Acórdão nº 2669/19.3YRLSB-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA DE AZEREDO COELHO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I) RELATÓRIO A…, LIMITED, com os sinais dos autos, requereu a constituição de tribunal arbitral para apreciação e decisão contra B..IPCo S.a.r.l, com os sinais dos autos, da situação referente à substância activa designada “Palonossetron”, relativa ao medicamento Aloxi.

Foi constituído o Tribunal Arbitral que estabeleceu que o litígio seria julgado segundo o direito português constituído, integrado pelo direito da União Europeia e pelo disposto na Convenção sobre a Patente Europeia.

A Demandante apresentou petição inicial alegando que é titular de patente que protege o medicamento Aloxi, que inclui o princípio activo Palonossetron, e que a Demandada apresentou pedido de AIM de medicamento genérico contendo o Palonossetron como princípio activo, cuja comercialização constituirá uma violação dos direitos da Demandante resultantes da patente identificada.

Mais alega que a Demandada solicitou a AIM referida cerca de dezasseis meses antes de caducar a protecção da patente o que indica que pretende comercializar o medicamento antes da caducidade ocorrer, sendo que, visto o disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, se impõe à Autora a necessidade de a demandar para protecção dos seus direitos.

A Demandada fez saber que não pretende contestar a demanda aceitando expressamente a cominação do n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 62/2011, e, notificada para provisionar, veio reiterar que não irá lançar no mercado o medicamento genérico em causa antes da caducidade dos direitos da Demandante, alegando que houve negociações preliminares entre as partes que fracassaram por mera discordância quanto ao montante da cláusula penal exigida pela Demandante, negociações que pretendeu reiniciar já na pendência da demanda, sem êxito, por recusa da Demandante, mais reiterando que se reserva o direito de recorrer de qualquer decisão que a condene a algo mais do que ao previsto no n.º 2, do artigo 3.º, da Lei 62/2011, pelo que não irá proceder ao pagamento do adiantamento de encargos.

A Demandante respondeu pronunciando-se pela ausência de fundamento da posição da Demandada, uma vez que acordou quanto à instituição do Tribunal Arbitral e aos seus termos de funcionamento, nomeadamente quanto a encargos, sendo certo que foi o seu pedido de AIM que deu causa à demanda, como o vem entendendo a jurisprudência, por ter dado causa à acção arbitral necessária.

Foi proferido despacho que considerou devido o reforço de provisão pela Demandada, pela razão de ter aceitado submeter-se à arbitragem e às regras para ela fixadas, convidando a Demandante a, querendo, suprir a falta de pagamento, o que esta fez.

Foi proferido acórdão arbitral, em 8 de Maio de 2017, cuja decisão tem o seguinte teor: 1) Condena-se a Demandada a abster-se de fazer preparativos ou a iniciar a importação, fabricação, armazenagem ou comercialização, em Portugal, de medicamento genérico contendo a substância activa Palonossentron, com base na AIM concedida ou em outra AIM contendo produto com o mesmo princípio activo, enquanto estiver em vigor o certificado complementar invocado nesta acção, concretamente até 28 de Outubro de 2017; 2) Absolve-se a Demandada do pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória.

Custas a suportar pela Demandante e pela Demandada em partes iguais, condenando-se a Demandada a pagar à Demandante o valor que esta adiantou por conta da provisão daquela, no montante de € 16.000,00.

Desta decisão interpôs a Demandada o presente recurso e, alegando, conclui como segue: 1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral a quo, nomeadamente do segmento do decisório relativo à condenação no pagamento de 50% das custas da ação arbitral sob forma de reembolso à Recorrida do que aquela pagou pela Recorrente, no montante de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), conformando-se a Recorrente com o demais decidido no acórdão recorrido.

  1. A decisão do Tribunal a quo quanto à responsabilidade pelas custas baseou-se no entendimento - na opinião da Recorrente, incorreto - de que o mero pedido de Autorização de Introdução no Mercado (“AIM”) de um medicamento genérico cujo medicamento de referência se encontre ainda abrangido pela proteção de algum direito de propriedade industrial é um facto apto a dar causa às ações arbitrais necessárias previstas na Lei 62/2011, de 12 de dezembro.

  2. A Recorrente não praticou qualquer ato ilícito nem violou os direitos de propriedade industrial invocados pela ora Recorrida, entendendo que não deu causa à ação nem dela retirou qualquer vantagem. A Recorrente não deduziu sequer contestação, tendo mesmo declarado ab initio que não iria lançar o seu medicamento genérico no mercado português antes da caducidade dos direitos da Recorrida invocados nos autos.

