Acórdão nº 668/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 668/2019

Processo n.º 985/18

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia de 17 de outubro de 2018 que desaplicou, «por violação do artigo 20.º da Constituição, a aplicação da norma constante dos n.ºs 1 e 3 do artigo 12.º-A do Regime constante do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a €15.000,00, quando interpretados no sentido de que, nos casos em que exista domicílio contratualmente convencionado para efeito de notificações, a citação do Requerido se efetua apenas e de imediato através de carta enviada por via postal simples com prova de depósito, sem qualquer prévia tentativa de notificação por contacto pessoal, e que assim se presume a notificação do Requerido na data do depósito e dessa data se conta o prazo para deduzir oposição».

2. A decisão recorrida apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«(…)

B) Quanto à injunção n.º 20698/15.4YIPRT:

Sobre a nulidade da citação da Executada para o Procedimento de Injunção:

São relevantes para a presente decisão os seguintes factos:

1. A 30-01-2015, foi apresentado contra a Executada um requerimento de injunção indicado que existia domicílio contratualmente convencionado para efeito de notificações.

2. No "Balcão Nacional de Injunções", para citação do requerimento de injunção à Executada, foi enviada para o endereço postal do domicílio contratualmente convencionado para efeito de notificações uma citação por via postal simples, a qual foi depositada na respetiva caixa/recetáculo postal a 11-02-2015, tal como certificado pelo distribuidor do serviço postal.

5. A Executada não apresentou oposição contra a pretensão formulada e, a 18-03-2015, foi aposta a fórmula executória no requerimento de injunção.

6. Nos presentes autos de Embargos de Executado de Oposição à Execução baseada no referido requerimento de injunção com aposição da fórmula executória a Executada nega que alguma vez tenha sido notificada do requerimento de injunção.

*

Prevê o artigo 2.º (Fixação do domicílio das partes) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, que:

"1 - Nos contratos reduzidos a escrito que sejam suscetíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.

2 - A alteração do domicílio convencionado nos termos do número anterior está sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime de oponibilidade do n.º 2 do artigo 237.º-A do Código de Processo Civil.".

*

Prevê o artigo 12.º-A (Convenção de domicílio) do Regime dos Procedimentos Especiais Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, que:

"1 - Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efetuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.

2 - O funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada.

3 - O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exato em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.

4 -Não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do notificando, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, datando-a e remetendo-a de imediato à secretaria, exceto no caso de o depósito ser inviável em virtude das dimensões da carta, caso em que deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 236.º do Código de Processo Civil.".

*

No caso concreto:

Foi cumprido o procedimento legal previsto no Regime da Injunção para a citação da Exequente.

Contudo, a nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, tal forma de citação do requerimento de injunção [com base nos números 1 e 3 do artigo 12.º-A do Regime da Injunção] é inconstitucional por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, em nosso entender, são transponíveis para o caso concreto, os fundamentos (já "supra" transcritos) que o Tribunal Constitucional elencou no seu acórdão n.º 222/2017, de 03-05-2017 (proferido no processo n.º 260/16 da 1.ª Secção) para "Julga inconstitucional por violação do artigo 20.º da Constituição, a norma constante dos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a €15.000,00, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição;".

Na verdade:

A nosso ver, apesar de existir domicílio convencionado para efeito de notificações, quando o legislador permite que a notificação (que substantivamente é uma citação) se faça de imediato e unicamente através de via postal simples com prova de depósito da carta na caixa/recetáculo postal está a permitir a violação do princípio da proporcionalidade, na vertente do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, inscrito no artigo 20.º da Constituição.

Para a violação deste subprincípio, nas palavras do acórdão, "importa saber se aquela modalidade de notificação, porquanto restritiva do direito de defesa do devedor, se revela excessiva - nomeadamente considerando o sacrifício do contraditório que implica - em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo «de forma célere e simplificada», à luz dos objetivos de celeridade, simplificação e desburocratização da atividade jurisdicional com vista ao descongestionamento dos tribunais visados pelo procedimento de injunção.".

Ora, é manifestamente desproporcionado a uma justa compatibilização dos interesses em conflito que o legislador não tivesse feito preceder a citação por via postal simples de uma tentativa de citação pessoal através de carta registada com aviso de receção para o endereço postal do domicílio contratualmente convencionado para efeito de notificações.

Arredar, à partida, a utilização de um meio de citação que possibilitaria comprovar que o devedor teve (e quando teve) efetivo conhecimento de que era interpelado para pagar ou para deduzir oposição, optando-se antes pela imediata utilização de uma forma de citação que não permite assegurar se e quando o devedor teve efetivo conhecimento da citação, não tem sustentação constitucional bastante.

Julgamos que raciocínio análogo esteve na base da redação do artigo 229.º do atual Código de Processo Civil, relativo à citação nos casos domicílio contratualmente convencionado para efeito de citação, no qual se prevê uma forma mais equilibrada, e constitucionalmente aceitável, de conciliar os interesses processuais de credores e devedores, afastando o recurso imediato à via mais célere mas, simultaneamente, menos segura e menos garantística de houve uma efetiva possibilidade de exercer o direito de defesa.

No caso em apreço, e retomando as palavras do acórdão, "ponderando a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada - notificação por via postal simples para a morada presumida do requerido... - e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar - permitir ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via de ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida - conclui-se que as normas em apreciação e a medida que lhe subjaz violam o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. ".

Em conclusão final, a norma constante dos números 1 e 3 do artigo 12.º-A do Regime constante do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, quando interpretada no sentido de que, nos casos em que exista domicílio contratualmente convencionado para efeito de notificações, a citação do Requerido se efetua apenas e de imediato através de carta enviada por via postal simples com prova de depósito, sem qualquer prévia tentativa de citação por contacto pessoal, e que assim se presume a notificação do Requerido na data do depósito e dessa data se conta o prazo para deduzir oposição, é inconstitucional por violação do artigo 20.º da Constituição.

*

A nossa recusa, à luz do artigo 204.º da Constituição, de aplicação da norma inconstitucional, implica a verificação da falta/nulidade da citação do requerimento de injunção à Executada no âmbito do Procedimento de Injunção [art.ºs 191.º/1...

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