Acórdão nº 3150/07.9TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

Em 10.11.1999, AA intentou a presente acção contra BB (1.º réu) e mulher, CC (2.ª ré), DD (3.º ré) e EE (4.º réu) e mulher, FF (5.º ré), formulando dois pedidos, a saber: 1.º) ser o 1.º réu, BB, condenado a pagar ao autor a quantia de 214.531.342$00, acrescido de juros de mora à taxa de 7% ao ano desde a interposição da acção até efectivo pagamento calculados sobre o capital em dívida de 209.000.000$00.

  1. ) serem declaradas nulas, porque absolutamente simuladas, as compras e vendas celebradas entre o 1.º réu e a 2.ª ré e entre esta e os 3.ºs réus[1], por escrituras celebradas em 13.03.1992 e 15.03.1994, do prédio identificado no art. 15.º da petição inicial, ordenando-se o cancelamento das inscrições G-3 e G-4 (este último segmento do pedido foi alvo de pedido de rectificação formulado em 25.11.1999 e admitido por douto despacho de 13.12.1999).

  1. Os réus BB e mulher e EE e mulher, contestaram a acção, pugnando pela absolvição dos pedidos.

  2. Apresentada réplica, foi proferido despacho saneador em 06.04.2001, através do qual foi decidida a excepção da ilegitimidade do autor, suscitada pelos réus contestantes e organizados e seleccionados os factos assentes e aqueles que constituem a base instrutória.

    Com o requerimento de provas apresentado pelo autor em 3.05.2001, foi junta cópia da douta sentença que declarou o 1.º réu falido, com o esclarecimento de que estava pendente de embargos.

    Entretanto, faleceram o 4.º réu EE, em 18.02.2002, a 2.ª ré DD, em 18.09.2004, e o autor AA, em 16.12.2005, tendo sido proferidas sentenças de habilitação.

    O julgamento teve início em 2005, mas, entretanto, por despacho proferido a 31.05.2012 foi determinada a suspensão da instância até se mostrarem julgados definitivamente os autos de embargos à falência.

    No dia 14.09.2017 foi enviada aos autos certidão informando que nos autos de processo n.º 757/14.1T..., a correr termos no Juiz … do Juízo de Comércio de …, a sentença proferida a 14.11.2000, que decretou a falência do 1.º réu BB, havia transitado em julgado a 13.02.2017.

    Por requerimento apresentado a 2.10.2017 o réu BB veio requerer a extinção da instância relativamente ao 1.º pedido formulado.

    Por despacho proferido a 10.01.2018 foi notificado o liquidatário judicial para juntar aos autos procuração emitida pela massa falida a favor do advogado que patrocinava aquele réu ou a favor de outro advogado para com os mesmos os autos prosseguirem.

    E, verificando-se que o liquidatário da massa falida de BB não tinha vindo dizer nada aos autos, por despacho proferido a 05.04.2018, foi de novo determinada a notificação daquele liquidatário judicial para constituir mandatário em 10 dias com a advertência de que, se o não fizesse, os autos prosseguiriam os seus termos sem mandatário constituído em relação à massa falida, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, al.

    b), do CPC.

    O liquidatário judicial veio apresentar requerimento aos autos no dia e comprometeu-se a comunicar a sua posição final em 15 dias.

    De seguida, o liquidatário judicial, por requerimento de 13.06.2018, veio informar ter pedido a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono a nomear.

    E, através de ofício junto aos autos a 12.10.2018, o tribunal foi informado que foi concedida à massa falida do 1.º réu BB apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono que foi nomeado.

  3. Em 17.10.2018, o Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão, cujo teor se transcreve aqui na totalidade: “Alega o autor ser credor do primeiro réu.

    Alega que o réu praticou uma venda simulada (art. 240.º do CC), assim afetando o património garante da obrigação (art. 601.º do CC).

    Deste efeito sobre a garantia geral das obrigações nasce o direito do autor de pedir a declaração de nulidade da venda (art. 605.º do CC), para além do reconhecimento do seu crédito e a condenação do primeiro réu no seu pagamento (art. 817.º do CC).

    Por força da declaração de nulidade, o bem alienado retorna (melhor, mantém-se) no património do alienante, para satisfação dos seus débitos (art. 289.º do CC).

    O primeiro réu foi declarado falido por decisão transitada em julgado em 13 de fevereiro de 2017 (fls. 1748 v.). Considerando a doutrina acolhida no AUJ 1/2014 e no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 46/2014, a instância é supervenientemente inútil, quanto ao primeiro pedido formulado.

    Em tal processo, ao autor (isto é, à parte ativa nesta ação), foi julgado verificado o crédito objeto do primeiro pedido, por decisão transitada em julgado (fls. 1625). Ao contrário da impugnação pauliana individual, prevista no novo CIRE (diploma que não se aplica à falência em causa: cfr. o art. 12.º, n.º 1, do DL n.º 53/2004, de 18 de Março), a declaração de nulidade faz ingressar o bem na massa falida, em benefício de todos os credores do falido.