  3. Apesar de reconhecer que a Recorrente não praticou nenhum facto ilícito e que não existem indícios de que viesse, no futuro, a praticar qualquer ato infrator dos direitos industriais da Recorrida, o Tribunal recorrido rejeitou a aplicação da regra decorrente do artigo 535.° do CPC, por considerar que a Recorrida estava obrigada a instaurar a presente ação para poder exercer os seus direitos à luz do regime previsto na Lei n.° 62/2011.

  4. No acórdão recorrido o Tribunal Arbitral interpretou - incorretamente, na opinião da Recorrente- o prazo de 30 dias previsto no artigo 3.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 como um prazo de caducidade para o exercício do direito da Recorrida, o que levou à conclusão de que a titular da patente ou certificado complementar, perante o pedido de AIM, vê-se obrigada a instaurar a ação arbitral. Foi nesse racional que o Tribunal recorrido ancorou a sua decisão de onerar a Recorrente com parte das custas e encargos da ação, pese embora a ausência de contestação desta.

  5. A interpretação acolhida pelo Tribunal Arbitral no sentido de que o prazo de 30 dias previsto no artigo 3.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011 é um prazo de caducidade do exercício dos direitos de propriedade industrial face aos medicamentos genéricos abrangidos pela AIM requerida, é contrária à jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente ao decidido no Acórdão n.° 123/2015, em que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a dimensão normativa resultante do artigo 3.°, n.° 1, conjugado com o artigo 2.°da Lei n.° 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação pelo Infarmed referida no artigo 9.°, n.°3, da mesma Lei, por violação do artigo 20.°, n.°s 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

  6. O erro de raciocínio laborado no acórdão recorrido, no sentido de que, perante a publicação do pedido de AIM da Recorrente, a Recorrida estava obrigada a instaurar a presente ação arbitral, sob pena de caducidade do direito de invocar ou exercer os seus direitos de propriedade industrial em caso de infração pelos medicamentos abrangidos pela AIM da Recorrente, é evidente face à jurisprudência citada do Tribunal Constitucional.

  7. A ação arbitral intentada pela Recorrida é necessária, mas não é obrigatória para o cabal exercício dos direitos invocados nos autos, porquanto a limitação dos meios de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos à arbitragem necessária prevista e regulada na Lei 62/2011 é inconstitucional, por violar o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva das entidades titulares daqueles direitos de propriedade industrial. Este entendimento foi acolhido por este Venerando Tribunal da Relação, no acórdão de 03/10/2013, proferido no processo n.° 747/13.1 YRLSB.L 1-8.

  8. Com a Lei 62/2011 o legislador quis clarificar que o procedimento administrativo levado a cabo pelo INFARMED na apreciação e concessão de AIMs de medicamentos genéricos não depende de forma alguma da verificação, por aquele organismo do Estado, da eventual existência de direitos de propriedade industrial de terceiros, sendo hoje entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que a AIM, ou o seu pedido junto do INFARMED, não constitui qualquer ato violador de direitos de propriedade industrial. O mesmo é expressamente reconhecido no acórdão recorrido relativamente à AIM da Recorrente.

  9. O Tribunal Arbitral não retirou a devida consequência da licitude da conduta da Recorrente e da desnecessidade de instauração da ação arbitrai por banda da Recorrida para efetivação de direitos que eventualmente fossem violados in futurum na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas e encargos da ação arbitral, isto mesmo apesar de ter reconhecido e declarado que no acórdão recorrido que a Recorrente não praticou nenhum facto ilícito nem infringiu o direito de propriedade industrial da Recorrida pelo simples facto de ter requerido a AIM para o seu medicamento genérico.

  10. Conforme foi entendido por este Venerando Tribunal Superior no acórdão de 03/10/2013 (processo n.° 747/13.1 YRLSB.S1) e, mais recentemente, no acórdão de 16/03/2017 (processo n.° 407/17.04YRLSB-8), a licitude do pedido de AIM da Recorrente e a natureza potestativa do direito da Recorrida, conjugadas com a ausência de contestação da Recorrente, deveriam ter determinado a imputação à Recorrida da responsabilidade pelo pagamento da totalidade dos encargos do litígio, nos termos do artigo 535.°, n.° 1 e n.° 2 alínea a) do CPC, disposição que se mostra assim violada pela douta decisão recorrida.

  11. Por violar o artigo 535.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a) do CPC, deve o acórdão recorrido ser revogado na parte do decisório referente à responsabilidade por custas, e substituído por outro que absolva a Recorrente do pagamento de qualquer montante a título de custas e encargos, incluindo custas...

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