Acórdão nº 1/17.0T8CBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório P. L. instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga (1), a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra X – Confeções Unipessoal, Ld.ª, peticionando a condenação da Ré no pagamento: a) da quantia de € 42.000 a título de rendas vencidas e não pagas desde Janeiro de 2012 a Dezembro de 2016; b) da quantia de € 21.000 a título de indemnização de 50% sobre o montante das rendas vencidas e não pagas; c) das rendas vencidas na pendência da ação como das vincendas.

Para tanto alegou, em síntese, que é proprietário do prédio urbano sito no lugar da ..., freguesia de ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., composto por andar ou divisão com utilização independente no rés-do-chão, afeto a armazém e atividade industrial e habitação no primeiro andar.

Em 31 de Julho de 2008, acompanhado da ex-mulher, deram de arrendamento à Ré, o rés-do-chão, pelo prazo de cinco anos, iniciado a 1 de Agosto desse ano, prorrogando-se por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, pela renda mensal de € 700,00, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito, a atualizar anualmente, para instalação de uma unidade industrial de confecção: A Ré não pagou um único mês de renda, nem a mesma foi sujeita a qualquer actualização, pelo que peticiona o pagamento das rendas em dívida, acrescido de uma indemnização igual a 50%.

*Citada, contestou a Ré, nos termos constantes de fls. 29 a 32, pugnando, entre o mais, pela total improcedência da ação.

Em abono da sua defesa alegou, em síntese, que: Nada deve até à partilha e que a sua representante e o Autor resolveram dar-lhe de arrendamento com o propósito de proceder a melhoramentos na casa de morada de família e dependências anexas, bem como diminuir os encargos que despendiam na habitação e utilizar o rendimento nas necessidades do casal, porém, face à rotura conjugal, que culminou na separação de facto em Setembro de 2012, no decorrer de conversa para determinar os termos da separação em Junho desse ano, resolveram o contrato e liquidou a última renda; a partir dessa data, utiliza o espaço por ser bem comum até à partilha.

Defende que o Autor litiga de má-fé com intuito de a prejudicar, assim como a sua ex-mulher, pretendendo a sua condenação em indemnização não inferior a € 3.000.

*Realizou-se tentativa de conciliação, que se frustrou.

*Na sequência da prolação do despacho datado de 7/12/2017, a autora apresentou resposta/réplica (fls. 70 a 75), pugnando pela improcedência das exceções invocadas na contestação e condenação da Ré como litigante de má-fé.

*Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento no sentido de o Autor clarificar a invocada titularidade exclusiva do direito de propriedade com alegação de factos suscetíveis de a traduzir e, eventualmente, suscitar o incidente de intervenção principal da sua ex-mulher (fls. 76 e 77).

*O Autor apresentou nova petição (fls. 78 a 85), demandando como Ré M. M. e ampliando o anterior pedido de forma a que: a) seja judicialmente reconhecido que é dono exclusivo do imóvel, que é seu bem próprio e que se condenem as Rés a reconhecê-lo; b) seja judicialmente declarado que o contrato de arrendamento teve, de acordo com a vontade real dos intervenientes que nele outorgaram, como objeto apenas o rés-do-chão do prédio identificado nos artigos 7º e 10º e que apenas essa parte do imóvel possui licença de utilização para o exercício da atividade da segunda Ré; c) a Ré sociedade seja condenada a pagar os juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento das rendas em dívida.

*A Ré exerceu o contraditório, aduzindo que o Autor alterou a causa de pedir e não deduziu incidente de intervenção principal; terminou pedindo, novamente, a condenação do Autor como litigante de má-fé (fls. 98 a 100).

*Foi proferido despacho considerando que o Autor não deu cumprimento ao convite que lhe foi dirigido, por ter inobservado as regras processuais ao colocar na posição de Ré a sua ex-cônjuge em vez de deduzir o incidente de intervenção, além de não ser admissível o pedido formulado sob a al. A) da petição corrigida; admitiu, porém, o pedido formulado sob a alínea b).

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa, pronunciou-se pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, relegando para sentença o conhecimento da exceção perentória de existência de acordo de revogação do contrato de arrendamento em Junho de 2012, com efeitos a partir de Setembro de 2012 e o pagamento pontual das rendas até esta data.

Após, procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, sem reclamações, bem como admitiu os meios de prova (cfr. fls. 103 a 106).

*Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 113 a 115).

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 116 a 126), nos termos da qual decidiu: I. Julgar a ação não provada e improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.

