Acórdão nº 2239/10.1TBOAZ.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e marido BB instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra Município de CC, pedindo a sua condenação a: a) Restabelecer o direito de propriedade dos AA., através da reconstituição da situação hipotética atual, relativa aos terrenos que identifica ou a indemnizar os AA. pela quantia de global de € 344.527,06, a título de reintegração por compensação, quantia acrescida dos juros de mora até efetivo e integral pagamento; b) Pagar aos AA. a quantia global de € 5.856,12, a título de outros danos patrimoniais; a quantia global de € 263.833,43, a título de lucros cessantes; danos não patrimoniais à A. na quantia global de € 20.000,00 e ao A. na quantia global de € 30.000,00, tudo acrescido de juros moratórios até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento alegaram que, em 24-8-99, o R. enviou aos AA. uma carta solicitando-lhes que o contactassem, para tratar de assunto relativo à construção da III Fase da Via do Nordeste, cujo traçado se previa ocupar parcelas de terrenos pertencentes aos AA. Em 5-7-01, sem que para o efeito estivesse munido de qualquer título, o R. procedeu ao abate e derrube de árvores, tendo persistido na ocupação contra a vontade e consentimento dos AA.

Em 6-8-02, os AA. foram notificados pela DGAL do teor da declaração de utilidade pública, publicada no DR, II Série, nº 175, de 31.07.02, pela qual lhes era dado conhecimento da decisão de expropriação urgente de 12 parcelas de terreno necessárias à construção da Via do Nordeste-3ª Fase, em …, havendo contudo erro na identificação da matriz predial rústica que o R. não corrigiu.

No processo especial de expropriação por utilidade pública foi proferida sentença declarando a inexistência legal do ato administrativo que legitimaria a expropriação das parcelas de terreno e indeferindo a adjudicação das mesmas O R. manteve a ocupação dos prédios dos AA. desde 5-7-01, nele tendo implantado construções, sem que sobre tais prédios tenha incidido qualquer processo expropriativo válido e sem pagar qualquer valor aos AA.

Os AA. sofreram danos patrimoniais correspondentes a danos emergentes e lucros cessantes e ainda danos de natureza não patrimonial.

O R. contestou, invocando a exceção da inadequação do meio processual utilizado, impugnando os factos alegados pelos AA. e pedindo a condenação destes como litigantes de má-fé.

Houve réplica.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a exceção de inadequação do meio processual utilizado.

Foi proferida sentença que: 1) Julgou a ação parcialmente procedente e condenou o R. a pagar aos AA. da quantia global de € 271.995,74, correspondente a: (i) € 223.941,90, a título de justa indemnização (compensação) pela ocupação pelo R. das parcelas dos prédios dos AA., decorrente do princípio da intangibilidade da obra pública; (ii) € 36.580,00, a título de lucros cessantes e compensação por frustração de expetativas jurídicas; (iii) € 32,64, por despesas de deslocações; (iv) € 441,20, por despesas de aconselhamento jurídico; (v) € 5.500,00, a título de danos não patrimoniais à A.; (vi) € 5.500,00, a título de danos não patrimoniais ao A.

2) Fez incidir sobre as quantias referidas em 1.(i), (ii), (iii) e (iv) juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento e sobre as quantias referidas em 1.(v) e (vi) juros moratórios desde a sentença até efetivo e integral pagamento.

3) Absolveu o R. do demais peticionado.

O R. e os AA.

apelaram, tendo a Relação considerado improcedentes ambos os recursos, confirmando a sentença.

O R. veio interpor recurso de revista que, atenta a data da interposição da ação, ainda antes de 1-1-08, não está sujeito ao regime da dupla conforme emergente do nº 3 do art. 671º do CPC.

