Acórdão nº 162/17.8T8VPC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. H. R.

intentou contra Materiais de Construção X, Lda., acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação desta a:

  1. Proceder à entrega imediata da fracção autónoma compropriedade do Autor por si ocupada e melhor identificada no artigo 1º [rectius, no artigo 2º - fracção autónoma designada pela letra “H” do prédio sito na Quinta ..., freguesia e concelho de ...

    , inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...

    , e descrita na Conservatória do Registo Predial de ...

    sob o nº ...

    /19940831-H (1)] da petição inicial, totalmente livre e desembaraçada e em boas condições de utilização.

  2. Indemnizar o Autor e a sua consorte pela ocupação da mesma, à razão de € 500,00/mês, que nesta data se liquida em quantia não inferior a € 20.000,00, cabendo até 31.06.2017, decorrentes do uso e fruição da fracção autónoma por ela ilegalmente ocupada, cabendo ao Autor uma indemnização não inferior a € 10 000,00; c) Pagar o valor indemnizatório, decorrente da mesma causa, calculado a partir de 01.07.2017, à mesma razão de € 500,00/mês, apenas a favor do Autor em virtude de ter passado a ser o exclusivo proprietário da fracção autónoma ocupada pela Ré; d) Pagar uma sanção pecuniária compulsória não inferior a € 500,00 por cada mês de atraso na entrega da fracção autónoma ao Autor.

    Mais requereu a intervenção principal provocada, como autora nos presentes autos, da sua consorte e comproprietária da mesma fracção autónoma, A. S.

    .

    Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que juntamente com a sua sobrinha A. S. é dono em comum e na proporção de ½ para cada um, das fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “D”, destinadas a comércio e garagem, respectivamente, do prédio urbano sito Quinta ..., freguesia e concelho de ...

    , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...

    e descrito na Conservatória do Registo Predial de ...

    sob o nº ...

    .

    Sucede que a Ré, pelo menos desde 01.02.2014, vem ocupando a fracção H e nele tem instalado um comércio de drogaria e materiais de construção, sem a autorização do Autor e sem qualquer título para o efeito.

    Com tal ocupação a Ré causa ao Autor prejuízo não inferior a € 500,00 mensais, rendimento que obteria caso arrendasse a referida fracção.

    A partir de 31.07.2017 a fracção pertence em exclusivo ao Autor.

    *A Ré contestou e requereu a intervenção principal provocada de A. J., confirmando que ocupa a fracção, mas alegando que em 30.01.2014 celebrou com o dito A. J., que sempre considerou como proprietário daquela fracção, um contrato de arrendamento para comércio, tendo como objecto aquela fracção urbana, pelo valor de € 300,00 mensais.

    Em Fevereiro de 2016, contactou o Autor e predispôs-se a pagar-lhe metade da renda, mediante a celebração de um contrato de arrendamento, o que este não aceitou.

    *Foi deferida a intervenção principal provocada de A. S. e de A. J..

    Citados os Chamados, apenas A. J.

    interveio nos autos, invocando a caducidade do direito do Autor por via do disposto no artigo 1282º do Código Civil e alegando que adquiriu as fracções referidas pelo Autor a J. N. e mulher, A. L., por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de ...

    , em 01.10.1996. Em virtude de dificuldades económicas, o Chamado transmitiu tais fracções ao Autor e à Chamada A. S..

    Sucede que o Autor nunca tomou posse de tais fracções, por se tratar de negócio fictício, sendo que o Chamado sempre continuou a utilizá-las como se tratando do seu proprietário.

    Alega ainda que o Autor sempre disso teve conhecimento, pelo que ao vir agora exigir a sua restituição actua em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

    *Notificado da contestação do Chamado, o Autor peticionou a condenação do interveniente A. J. como litigante de má-fé.

    *1.2.

    Foi proferido despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a decidir: «- Condenar a Ré Materiais de Construção X, Lda. a proceder à entrega imediata e livre de pessoas e bens ao Autor da fracção autónoma designada pela letra “H”, destinada a comércio, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, Loja nº 2, composta por sala ampla, com entrada pela avenida de expansão urbana, e terraço, com a área de 116,50m2, valor patrimonial de €33.966,93, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Quinta ..., freguesia e concelho de ..., encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .../19940831-H e inscrita pela Ap. 2830 de 04/12/2017 a favor do Autor.

    - No mais, absolver a Ré Materiais de Construção X, Lda. dos pedidos formulados pelo Autor.

    - Absolver integralmente o interveniente A. J. dos pedidos formulados pelo Autor, incluindo o de condenação deste como litigante de má-fé».

    *1.3.

    Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença e formulou, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões: «

  3. ALTERAÇÃO DA MATERIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA 1. Face ao que se julga demonstrado na primeira parte destas alegações, salvo sempre melhor entendimento, a decisão recorrida não esteve bem no julgamento e apuramento dos factos provados, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada por provada na douta decisão recorrida.

