Acórdão nº 0857/12.2BELRS 01173/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução06 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

* 1. A…….., SGPS, S.A., inconformada com a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição que apresentou, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), com as conclusões que a seguir se transcrevem: A. A responsabilização da Recorrente pela dívida da Executada Principal foi efetuada, pelo órgão de execução fiscal, ao abrigo daquele n.º 2 do artigo 147.º do CSC, tendo a Recorrente sido chamada a responder de forma solidária e ilimitada conforme decorre da letra desta norma.

  1. A ora Recorrente considera que este facto crucial já decorre da matéria de facto selecionada pelo Tribunal a quo mas caso se considere que tal não sucede, então o presente recurso incide também sobre a matéria de facto, pois suprir essa (eventual) omissão é crucial para o bom julgamento da causa.

  2. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar improcedente a presente oposição.

  3. A Recorrida aplicou o disposto no n.º 2 do artigo 147.º do CSC por forma a responsabilizar solidária e ilimitadamente a Recorrente, enquanto sócia da Executada Principal, por dívida tributária desta.

  4. Esta norma do CSC, interpretada como estabelecendo uma responsabilidade tributária solidária e ilimitada dos antigos sócios de sociedades liquidadas e dissolvidas, é organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária nas duplas vertentes de reserva de lei parlamentar e de tipicidade, ínsito nos artigos 103º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

  5. Isto porque uma norma que estabelece a responsabilidade solidária e ilimitada de alguém por uma dívida tributária de terceiro e não só uma norma de incidência de imposto mas também uma norma que versa sobre as garantias dos contribuintes.

  6. O artigo 147.º, n.º 2, não foi criado por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei autorizado.

  7. Mais se constata — fazendo-se o confronto entre o quadro legal anterior ao Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, que aprovou o CSC, e o previsto naquele artigo 147.º, n.º 2 — que nada se estabelecia antes da entrada em vigor daquele Decreto-Lei (nem específica, nem genericamente) quanto às condições em que se verificaria a responsabilidade dos sócios para com as dívidas tributárias de sociedades participadas e entretanto liquidadas e dissolvidas.

    I. O que leva a concluir pela “novidade” ou, se se preferir, pela inovação da previsão normativa constante do artigo 147º, n.º 2, do CSC, face ao ordenamento jurídico então em vigor.

  8. De resto, o facto de o artigo 21.º, da LGT (diploma aprovado pelo legislador competente - a Assembleia da República - e publicado apenas em 1998), sob a epígrafe “Solidariedade passiva”, não conter qualquer previsão que vá ao encontro do enunciado no artigo 147º, n.º 2, do CSC (iniciativa legislativa do legislador incompetente em matérias fiscais, o Governo) é sinal inequívoco que esta última disposição legal desrespeita de forma direta e total a ideia de autoimposição ou autoconsentimento que se encontra subjacente ao princípio da legalidade tributária, na vertente de reserva de lei.

  9. Pode-se, pois, concluir, por todo o exposto, que o artigo 147º, n.º 2, do CSC, quando interpretado no sentido de responsabilizar solidária e ilimitadamente os sócios de sociedades liquidadas e dissolvidas pelo pagamento de dívidas exequendas não exigíveis à data da partilha imediata, como ocorre nos autos, é organicamente inconstitucional, devendo o mesma ser tido como nulo, por violação do princípio constitucional da reserva de lei fiscal (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP).

    L. É jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que uma norma que estabelece a responsabilidade solidária e ilimitada de alguém por dívidas tributárias de outrem é organicamente inconstitucional, caso não seja estabelecida por Lei da Assembleia da República (cfr. acórdão n.º 311/2007, de 16.05.2007; acórdão n.º 331/2007, de 29.05.2007; acórdão n.º 149/2013, de 19.03.2013; e decisões sumárias n.ºs 528/2007 e 352/2010).

  10. O Tribunal a quo considerou que a inconstitucionalidade não se verificava, fundamentando a sua decisão através do exposto no acórdão do TCAS de 22.01.2013 (processo n.º 06133/12).

  11. Acontece porém que este acórdão do TCAS dá inteira razão à Oponente, salva o n.º 2 do artigo 147.º do CSC da inconstitucionalidade argumentando que esta norma tem necessariamente de ser interpretada de outra forma, nunca podendo prescrever a responsabilidade solidária e ilimitada a que a Oponente foi sujeita na presente oposição.

  12. Para salvar a norma em apreço da inconstitucionalidade apontada, o TCAS argumenta no acórdão citado pela sentença recorrida que a responsabilidade aí referida nunca pode ser ilimitada, devendo ficar, isso sim, limitada ao valor dos bens recebidos em partilha, cabendo à AT provar esse facto.