    Cabe ao liquidatário judicial tutelar os interesses da massa falida, sendo-lhe reconhecida legitimidade para impugnar atos em benefício dela – arts. 156.º e 157.º do CPEREF; já não para impugnar atos em benefício de um credor.

    À luz do CPEREF, admite-se que um credor com o crédito reconhecido possa ser intérprete dos interesses (coletivos) da massa falida, mas nunca à margem do processo de falência (art. 160.º, n.º 1, do CPEREF). No domínio daquele código, não é legalmente admissível uma ação com vista à incorporação na massa falida de um determinado bem por um credor individual, numa ação com absoluta autonomia de procedimento. A real consistência da massa, numa ação exclusiva e diretamente destinada a conformá-la, é um assunto apenas respeitante ao processo de falência. É uma matéria que cabe apenas à instância falimentar.

    Ainda que se admita que os atos prejudiciais à massa possam ser postos em causa, em seu exclusivo benefício, com um fundamento distinto de um dos dois previstos no código – a resolução e a impugnação pauliana −, isto é, ainda que se admita que possam ser postos em causa através de uma ação visando a declaração de nulidade – o que a doutrina não parece configurar: cfr. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os Efeitos Substantivos da Falência, Porto, Publicações Universidade Católica, 2000, p. 185, nota 424 −, nunca se poderá admitir que o recurso a esta solução processual esdrúxula redunde numa fraude à lei, furtando a ação à força centrípeta da instância falimentar (art. 160.º, n.º 1, do CPEREF), a pretexto de não ser formalmente pedida uma resolução nem uma impugnação pauliana.

    O regime processual falimentar, caracterizado pela sua natureza executiva universal e pelo princípio da par condicio creditorum, assume uma natureza especial também neste domínio, isto é, dos meios processuais destinados a obter a impugnação – em sentido lato – de atos do falido prejudiciais à massa, podendo mesmo discutir-se uma impropriedade do meio processual presente na instauração de uma ação autónoma de processo comum (art. 546.º, n.º 2, do CPC), a falência da competência material ou por conexão processual dos demais tribunais e uma derrogação da regra de acordo com a qual a lei processual especial (isto é, os meios processuais especiais) prevalece sobre a lei processual comum (lex specialis derogat legi generali) – desenvolvendo esta ideia, veja-se o Ac. do TRE de 05-05-2016 (1087/05.5TBALR-K.E1). Ainda que o direito substantivo exercido seja o de obter a declaração de nulidade, o meio processual a adotar deve ser o previsto no CPEREF (ou com ele conformar-se), já que este se constitui num regime coerente e consequente com a idiossincrasia própria da instância falimentar e dos seus fins.

    Do exposto resulta que, com a declaração de falência, a instância declarativa autónoma visando apenas a reintegração da massa falida resulta legal e supervenientemente inadmissível, isto é, torna-se legalmente impossível. No caso dos autos, não tendo sido promovida qualquer apensação processual, é inútil discutir se este vício pode ser ultrapassado através da redentora apensação ao processo de falência.

    Pelo exposto: − julgo a instância supervenientemente inútil, quanto ao primeiro pedido formulado (art. 277.º, al. e), do CPC); − julgo a instância legal e supervenientemente impossível, quanto ao segundo pedido formulado (art. 277.º, al. e), do CPC).

    Custas pelo falido e pelo autor, em partes iguais (art. 536.º, n.os 1 e 2, al. e), do CPC. Valor da causa: o dado pelas partes Registe e notifique”.

  4. Inconformado, GG, habilitado a prosseguir a demanda em substituição do falecido autor AA [2], interpôs recurso de apelação.

    Por seu turno, CC, FF, HH, II, JJ e KK, réus habilitados a prosseguirem a demanda em substituição do 4.º réu EE[3], apresentaram contra-alegações.

  5. Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, em 11.04.2019, onde decidiu julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar a sentença, determinando o prosseguimento da acção relativamente ao segundo pedido formulado na petição inicial, salvo havendo outro obstáculo legal ao seu prosseguimento.

  6. Inconformados, são, desta vez, os réus CC, FF, HH, II, JJ e KK, quem interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido e pela sua substituição por outro que mantenha a sentença do Tribunal de 1.ª instância.

    Terminam as suas alegações com as seguintes conclusões: “1ª- Com base no relatório elaborado pelo Tribunal “a quo” – o Tribunal de 1ª Instância, quiçá, por lapso, não havia elaborado – o douto acórdão revogou a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância, sentença essa que, a nosso ver e salvo o devido respeito, não nos mereceu qualquer reparo, razão pela qual, pugnam pela manutenção daquela douta sentença e revogação do acórdão, ora posto em crise.

    1. - Do relatório a que se alude na conclusão que antecede, foram dados como assentes, os seguintes...

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