Na revista o R. põe unicamente em causa o critério de fixação da indemnização, considerando que esta deve ser calculada mediante a aplicação das regras do Cód. das Expropriações, uma vez que a sua atuação foi a coberto de um processo expropriativo afetado apenas quanto à identificação dos prédios.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II - Factos provados: 1. Encontra-se inscrita na CRP de … a aquisição a favor da A., casada com o A. no regime de comunhão de adquiridos, dos seguintes prédios: a) prédio rústico, constituído por terreno de cultura. pinhal e eucaliptal, com área de 109.000 m2, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 488 e descrito na CRP de … com o nº 1299, pela Ap. 10 de 2007/12/10; b) prédio rústico, constituído por terreno de mato e pinhal com área de 7.000 m2, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 763 e descrito na CRP de … com o nº 1301, pela Ap. 10 de 2007/12/10; c) prédio rústico, constituído por terreno de monte com área de 22.408 m2, sito em …, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1155º e descrito na CRP de … com o nº 1300, pela Ap.10 de 2007/12/10; d) prédio rústico, constituído por mato e pinhal, com área de 9.300 m2, localizado em …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o art. 465º e descrito na CRP de … com o nº 1302, pela Ap. 10 de 2007/12/10; e) prédio rústico, constituído por mato e pinhal, com área de 4.470 m2, localizado em …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o art. 463º e descrito na CRP de … com o nº 1303, pela Ap. 11 de 2007/12/10; f) prédio rústico, constituído por pinhal e mato, com área de 4.900 m2, localizado em …, freguesia de …, inscrito na matriz predial sob o art. 471º e descrito na CRP de … com o nº 1304, pela Ap. 11 de 2007/12/10; g) prédio rústico, constituído por pinhal e eucaliptal, com área de 3.300 m2, localizado em …, freguesia de … e inscrito na matriz predial sob o art. 485º e descrito na CRP de … com o nº 129B, pela Ap. 10 de 2007/12/10; h) prédio urbano localizado em …, freguesia de …, composto por casa de duas habitações e dois comércios no rés do chão e cave, inscrito na matriz predial sob o art. 1308º, mas ao qual correspondeu já a matriz predial rústica com o art. 401º, atualmente descrito na CRP de … com o nº 134, pela Ap. 11 de 2007/12/10. (A) 2. Em 24-8-99, o R. enviou aos AA. uma carta solicitando-lhes que o contactassem para tratar de assunto relativo à construção da III Fase da Via do Nordeste, cujo traçado se previa ocupar parcela de terreno pertencente aos AA., a que se seguiu uma sucessiva troca de comunicações entre os AA. e o R. no sentido de, através da via negocial, ser concretizado o processo expropriativo das parcelas necessárias à construção da referida Via. (B) 3. Os AA. enviaram ao R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 77, na qual consta, designadamente que “no dia 04/07/2001 recebi telefonema da Sra. Drª DD, jurista da sua Câmara Municipal, pedindo-me autorização para colocação de estacas nas minhas terras (parcelas 8-A, 8-B, 8-C e 8-D). Por cortesia acedi ao pedido. Fui hoje, 05/07/2001, confrontado com um intolerável abuso, ao ser informado que as máquinas da sua Câmara Municipal invadiram os meus prédios, devastando e derrubando arvoredo (…)”. (C) 4. Por despacho do Sr. Secretário de Estado da Administração Local de 21-6-02, publicado na II Série do DR nº 175, de 31-7-02, foi declarada a utilidade pública (DUP) da expropriação com carácter urgente das seguintes parcelas, propriedade dos AA.: - Parcela nº 8: prédios sitos em espaços florestais, localizados em …, freguesia de …, sendo um a confrontar a norte com EE, a sul e poente com FF e a nascente com GG, inscrito na matriz predial sob o artigo rústico 465 e omisso na CRP, e outro confrontando a norte com HH, a sul com estrada, a nascente com II e a poente com JJ, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 463 e omisso na CRP; - Parcela nº 8-A: prédio sito em espaços florestais, a confrontar a norte com KK, a sul e nascente com caminho e a poente com EE, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 471 e omisso na CRP; - Parcela nº 8-B: prédio sito em espaços florestais, a confrontar a norte com caminho, a sul com LL e a nascente e poente com caminho, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 485 e omisso na CRP; - Parcela nº 8-C: prédio sito em espaços florestais e em estrada ecológica nacional (REN), confrontando a norte com MM, a sul com a estrada nacional nº 227, a nascente com NN e a poente com a estrada de N…-C…, inscrito na matriz predial sob o art. rústico 401 e omisso na CRP. (D) 5. As parcelas referidas em 4.

destinavam-se à construção do troço da designada "Via do Nordeste". (E) 6. Em 26-9-02 teve lugar a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a qual alude aos elementos identificativos das parcelas referidos na DUP mencionada em 4.

e em 22-1-03 o R. tomou posse administrativa das ditas parcelas, tendo sido lavrado o respetivo auto, cuja cópia se encontra a fls. 90 a 92. (F) 7. Entre AA. e o R. foi trocada a correspondência que se encontra junta aos autos a fls. 84 a 88 e 93, da qual consta, designadamente: (a) Pela reclamação de 24-10-02, enunciando a falta de presença do A. aquando da vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela 8, de discordância na classificação dos solos, das confrontações, da descrição da área envolvente e das medidas de distância nelas constantes (fls. 84-86); (b) Por carta de 9-1-03, o R. comunicou à A. que iria tomar formalmente posse administrativa das parcelas 8, 8-A, 8-B e 8-C, “no total de 9.822 m2 de terreno”, no dia 22 de Janeiro (fls. 87); (c) Por comunicação entregue ao R. em 15-1-03, a A. explicitou que os prédios descritos na DUP não tinham relação com as parcelas, da inexistência de relatório complementar na sequência da reclamação apresentada, da falta de cumprimento do disposto no art. 35º do CE e para suspender a posse administrativa agendada, “porque não estão criadas as condições de legalidade” (fls. 88); (d) Por carta de 11-2-03, os AA. comunicaram não poder oferecer uma contraproposta por, desde o início, as parcelas não estarem corretamente identificadas. (G) 8. Em 2-12-03, o R. veio a instaurar proc. de expropriação por utilidade pública, que sob o nº 3753/03.0T… veio a...

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