Acórdão nº 196/19.8BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Luís …………………………, Agente da P.S.P., vem, no âmbito do processo cautelar que intentou contra o Ministério da Administração Interna, interpor recurso da sentença que declarou a improcedência do pedido decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que determinou a interrupção do pagamento da sua remuneração.

Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: 55. A douta sentença do Tribunal a quo, que indeferiu a providência cautelar do Recorrente, baseou-se, fundamentalmente, na inexistência do requisito do fumus boni iuris, obstando ao conhecimento do requisito do periculum in mora e à ponderação dos interesses públicos e privados em questão.

  1. Em suma, a douta decisão pugnou pela inexistência de violação de qualquer das normas ou princípios constitucionais invocados pelo Recorrente no requerimento inicial e, ainda, pela inexistência de fundamentação para a declaração de nulidade ou anulação do acto administrativo que procedeu à suspensão do pagamento do ordenado ao Recorrente.

  2. Contudo, salvo o devido respeito, andou mal o douto Tribunal a quo ao indeferir a providência cautelar interposta pelo Recorrente como se procurará demonstrar de seguida.

  3. Antes demais, deverá esclarecer-se que o Recorrente, por meio dos presentes autos, pretende reagir contra a decisão do Comandante Distrital de Polícia de Setúbal que ordenou o não pagamento do vencimento sem que antes o tivesse sequer notificado ou informado desse mesmo corte.

  4. Assim, o que aqui está em causa prende-se com a suspensão, de forma imediata, da remuneração do Recorrente, ou seja, a prática de um acto administrativo sem que o principal interessado tenha sido previamente notificado da eventual decretação do mesmo e de todos os pormenores a ele inerentes, designadamente, motivos e datas.

  5. A prova de tal situação encontra-se, desde logo, na factualidade dada como assente pelo douto Tribunal a quo nas letras R, S e U da sentença de que se recorre.

  6. Isto é, a única informação e explicação dada quanto à situação do corte de vencimento do Recorrente surgiu muito depois de tal circunstância ser efectivada na prática e já após este ter dado entrada da providência cautelar.

  7. Assim, a partir dos factos considerados provados, é possível concluir que existiu uma total falta de notificação do acto administrativo ao Recorrente antes do corte ser efectivado, o que configura uma decisão inteiramente ilegal e ineficaz por falta de notificação.

  8. Deste modo, com o devido respeito, não se entende nem se acompanha a posição adoptada pelo douto Tribunal a quo de considerar não haver lugar ao vício formal de falta de notificação da decisão de suspensão da remuneração do Recorrente, com base no argumento de que o Recorrido acabou por prestar esclarecimentos àquele.

  9. Pois bem, é de salientar que o facto de o Recorrido, mais tarde, ter informado o Recorrente do corte do seu salário em nada afasta a ilegalidade do procedimento levado a cabo.

  10. Ou seja, tal circunstância não é minimamente passível de convalidar a falta de aviso prévio ao Recorrente – antes do decretamento da decisão final –, bem como a não realização de audiência prévia do interessado, isto porque se trata de um acto ineficaz, cuja execução lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do seu destinatário.

  11. A ausência de uma atempada comunicação ao Recorrente da eventual prática do acto administrativo e, consequente, privação da audiência de interessados, impossibilitou este último de exercer o seu direito ao contraditório sobre tal decisão.

  12. Refira-se que o CPA determina no seu Artigo 114º, nº 1, alínea c) que “Os atos administrativos devem ser notificados aos destinatários, designadamente os que: (…) criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício.” 68. O mesmo Código, no Artigo 121º, com a epígrafe “Direito de Audiência Prévia”, no nº 1 prevê que “Sem prejuízo do disposto no artigo 124.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”.

  13. Ora, considerando toda a prova factual e documental trazida a estes autos, é evidente que o Recorrente, em momento algum, foi notificado de que se encontrava em curso qualquer procedimento administrativo com vista ao corte do seu salário, nem tampouco foi informado de que essa circunstância poderia ocorrer antes de a decisão ter sido definitivamente tomada.

