Acórdão nº 9494/16.1T8ALM-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução05 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

Em 13 de dezembro de 2016, AA intentou a presente ação declarativa com a forma de processo comum contra BB, CC, DD e EE, pedindo que: a) se declare a ineficácia da escritura de justificação feita pelos RR. (requerendo a comunicação à Notária Dra. FF da pendência da ação); b) se considerem impugnados para todos os efeitos legais os factos justificados na escritura de 6.6.2013 e respetiva retificação referente à aquisição pelos RR., por usucapião, das parcelas de terreno com a área total de 1042,70m2; c) se declare nula e de nenhum efeito essa escritura por violação das formalidades essenciais previstas no artigo 99º do Código do Notariado (CNot.); d) se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento aqui impugnado.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: A Autora, em 3.6.1981, adquiriu a nua propriedade do prédio misto denominado …, situado no …, descrito na CRP de Almada sob o n.º … (atualmente sob a ficha nº …/…), com a área total de 20.192m2, que confronta a Norte com a EN, a Sul com …., do Nascente com a sociedade de investimentos, e a …. com a …, que registou a seu favor.

Em 27.4.1988, com a morte do usufrutuário, ficou na posse plena da propriedade, que começou a explorar integralmente, de forma pública, e sem oposição de ninguém.

Ao organizar o pedido de loteamento e licenciamento junto da CM, a A. tomou conhecimento de que parte da sua propriedade (1042,70m2) tinha sido adquirida por usucapião com base em escritura de justificação notarial outorgada no Cartório da Dra. FF, em 6.6.2013, posteriormente retificada a 13.9.2013, com base em falsas declarações.

Antes da celebração da escritura, a 1ªR. compareceu no referido Cartório e requereu a notificação prévia da Autora, com sede na Rua …, nº …, Grupo…, ….

A carta para notificação foi remetida para a morada indicada em 1.4.2013, sendo que, naquela data, essa não era já a morada da sede da Autora, o que sucedia desde 28.9.2012.

Não foram, assim cumpridas as formalidades legais exigíveis para a citação da A. interessada, o que determina a nulidade de todo o processado posterior, nos termos do artigo 99.º, n.º 5, do CNot., enfermando a escritura notarial de irregularidade por inobservância de formalidade essencial, ficando ferida de nulidade.

O facto de ter sido promovida citação edital da A. em nada releva, porquanto foi indevidamente utilizada a citação edital, pois o paradeiro da A. não era desconhecido podendo ser facilmente constatável por consulta da certidão comercial, o que determina a falta de citação.

As pretensões dos RR. teriam de ser levadas ao conhecimento do titular inscrito sob pena de ineficácia da escritura.

  1. Citados, contestaram os 1.ª, 3.º e 4.º RR., por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, e consequente declaração de validade e eficácia da escritura de justificação celebrada pelos RR. em 6.6.2013 e retificada em 13.9.2013.

    Mais deram conhecimento do falecimento da 2ªR.

  2. Realizou-se audiência prévia, na qual, para além do mais, se proferiu o seguinte despacho: “Entende a A. que a sua notificação prévia no âmbito do processo de justificação notarial padece de irregularidade, segundo aquela a notificação foi remetida pelo Cartório Notarial em 1 de Abril de 2013 para a R. …, nº … Grupo…, sendo que naquela data essa não era a morada da sede da A. No caso que ora cumpra apreciar, não vislumbramos que a notificação prévia padeça de alguma irregularidade. A notificação postal, sob registo e com aviso de recepção, foi expedida para a morada da sede da autora que constava do registo predial do prédio, tudo em conformidade com o disposto no art. 99, nºs 1 e 5 do Código de Notariado. Face à devolução de tal expediente postal, afigura-se-nos razoável que o Cartório Notarial tivesse procedido à notificação por éditos prevista no art. 99º, nº 7 do Código de Notariado. Contudo, mesmo que assim não se entendesse, entendemos que, à semelhança do que sucede com os processos de justificação das conservatórias, as irregularidades cometidas no processo de justificação notarial não podem ser invocadas em acção judicial em que se questiona o direito justificado (cfr. a este propósito o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.11.2011, proferido no proc. 884/07.1TBLNH.L1-7, onde se conclui que as irregularidades respeitantes ao processo de justificação na conservatória não podem ser invocadas através de acção judicial em que se impugne o direito que subjaz ao registo). Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a excepção dilatória de nulidade da notificação prévia no processo de justificação notarial deduzida pela autora”. Em 4.7.2018, na sequência da apelação apresentada, foi proferido despacho a corrigir a decisão proferida, passando a constar que “Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada a arguição de nulidade da notificação prévia no processo de justificação notarial deduzida pela autora”.