  13. No presente caso, a AT nem sequer menciona — quando mais prova — que bens foram partilhados e qual o seu valor, pois aplicou precisamente a responsabilidade ilimitada, na interpretação que o acórdão do TCAS citado na sentença recorrida diz ser inviável.

  14. Resulta do exposto que (i) ou o Tribunal a quo considerava que o n.º 2 do artigo 147.º do CSC deve ser interpretado tal como foi aplicado à Oponente pela AT, caso é que é manifestamente inconstitucional, (ii) ou considerava que esta norma devia ser interpretada corretivamente (como prescreveu o TCAS no acórdão citado na sentença recorrida), caso em que a Oposição deveria ter procedido, pois a AT teria violado grosseiramente a lei ao ter imputado à Oponente uma responsabilidade ilimitada.

  15. Em qualquer dos casos, a oposição é manifestamente procedente, devendo ser revogada a sentença recorrida.

  16. Ainda que o artigo 147.º, n.º 2 do CSC não fosse organicamente inconstitucional por violação do princípio da legalidade tributária — o que apenas se equaciona, sem conceder, por dever de patrocínio —, ainda assim a Recorrente seria parte ilegítima na execução por inaplicabilidade daquela norma ao caso concreto.

  17. Isto porque é inegável que a Sisa subjacente à presente execução é “exigível” desde 2006, ou seja, desde que caducou a isenção prevista no Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações.

  18. Sendo que o n.º 2 do artigo 147.º do CSC não é aplicável no presente caso, uma vez que a dívida de imposto é exigível desde 2006, isto apesar do imposto só ter sido oficiosamente liquidado em 2010.

    V. A admitir-se hipótese em sentido distinto, tal equivaleria a acolher a ideia de que a Recorrida, a partir da sua incúria, obteria uma vantagem ilegítima (porquanto abusiva) que se traduziria na circunstância de gozar de um regime de responsabilidade imputável aos antigos sócios da devedora originária mais favorável do que aquele que gozaria em circunstâncias ditas normais (i.e., circunstâncias em que a Recorrida cumprisse com os prazos e obrigações legais).

  19. Resulta do exposto que a norma constante do n.º 2 do artigo 147.º do CSC nunca seria aplicável ao presente caso, uma vez que a dívida de Sisa subjacente era exigível desde 2006.

    X. Acresce a tudo o facto de a dívida exequenda não ser exigível à ora Recorrente por falta de notificação do montante do imposto a pagar, uma vez que nenhuma das pessoas enunciadas no artigo 41.º, do CPPT, como sendo aptas a servir como destinatária de correspondência tributária dirigida a pessoas coletivas (e, nesse sentido, aptas a receber correspondência dirigida pela ora Recorrida à Executada Principal) foi notificada para que dívida exequenda fosse paga.

  20. Em alternativa, e na ausência da figura de um liquidatário associado à liquidação e dissolução da Executada Principal, a Recorrida poderia também ter notificado diretamente a ora Recorrente para a necessidade de pagar a Sisa, na sua qualidade de sócia que sobreveio à devedora originária.

  21. Não tendo este sido o caso, crê-se que sempre se deverá considerar que a dívida exequenda não é exigível à ora Recorrente, em conformidade com o exposto na alínea i) ou, caso assim não se entenda, na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

    AA. Ainda que assim não se entenda, sempre se deverá considerar que a Executada Principal não era, de facto nem de direito, possuidora do Imóvel que deu origem à liquidação de Sisa.

    BB. Isto porque foi emitida pela Executada Principal procuração irrevogável relativa ao Imóvel em favor de terceiro, através do qual a Executada Principal deu a este terceiro os poderes necessários para prometer vender e/ou vender o Imóvel e outorgar as respetivas escrituras bem como os contratos e atos necessários à realização deste negócio.

    CC. E embora as procurações irrevogáveis não tenham por efeito uma verdadeira transmissão da propriedade em sentido civilístico, produzem efeitos quase idênticos aos da transmissão do direito de propriedade na medida em que, por efeitos da procuração irrevogável, quem outorga a procuração (neste caso, a Executada Principal) deixa de ter qualquer espécie de intervenção sobre o bem objeto da procuração irrevogável, transferindo a totalidade do poder para quem fica em poder da procuração irrevogável (neste caso, o terceiro), por ser esse também quem terá interesse na procuração.

    DD. Sendo que, na medida em que a procuração era irrevogável e relativa à venda do Imóvel, a Executada Principal deixou, a partir de 30.10.2003, de ter quaisquer direitos ou poderes sobre o Imóvel os quais passaram para a entidade terceira.

    EE. Resulta do exposto que a Executada Principal não possuía, de facto e de jure, o Imóvel desde 2003, embora fosse nominalmente a sua proprietária.

    FF. A falta de posse dos bens que originaram a dívida é um dos fundamentos de oposição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

    Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, devendo, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, considerando-se a...

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