Acórdão nº 671/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 671/2019

Processo n.º 465/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A. – Futebol SAD (A.-SAD) e recorrido a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), a primeira veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 21 de fevereiro de 2019.

A ora recorrente instaurou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) contra a ora recorrida recurso de impugnação de acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da FPF que, negando provimento ao recurso hierárquico interposto, manteve decisão disciplinar condenando a A..-SAD em multa de € 153 pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo disposto no artigo 127.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional 2017 (RD-LPFP2017), conjugado com os artigos 6.º, alínea g), e 9.º, n.º 1, alínea m), do Anexo VI (Regulamento de Prevenção da Violência) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional 2017 (RPV-RC-LPFP2017), na multa de € 536 pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo disposto no artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do RD-LPFP2017, e na multa de € 1.118 pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo disposto no artigo 187.º, n.º 1, alínea b), do RD/LPFP-2017).

Por acórdão de 26 de fevereiro de 2018, o TAD negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida, condenando a A.-SAD em custas que, dado o valor da causa (€ 30.000,01), se fixaram em € 4.890,00, acrescidas de IVA à taxa legal, perfazendo € 6.014,70, os quais englobam a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral.

Inconformada com o acórdão do TAD, a A.-SAD interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que, por acórdão de 6 de agosto de 2015, concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, julgou procedente o recurso.

Inconformada com o acórdão do TCAS, a FPF, invocando o disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs recurso jurisdicional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), o qual proferiu então o referido acórdão de 21 de fevereiro de 2019, que aqui constitui a decisão recorrida.

2. A decisão recorrida apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«(...)

DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto do presente recurso o aferir se o acórdão do «TCA/S», ao ter concedido provimento ao recurso jurisdicional da «A., SAD» e revogado a decisão do «TAD», julgando procedente o recurso que perante o mesmo havia sido interposto e anulando o ato disciplinar punitivo [acórdão de 05.09.2017 do Conselho de Disciplina da «FPF»/Secção Profissional] nele impugnado, enferma, por um lado, de nulidade [por falta de fundamentação - cfr. arts. 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 5, do CFC - na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário -, 94.º, n.º 5 e 146.º do CPTA - na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele código sem expressa referência em contrário] e, por outro lado, de erro de julgamento já que o fez com errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, als. a) e b), e 258.º do RD/LPFP-2017, incorrendo, ainda, em erro de julgamento no segmento relativo ao não reconhecimento da isenção de custas por parte da «FPF», dada a violação dos arts. 04.º, n.º 1, als. f) e g), do Regulamento das Custas Processuais [RCP], 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

(...)

DE DIREITO

11. Presente o quadro factual que resulta fixado passemos, então, à apreciação dos fundamentos que constituem objeto de recurso e que foram supra elencados.

12. Assim, constitui primeiro objeto de dissídio o determinar se acórdão proferido pelo «TCA/S» padece de nulidade por falta de fundamentação, violando o disposto nos arts. 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 5, do CPC, 94.º, n.º 5, e 146.º do CPTA, mercê de se haver louvado e fundado em acórdão do mesmo Tribunal cuja pronúncia, por sua vez, se mostrava reconduzida e assente em parecer do MP produzido naqueles outros autos.

13. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, 617.º e 666.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA, os acórdãos são suscetíveis da imputação não apenas de erros materiais, mas, também, de nulidades.

14. Estipula-se no art. 615.º do CPC, sob a epígrafe de «causas de nulidade» e na parte que ora releva, que uma decisão judicial é nula «quando: … b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as «nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença/«acórdão» [cfr. n.º 1 do art. 666.º CPC] se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades» [n.º 4].

15. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não conste com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.

16. Tal como tem vindo a ser afirmado, de forma reiterada, a propósito deste fundamento de nulidade não deve confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão, termos em que a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida.

17. Cientes dos contornos da arguida nulidade temos que, no caso, o vício/defeito apontado ao acórdão recorrido não ocorre, não se mostrando, como tal, infringido o disposto nos arts. 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 663.º, n.º 5, do CPC, 94.º, n.º 5, e 146.º do CPTA, já que não nos deparamos, em concreto, com uma omissão/ausência total da motivação do julgamento no juízo de improcedência do recurso de apelação então interposto.

18. Na verdade, o acórdão em crise louvou-se naquilo que constituiu jurisprudência firmada em anterior acórdão do mesmo Tribunal que identifica e cita [datado de 16.01.2018 e no Proc. n.º 144/17.0BCLSB], jurisprudência essa à qual aderiu, tendo procedido à aplicação da mesma ao caso sub specie após extensa reprodução e na qual radica a fundamentação da pronúncia emitida.

19. Não se mostra o acórdão recorrido, pois, desprovido de fundamentação [cfr. arts. 154.º, 607.º, 615.º, n.º 1, al. b), e 663.º, n.º 2, do CPC], nem seus termos, sua estrutura e forma utilizada atentam contra o regime inserto no art. 663.º, n.º 5, do CPC ou no n.º 5 do art. 94.º do CPTA, e mecanismos de agilização e simplificação do processo de decisão deles constantes, na certeza ainda de que, como afirmado por este Supremo [cfr. Acs. de 18.10.2018 - Proc. n.º 0144/17.0BCLSB e de 20.12.2018 - Proc. n.º 08/18.0BCLSB consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário] «o art. 146.º, n.º 1, do CPTA, admite que o MP, quando não seja parte no processo, tenha nele intervenção para se pronunciar sobre o mérito do recurso, ou seja, sobre a legalidade da decisão recorrida», pelo que «[v]erificada a referida intervenção, não ocorre a violação do n.º 2 do art. 154.º do CPC quando a decisão remete para um parecer do MP que não é parte no processo».

20. Daí que constando do acórdão recorrido, com suficiência, a motivação fáctico-jurídica em que estribou o seu juízo não ocorre a arguida nulidade.

21. Insurge-se a recorrente quanto ao juízo firmado pelo «TCA/S» no segmento em que no mesmo se julgou procedente o recurso jurisdicional, revogou a decisão do «TAD» e se anulou a decisão disciplinar punitiva, para o efeito se considerando que esta padecia de ilegalidade já que não se mostravam apurados os factos e preenchidos os tipos dos ilícitos disciplinares imputados à «FC…., SAD», ocorrendo, assim, infração, nomeadamente, do que se mostra disposto nos arts. 13.º, al. f), 127.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 em conjugação com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do Anexo VI do RPV/RC/LPFP-2017.

Analisemos.

22. No processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar, não sendo o arguido que tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, pelo que perante um non liquet em matéria de prova o mesmo terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo.

23. E na fixação dos factos que funcionam como pressupostos de aplicação das penas disciplinares a Administração não detém um poder insindicável em sede contenciosa, porquanto nada obsta a que o julgador administrativo sobreponha o seu juízo de avaliação àquele que foi adotado pela Administração, mormente por reputar existir uma situação de...

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