Acórdão nº 02044/16.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução27 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO E., E. e C., S.A., com sede na Rua . das L., G., 4XXX-XXX P…, propôs acção administrativa contra o Município de V... N... de G..., com sede na Rua Á.. C…, 4XXX-XXX, V... N... de G..., indicando como Contrainteressada Construções E. A.-L., S.A., com sede na Rua M… A… P…, 52, B…, pedindo (i) que seja anulado o acto de liquidação da conta final/revisão de preços que lhe foi notificada em 14/07/2016 e, em consequência, (ii) que seja a Contrainteressada notificada para pagamento do valor apurado na revisão de preços pelos trabalhos por si executados.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu dos pedidos.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: I – O Tribunal a quo, não teve dúvidas que por contrato celebrado em 24/10/2014, a Construções E. A.-L., S.A, cedeu à Recorrente a posição contratual no contrato de empreitada por aquela celebrado com a Recorrida em 01/03/2013 para “construção de passadiço para ligação ciclo-pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e requalificação da frente fluvial do Rio D... no A… de O… do D…”.

II – No final da execução da obra, o Recorrido notificou a Recorrente da conta final/revisão de preços, datada de 15/02/2016, à qual foi junta uma factura no valor de € 75.361,11, alegando que o seu pagamento é da responsabilidade da ora Recorrente.

III – Porém, nos termos do contrato de cessão da posição contratual antes celebrado com a Contrainteressada, a Recorrente não é responsável pelo pagamento de quaisquer valores em caso de revisão de preços, porquanto ficou expressamente estipulado naquele contrato que a cedente teria direito ao valor a apurar de revisão de preços, seja na qualidade de credora, seja na qualidade de devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora.

IV – A Recorrente não pôs em crise os valores apurados da conta final e da revisão de preços, mas tão-só a responsabilidade pelo seu pagamento, aliás, tal como referido pelo Tribunal a quo.

V – Como tal, esteve igualmente bem o Tribunal a quo, ao considerar que a Recorrente e a contrainteressada (cedente) celebraram um contrato de cessão de posição contratual pelo qual esta cedeu àquela, que aceitou, a posição contratual de empreiteira no contrato de empreitada em causa, cessão que foi devidamente autorizada pelo Recorrido.

VI – Efectivamente a possibilidade de cessão da posição contratual no âmbito dos contractos públicos vem genericamente admitida no artigo 316.º do CCP, devendo ser sempre respeitados os limites pelo art. 317.º do mesmo diploma.

VII- No caso em apreço, a cessão da posição contratual no decurso da execução do contrato carece de autorização do contraente público, sendo que, para efeitos desta autorização, o co-contratante deve apresentar uma proposta fundamentada e instruída com todos os documentos comprovativos da verificação dos requisitos que seriam exigíveis para a autorização da cessão e da subcontratação no próprio contrato.

VIII - A doutrina tem entendido que a cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes (cedente) em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente (cedido), o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato.

IX – Este contrato de cessão que foi celebrado tem por objecto a totalidade da posição contratual transmitida, no seu conjunto de direitos e obrigações.

X – Ou seja, o principal efeito deste contrato é a substituição do cedente pelo cessionário, como contraparte do cedido na relação contratual de base, tal como esta existe à data da cessão.

XI – Desta forma, a cedente perdeu efectivamente, em virtude da transmissão, a qualidade de contraparte (do cedido), deixando de lhe competir todos e quaisquer direitos e/ou deveres e obrigações que lhe advinham da relação contratual transmitida.

XII – Contudo, a cláusula terceira do contrato celebrado entre a Recorrente e a Cedente consta que a Contrainteressada, enquanto cedente, “terá que receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais no valor de € 592.680,84 + IVA, dos adicionais no valor de € 54.707,67 + IVA, o valor a apurar de revisão de preços e do rachão aplicado na margem do rio de acordo com o adicional”.

XIII - Como é bom de ver, o valor a apurar em sede de revisão de preços é variável e pode ser positivo ou negativo, tornando-se o Dono da Obra devedor ou credor da quantia que se vier a apurar, em função das fórmulas e critérios aplicáveis.

XIV – O Tribunal a quo, esteve mal ao não considerar que ficou expressamente estipulado no contrato de cessão créditos que a Cedente teria direito ao valor a apurar de revisão de preços significa que esse direito tanto lhe ficou reservado no caso de ser credora ou devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora.

XV - Ao pretender a predita informação jurídica que apenas ficou estipulada essa reserva para a cessionária no caso de a cessionária ter direito a receber algum montante em sede de revisão de preços, está a fazer uma leitura desconforme com a letra do contrato e com a expressa vontade das partes.