    1. Assim, conforme à prova produzida, quer por confissão da ré nos artº 14º, 15º, 16º, 28º da contestação, quer pelas suas declarações de parte prestadas pelo sócio-gerente O. B., pelas testemunhas A. F., O. E. e C. F. (registos áudio parcialmente transcritos, nos termos acima considerados), deve considerar-se provado: 3. Que o autor algum tempo depois de a ré, em 1 e Fevereiro de 2014, ter ocupado a sua fracção autónoma e de nele ter começado a explorar o seu negócio de drogaria e de materiais de construção, a contactou a reclamar de tal ocupação e a informou que o interveniente A. J. não era dono da mesma, nem tinha poderes para a arrendar, tendo, na mesma altura, pedido para ela lhe pagar a renda a ele.

    2. Deve, também ser julgado provado: que a ré, na sequência do contacto do autor mencionado na conclusão precedente, se apercebeu da “embrulhada” em que estava metida, tendo contactado o seu advogado para resolver o problema ficando, em meados de Dezembro de 2014, conhecedora do problema e dos seus contornos, incluindo da existência de um litigio judicial entre o interveniente A. J. e o autor objecto do Procº nº 742/12.9 TBVLP).

    3. O que resulta demonstrado face à prova produzida, quer por confissão da ré nos artº 14º, 15º, 16º, 28º da contestação, quer pelas suas declarações de parte prestadas pelo sócio-gerente O. B., pelas testemunhas A. F., O. E. e C. F. (registos áudio parcialmente transcritos acima nos termos aí referidos) 6. Deve, ainda, ser julgado provado: que a renda ou valor locativo da fracção autónoma do autor abusivamente ocupada pela ré, no período compreendido entre o início do ano de 2014 e até à presente data é de valor não inferior a 400,00 €.

    4. O que resulta comprovado pelas declarações de parte prestadas pelo autor, e pelo depoimento das testemunhas A. F., O. E. e C. F. (registos áudio parcialmente transcritos acima nos termos aí aludidos).

  4. APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS 8. Face ao alegado, considerando toda a factualidade já dada por provada na douta decisão recorrida, á qual deve acrescer a que se refere nas conclusões precedentes, entendemos que se verificam comprovados todos os pressupostos de facto e de direito para considerar que a ocupação da fracção autónoma do autor pela ré é ilegal e abusiva por se fundar num contrato de arrendamento ilegal, inválido e ineficaz para legitimar tal ocupação por ser celebrado com quem não era seu proprietário e carecia de poderes para dele dispor legitimamente, o que esta deveria ter cuidado de averiguar antes de celebrar tal contrato com o interveniente A. J.

    .

    1. Sendo tal ocupação, também, abusiva e de má fé, porque a ré foi contactada pelo autor, algum tempo após ela ter ocupado a fracção e lhe informou que o A. J. não era o seu dono e que o arrendamento acordado com ele era ilegal, 10. Pedindo-lhe, ainda, que lhe pagasse a renda a ele que era dono, e não àquele que não era dono, nem tinha poderes para a arrendar, tendo a ré, mesmo depois de meados de Dezembro de 2014, quando já conhecia todos os contornos do problema, continuado com essa ocupação ilegal e a pagar a renda ao referido A. J., o que sucedeu até Julho de 2017, já depois da citação para os termos da presente acção.

    2. No caso em apreço, não procede a conclusão de que o autor se não interessou em defender o seu direito de propriedade sobre a fracção em causa e em dela fazer uso ou dela retirar o respectivo aproveitamento e benefícios.

    3. Ao contrário do que consta da douta sentença recorrida, apesar de o autor residir em …, no Algarve, logo que soube da ocupação contactou a ré para informar da situação ilegal em que se encontrava e para lhe pagar a renda a ele e não a A. J. que não era dono, nem tinha poderes para a arrendar a fracção, tendo a ré, ficado ciente de toda esta “embrulhada” em meados de Dezembro de 2014.

    4. Mesmo depois dessa altura, o autor não deixou de preocupar e de se envolver na defesa do seu direito de propriedade. Além de o tentar fazer por via extrajudicial e por intermédio dos advogados de ambas as partes (registo áudio acima transcrito), e continuou a contactar a ré para solucionar o problema sempre que se deslocava a ...

      , nomeadamente por causa do referido litígio judicial com o dito A. J. (procº nº 442/12.9TBVLP), que só ficou concluído em 2016 e por causa da acção especial de divisão da compropriedade da fracção autónoma movida à sua consorte e chamada A. S., concluída em Maio de 2017, com a sua aquisição da parte dela, reunindo a totalidade o direito de propriedade sobre a dita fracção (nº 6, dos factos provados...

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