a que o Recorrente é alheio, não se encontraram verificados os condicionalismos necessários à formulação do pedido em momento prévio, mormente dentro de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

  12. Não já como concluiu o Tribunal recorrido que “o A. não tinha que aguardar por qualquer decisão ou documento do Administrador de Insolvência, bastando-lhe o exercício atempado do seu direito.”; Q. Olvidando a decisão recorrida que o pedido formulado pelo trabalhador tinha necessariamente que estar instruído pela declaração de reconhecimento do crédito por banda do Sr. Administrador de Insolvência.

  13. O que nos leva a concluir que a decisão recorrida ignora deliberadamente a específica sucessão de factos que conduziram a que o pedido somente fosse apresentado em 21 de Abril de 2018, por entender não ser necessário à pretensão do trabalhador, entendimento que é desprovido de fundamento fáctico-legal.

  14. Ter-se-á de entender que a declaração de insolvência levou à interrupção do prazo de um ano de que o Recorrente dispunha para apresentação do requerimento junto do FGS para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

  15. Com efeito, o invocado preceito legal em que o ato impugnado se funda (n.º 8 do art. 2.º do DL 59/2015 de 21 de Abril) ao não prever causas de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade e estabelecendo-se requisitos para o exercício do direito, que não está na mão do seu titular fazer preencher, de tal maneira que não está garantido que o seu titular possa ter oportunidade legal de exercer o direito dentro do prazo, viola frontalmente o princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP), na medida em que torna aleatórios e arbitrariamente subversíveis os pressupostos do exercício de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores.

  16. De outra banda, importa ainda a violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), decorrente da circunstância de perante os mesmos pressupostos substantivos de facto e de direito, sem causa de discriminação alguma que não o acaso, se denegar, potencialmente, a uns trabalhadores e conferir a outros, uma prestação do Estado Social; V. É pacífico na doutrina e jurisprudência que o direito à retribuição é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (vide entre muitos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 620/2007 e 396/2011), que, de resto, o Estado tem o dever de proteger (cfr. artigo 59.º, n.º 2, da Constituição)” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 510/2016).

  17. Neste sentido, concluiu recentemente o Venerando Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 328/2018, de 27 de Junho de 2018 acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180328.html, no qual se decidiu “julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”.

    X. Com efeito e acolhendo a posição recentemente adotada pelo Venerando Tribunal Constitucional, no referido aresto, atenta a similitude da factualidade que está subjacente à sua prolação, sempre se terá de considerar que no caso sub judice o Recorrente cumpriu com todos os pressupostos que se encontravam na sua esfera de ação e que só por motivos que lhe são alheios não apresentou o requerimento em crise no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

  18. Ademais, se o Recorrente apresentou o requerimento em crise decorrido mais de um ano após a cessação do contrato de trabalho, tal deveu-se à ilegal atuação do Instituto da Segurança Social já que não tomou decisão relativa ao apoio judiciário formulado no prazo legalmente estabelecido – cfr. art. 25.º da Lei 34/2004 de 29 de Julho (Lei de acesso ao direito e aos tribunais).

  19. O Recorrente cumpriu com todos os pressupostos que se encontravam na sua esfera de ação, inexistindo qualquer inércia da sua parte, contra o pugnado na sentença recorrida.

    AA. Não fosse a intempestiva decisão do Instituto da Segurança Social de deferimento do apoio judiciário (mais de 5 meses após a formulação do pedido) e a morosa tramitação processual (quase 4 meses para ser declarada a sentença de declaração de insolvência), não se verificaria a extemporaneidade em que se fundou a decisão de indeferimento do Recorrido; BB. Em conclusão, a decisão recorrida ao aplicar o art. artigo 2.º, n.º 8, do DL n.º 59/2015, de 21/04 ao caso sub judice, nos termos em que o fez, violou os arts. 2.º, 13.º e 59.º todos da CRP, pelo que enferma de inconstitucionalidade material, o que deverá irremediavelmente conduzir à respetiva revogação, com as legais consequências.

    Nestes termos e, nos melhores de direito que vossas excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene o recorrido no pedido formulado pelo recorrente.

    Em consequência, alterando a douta sentença corrida, farão vossas excelências Justiça.” O Recorrido/FGS veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 5 de junho de 2019, nas quais concluiu: “A. O requerimento do A foi...

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