  3. Inconformada com a decisão, apelou a Autora, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 9 de abril de 2019, decidido o seguinte: «Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, que se substitui por outra a declarar a nulidade da escritura de justificação notarial outorgada em 6.6.2013 no Cartório Notarial de …, posteriormente rectificada a 13.9.2013, objecto dos presentes autos, ordenando-se o cancelamento dos registos operados com base na referida escritura».

  4. Inconformados, os réus interpõem recurso de revista, para este Supremo Tribunal, no qual formularam as seguintes conclusões:«1.ªNos termos do disposto nas normas dos artigos 99º-5 do CN e do 117º-G-3 do CRPr, a notificação prévia do titular inscrito é feita nos termos gerais da lei processual civil, aplicada com as necessárias adaptações.

    1. As disposições atinentes à citação e à notificação, encontravam-se previstas nos artigos 228º e seguintes, em especial no artigo 255º- 1 do CPC.1961.

    2. Da aplicação dos citados preceitos do CPC.1961, em especial do artigo 255º-1, resulta que as notificações são feitas por carta registada dirigida para a sede da parte ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando não o seja.

    3. As citadas normas do CPC.1961 carecem em qualquer caso de ser sempre conjugadas com o regime geral das notificações do Código do Registo Predial, em especial com o estatuído no seu artigo 154º, que no seu nº 3, estipula que “a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a morada indicada pelo notificando nos atos ou documentos apresentados no serviço de registo”.

    4. A autora foi notificada para a morada que constava do registo predial como sendo a da sua sede.

    5. Foi esta a morada que a autora indicou nos serviços de registo predial quando requereu a sua inscrição como titular do prédio.

    6. O registo predial constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (artigo 7º do CPRr).

    7. O registo predial faz presumir que os dados que dele constam estão corretos e atualizados.

    8. Ao contrário do que foi entendido no acórdão de que se recorre, não era exigível à Senhora Notária que tendo sido devolvida a carta que foi enviada para morada da sede da autora que constava no registo predial, esta tivesse de lançar mão do disposto no artigo 237º do CPC.1961 e proceder à citação do legal representante da autora, mediante carta registada com aviso de receção remetida para a sua residência ou local de trabalho.

    9. O Tribunal da Relação de Lisboa na decisão recorrida ao ter entendido que a Senhora Notária perante a carta devolvida, estava obrigada a proceder à citação do legal representante da autora para a sua residência ou local de trabalho, não interpretou, nem aplicou convenientemente e violou as normas constantes dos artigos 237º do CPC.1961 e do artigo 99º-5 do CN e dos artigos 154º-3 e 117º G-3 do CRPr.ª11.ªTratando-se como se trata de domicílio indicado por escrito, pelo próprio titular ou seu representante (artigo 154º-3 do CRPr), há que entender que a morada que consta da inscrição no registo predial tem o estatuto de domicílio escolhido ou eletivo.

    10. A citação postal em processo civil tanto pode ser feita na sede das sociedades como em domicílio escolhido, nos termos das normas dos artigos 236º-1 e 467º-1 a) do Código de Processo Civil.

    11. A morada indicada na inscrição no registo predial constitui domicílio escolhido, para efeitos de notificação atinente àquele registo.

    12. É ónus do titular do registo predial mantê-lo atualizado, pelo que não pode prevalecer-se da falta de notificação que lhe tenha sido dirigida para a morada constante da citada inscrição registral.

    13. Impunha-se que o Tribunal da Relação na decisão recorrida tivesse considerado que a notificação que foi enviada à autora para a morada constante do registo predial, foi dirigida para o seu domicílio escolhido e é por isso foi válida e eficaz, não sendo exigível à Senhora Notária, que perante a devolução da carta de notificação, procedesse à citação do legal representante da autora, nos termos previstos no artigo 237º do CPC.1961 ou que fosse confirmar junto do RNPC a morada da sede da autora, nos termos do previsto no artigo 244º do CPC.1961.

    14. Ao não ter entendido desta forma, a decisão recorrida não interpretou, nem aplicou convenientemente o direito e violou a norma constante do artigo 154º-3 do CRPr e dos artigos 237º e 244º do CPC.1961.

    15. A disciplina da notificação edital no âmbito dos processos de justificação notarial, tem sede própria, pois consta das normas do artigo 99º, nºs. 4 e 7 do CN e do artigo 117º-G, nº 6 do CRPr.

    16. O nº 4 do artigo 99º do CN estabelece que o notário, quando profere despacho a ordenar a notificação do titular inscrito, deve, desde logo, ordenar igualmente...

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