  14. De igual modo, o Recorrente não foi notificado da existência de uma audiência prévia (Artigo 122º, nº 1 do CPA) – quer fosse escrita ou oral –, tal como também não lhe foi enviado o projeto de decisão e outros elementos que lhe permitissem tomar conhecimento, em momento anterior, da decisão posteriormente implementada (Artigo 122º, nº 2 do mesmo Código).

  15. Por sua vez, o Artigo 121º, nº 2 do CPA estatui que “No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”.

  16. Assim, se ao Recorrente não foi fornecido qualquer tipo de informação quanto à audiência prévia e ao procedimento administrativo em si, como poderia este pronunciar-se no âmbito deste último? 73. Ou seja, se o Recorrente tivesse sido notificado do projecto de decisão de suspensão do seu rendimento e, por conseguinte, da audiência prévia de interessados, teria tido oportunidade, no âmbito desta, para esclarecer a sua situação laboral, bem como o seu estado clínico.

  17. A este propósito, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que a audiência dos interessados é uma manifestação do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas.

  18. Destarte, o Artigo 121º do CPA, que consagra a audiência prévia dos interessados, visa dar cumprimento à imposição constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, prevista no Artigo 267º, nº 5 da CRP.

  19. O princípio da participação, além de se encontrar plasmado no Artigo 121º do CPA – na figura da audiência dos interessados –, assume também expressa consagração no Artigo 12º do mesmo Código.

  20. Posto isto, in casu, estamos perante a violação de vários direitos e princípios constitucional e legalmente consagrados do Recorrente, designadamente, o direito de audiência prévia e de exercício do contraditório e defesa.

  21. Assim sendo, a realização da audiência dos interessados corresponde a uma formalidade essencial cuja violação tem como consequência jurídica a ilegalidade do acto administrativo.

  22. Em concreto, estamos perante um acto anulável, nos termos do Artigo 163º do CPA, por se tratar de um acto que foi praticado “com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação não se preveja outra sanção.”.

  23. Sem prejuízo do que acaba de ser dito, o Artigo 124º do CPA elenca, nas alíneas do nº 1, uma série de situações em que o responsável pela direção do procedimento dispensa a realização da audiência dos interessados.

  24. De facto, no caso em apreço, não se vislumbra a existência de nenhuma destas situações, destacando-se, desde logo, aquela que se encontra prevista na alínea a).

  25. Isto é, se a realização da audiência dos interessados pode ser afastada pelo instrutor do procedimento quando esteja em causa uma decisão urgente e se, in casu, a determinação do corte da remuneração do Recorrente apenas ocorreu passados 8 meses – Fevereiro 2019 – desde a notificação do indeferimento do seu pedido de aposentação – Junho de 2018 –, porque razão a mesma não teve lugar? 83. Se somente após 8 meses é que o Recorrido efectuou a suspensão do salário do Recorrente então, com toda a certeza, não se tratava de uma decisão urgente e, consequentemente, a audiência prévia devia ter-lhe sido concedida.

  26. De referir, ainda, que fruto do lapso temporal, que mediou os dois factos, ter sido tão longo, o Recorrente foi apanhado completamente de surpresa com tal actuação do Recorrido.

  27. Ademais e, contrariamente ao estabelecido no nº 2 do Artigo 124º do CPA, o Recorrido não fez constar no texto da decisão de corte do vencimento do Recorrente qualquer tipo de motivo para não ter procedido à audição deste.

  28. Perante o exposto, verifica-se, igualmente, uma falta de fundamentação na decisão final tomada pelo Recorrido, ou seja, este último, de forma expressa e clara, devia ter dado a conhecer ao Recorrente as razões pelas quais decidiu pela não realização de audiência prévia dos interessados.

  29. Assim, sempre que, total ou parcialmente, se negue, extinga, restrinja ou afete por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, a entidade tem o dever de fundamentar uma decisão administrativa, conforme dispõe o Artigo 152º, nº 1, alínea a) do CPA.

  30. A fundamentação...

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