  1. Julgar o incidente de litigância de má fé suscitado pela Ré provado e procedente, condenando o Autor na multa de 8 (oito) UCs e na indemnização que vier a ser fixada relativamente a honorários e despesas decorrentes da presente lide para a demandada.

  2. Julgar o incidente de litigância de má fé suscitado pelo Autor não provado e improcedente.

*Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 128 a 149) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1) O recorrente não se conforma com a decisão que julgou improcedente a ação e o condenou como litigante de má fé no pagamento de 8 UC, entendendo o recorrente que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, quer no enquadramento jurídico que extraiu dos factos provados, quer em relação a estes, pelo que o recurso versa sobre, simultaneamente, matéria de facto de Direito.

2) O tribunal partiu dos factos que deu como provados nos pontos 16 e 17 para concluir pela nulidade do contrato de arrendamento por fraude à lei, mas salvo o respeito por diferente opinião, erradamente.

3) É a própria Ré quem conforme resulta do alegou na sua contestação: a) assume a existência e acordo entre os membros do extinto casal em celebrar o contrato de arrendamento com a sociedade unipessoal da qual é única sócia a Ré; b) refere que tal contrato se manteve em vigor até setembro de 2012, tendo sido extinto nessa data (afirmando ter sido por resolução) quando – como bem corrigiu o tribunal - seria por revogação por mútuo acordo; c) refere e confessa que, a última renda paga ocorreu nessa data (Setembro/2012) 4) O tribunal faz uma extrapolação inadmissível a partir do facto que deu como provado de que as partes com a celebração do contrato foi a de procederem a retiradas de dinheiro da Ré para fazerem face a despesas do lar e em obras no imóvel para daí concluir que as partes quiseram antecipar a distribuição de dividendos não consentido por lei, sem deliberação da sociedade para o efeito, agindo em violação do artº 31º do CSC e, por consequência, com fraude à lei, posto que o contrato de arrendamento serviu apenas de mero instrumento de um tal objetivo ilícito.

5) O facto de o extinto casal ter optado por uma solução que lhe permitisse aumentar os rendimentos familiares, através da celebração de um contrato de arrendamento, por meio das rendas que a locatária – sociedade unipessoal de que era e é sócia única a ex mulher do Autor - em nada retira validade a este contrato. Em bom rigor até faz todo o sentido considerando a autonomia jurídica das sociedades, sendo certo que, se a sociedade Ré ocupa um espaço em imóvel onde mantém fixada as suas instalações e serve de local onde exerce a atividade de confeção, faz (e fazia) todo o sentido que pagasse ao proprietário uma contrapartida por tal ocupação (renda).

6) A fundamentação vertida na sentença a pág. 16, nos termos da qual “a finalidade do contrato prendia-se com a afetação daquele montante aos custos da atividade, o que se repercutia nos impostos de rendimentos de pessoa coletiva, diminuindo-os, por forma a aumentar os valores que beneficiavam a sócia gerente mas também o Autor, seu marido”, além de não ser verdade, traduz uma visão distorcida da realidade económica, mas também fiscal.

7) Também não corresponde à verdade, tomando em consideração os próprios factos provados, a afirmação constante da fundamentação da sentença, quando, a pág. 13, refere: “Apesar do escrito que formaliza o contrato de arrendamento, o propósito das partes não era o estabelecimento de um vínculo locatício, mas antes, permitir que o casal retirasse da sociedade rendimentos da sua atividade a fim de os utilizar nas despesas do agregado familiar, na realização de melhoramentos no imóvel, reduzindo o pagamento de impostos pela Ré, na medida em que lhe permitia imputar nos custos de exploração, a título de rendas das instalações que ocupava, os valores que entregava.” 8) O que de todo não faria sentido seria a sociedade Ré ter as suas instalações em imóvel do Autor sem nada pagar, sendo certo, por outro lado, que se o casal obtinha como receitas as rendas pagas pelas sociedade Ré, permitindo a esta deduzir à sua matéria coletável, também é certo que o casal teria, enquanto rendimento gerado pelas rendas, que pagar IRS por efeitos dos rendimentos prediais obtidos, como, aliás se encontra demonstrado [veja-se declarações de IRS do ano de 2012 – fls. 37 a 42 – de onde a declaração de rendimentos prediais na declarações de imposto (IRS) desse ano – facto este que a sentença, estranhamente, omite.

9) Numa economia de casal, com a particularidade de a empresa unipessoal titulada pela mulher estar a ocupar uma parte do imóvel, é normal que Autor e representante da Ré (então casados entre si)...

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