XVI - Tal interpretação não encontra respaldo nem na lei nem na letra do contrato.

XVI - E mesmo que subsistisse uma qualquer dúvida da letra do contrato, quando refere a palavra “receber”, haveria necessariamente que fazer-se uma interpretação da mesma no contexto do contrato, procurando-se, a partir do elemento literal, extrair-se a efectiva vontade das partes.

XVII - Apurar em sede de revisão de preços, como se viu pode ser positivo ou negativo.

XVIII – Sem dúvida que andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que a Recorrente quando ingressou na posição contratual de empreiteiro “herdou” todo o complexo unitário, dinâmico e funcional de direitos e de obrigações, principais e acessórias, que constitui a relação contratual de empreitada, no qual não se inclui a obrigação de pagamento do saldo apurado pelo Recorrido ao nível da revisão de preços, no final da execução da empreitada.

XIX – Nos termos da cláusula terceira do contrato de cessão, manteve-se na esfera jurídica da cedente o direito a receber a totalidade dos seus trabalhos contratuais, os adicionais, o valor apurar (pagar ou receber) de revisão de preços.

XX – Ficou estipulado no contrato de cessão que a cedente teria direito ao valor a apurar de revisão de preços, e sendo esse valor variável (podendo ser positivo ou negativo), tal significa que esse direito lhe ficou reservado quer no caso de ser credora, quer no caso de ser devedora, e não exclusivamente para o caso de ser credora, sob pena de uma leitura desconforme com a letra do contrato e com vontade expressa das partes.

XXI – O direito a receber que consta na cláusula terceira apenas se refere à totalidade dos seus trabalhos contratuais e dos adicionais.

XXII – Se assim não fosse, não constava o valor apurar de revisão de preços, mas sim, o valor da revisão de preços.

XXIII – Este sim, é o sentido da declaração negocial inserta na cláusula terceira do contrato de cessão, por corresponder àquele que seria apreendido por um declaratório normal, medianamente instruído e diligente.

XXIV – Uma vez que, o contrato de cessão não é pormenorizado nem preciso quanto à revisão de preços.

XXV - Face ao exposto, o Tribunal a quo esteve mal ao não considerar que o dever de pagamento foi também excepcionado.

XXVI – A cessão não deve operar plenamente.

XXVII – Considera, assim, erradamente, o Tribunal a quo que a Recorrente é responsável pela quantia total apurada pela revisão de preços da empreitada.

XXVIII – Desta forma, a Recorrente ainda não se encontra em incumprimento do dever contratual de pagamento do valor apurado em sede de revisão de preços.

XXIX – Logo, o Recorrido não se encontra habilitado a accionar a garantia prestada pela Recorrente, nos termos legalmente permitidos.

POR TODO O SUPRA EXPOSTO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E COMO CONSEQUÊNCIA SER MODIFICADA A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

O Município de V... N... de G... juntou contra-alegações, concluindo: A - A cessão de posição contratual engloba todo o conjunto de direitos e obrigações resultantes do contrato, com excepção daqueles que as partes expressamente excluírem; B - No caso em análise e no que respeita à revisão de preços, as partes apenas excluíram da transmissão os direitos de crédito da cedente e não as eventuais obrigações a débito, que bem sabiam poderem vir a surgir; C - Havendo saldo de revisão de preços a favor do dono da obra, surge uma obrigação contratual de pagar, que foi transmitida à cessionária juntamente com os demais direitos e obrigações não expressamente excluídos; D - Cabe portanto à cessionária, aqui recorrente, liquidar ao recorrido os montantes apurados, inclusivamente no que respeita aos trabalhos efectuados pela cedente; E - Como a recorrente não pagou os montantes devidos há um incumprimento contratual, podendo o recorrido socorrer-se da garantia bancária para receber a verba em causa; F - Deve manter-se integralmente a decisão em crise, sendo negado provimento ao recurso; Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, sendo integralmente mantida a decisão recorrida, com o que farão Justiça Construções E. A.-L., SA. também contra-alegou, concluindo: 1. Em 01/03/2013, celebrou a Recorrida com a Câmara Municipal de V... N... de G..., um contrato de empreitada Construção de Passadiço para Ligação Ciclo-Pedonal entre o cais de Q… e o A… de O… do D… e Requalificação da Frente Fluvial do Rio D... no A… de O… do D….

  1. Em 24/10/2014, Recorrida e Recorrente, celebraram um contrato de cessão de posição contratual, cujo objeto era a empreitada mencionada supra, em que aquela figurava como Cedente e esta como Cessionária.

  2. A cessão da...

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