Acórdão nº 434/14.3T8VFX-C.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA OLINDA GARCIA |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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RELATÓRIO 1. No âmbito do incidente de qualificação de insolvência, apenso ao processo no qual foi declarada insolvente “AA, Ldª”, o administrador da insolvência elaborou parecer no sentido de dever presumir-se a insolvência culposa, nos termos da alínea h) do n. 2 e da al. a) do n.3 do art. 186° do CIRE.
O Ministério Público concordou com a qualificação da insolvência como culposa.
O legal representante da insolvente, BB, deduziu oposição, dizendo não aceitar a qualificação da insolvência como culposa por falta de indícios e prova, concluindo que devia ser declarada fortuita.
A credora “CC, SA” pronunciou-se no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa.
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Em 14.05.2018, foi proferida sentença que qualificou a insolvência como fortuita.
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O Ministério Público interpôs recurso de apelação, defendendo a alteração do julgamento da matéria de facto, bem como a qualificação da insolvência como culposa.
O representante da insolvente, BB, apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão da primeira instância.
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O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 08.11.2018, julgou procedente a apelação, alterando o julgamento da matéria de facto e revogando a sentença, que havia considerado a insolvência fortuita, decidiu: a) qualificar a insolvência de AA, Ld.ª como culposa; b) declarar afetado por essa qualificação o gerente BB, decretando a inibição deste para administrar patrimónios de terceiros, pelo período de 2 (dois) anos, e para exercer o comércio durante 2 (dois) anos, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) condenar o gerente BB a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património.
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Inconformado, BB interpôs recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: «a. O presente Recurso tem por objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que qualificou a insolvência da sociedade AA Lda. como culposa e declarou afectado por essa qualificação o gerente BB.
b. Requer-se a aplicação de efeito suspensivo ao presente recurso, pois o valor da causa fixado foi de € 30.000.01, nos termos do artigo 303° n.1 do CPC.
c. O recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado das pessoas, que é este o caso em concreto (artigo 676° n.1 do CPC).
d. O incidente de qualificação de insolvência e a sentença de qualificação proferida a final afetam diretamente direitos, liberdades e garantias, ou direitos de natureza análoga, que gozam de um especial regime de proteção, conforme artigo 18.° da CRP.
e. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a aplicação de efeito meramente devolutivo do recurso, seria condenar o ora Recorrente, desde já, a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos e a inibi-lo do exercício de actos de comércio.
f. O Recorrente é comerciante em nome individual, vive com bastantes dificuldades económicas e necessita do trabalho para sobreviver, pelo que o ora Recorrente viveria na penúria o tempo necessário para assistir à pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça, g. A atribuição do efeito meramente devolutivo é claramente prejudicial aos interesses e causadora de prejuízos consideráveis ao ora Recorrente, que de imediato fica privado de temporariamente exercer a sua actividade, podendo ver os credores da insolvente a reclamar de imediato e sobre si os créditos não satisfeitos, sendo que em caso de procedência do presente recurso, o mesmo perderia o seu efeito útil face aos pagamentos entretanto efectuados aos credores.
h. De acordo com o art. 647 n. 4 CPC, “(...) o recorrente pode requerer, ao interpor recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução (...)".
i. O ora Recorrente não tem possibilidades económicas para prestar caução, pelo que requer que não lhe seja aplicada qualquer caução, mas caso assim não se entenda, disponibiliza-se a prestar a caução, de forma a evitar o considerável prejuízo que advém da execução imediata da presente sentença, aqui recorrida.
j. No que respeita ao Acórdão Recorrido, o Tribunal Recorrido alterou a matéria de facto dada como provada e retirou dos factos não provados a alínea b) da sentença "Que a insolvente, através do seu administrador, BB, tivesse comprado bens e mercadorias a crédito, revertendo-as ou entregando-as antes de satisfeita a obrigação”, considerando que se trata de uma conclusão a extrair de factos provados. Mas não fundamenta porque considera que se trata de uma conclusão a extrair dos factos provados e porque eliminou a alínea b) da rubrica V. “Factos não provados", e porque considera tal alínea ser uma conclusão e não um facto.
k. O Acórdão Recorrido padece, assim, de falta de fundamentação.
l. A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a referência aos factos que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu.
m. O Tribunal Recorrido limita-se a transcrever a alegação do então Recorrente Ministério Público, e parcialmente a alegação do Recorrido, aqui Recorrente, sendo certo que este alegou muito mais do que foi transcrito, tendo alegado factos que importava considerar.
n. O artigo 615° n.1 al.b) do CPC, aplicável por remissão do artigo 17° do CIRE, estabelece que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, pelo que o Acórdão recorrido é, assim, nulo por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615o n.1 al. b) e 647° n.1 al. c) do CPC.
o. Acresce que o Tribunal Recorrido não se pronuncia sobre todas as questões que devia apreciar, pelo que também por este motivo o acórdão é nulo, nos termos do artigo 615° n. 1 al. d) e 674° n. 1 al. c) do CPC, p. Pois, não reapreciou, como devia, todas as provas apresentadas e todos os documentos juntos aos autos, como o email da mandatária do Recorrente de 9.03.2015, a fls. do incidente, cujo teor se deu por integralmente reproduzido na sentença do Tribunal de Primeira Instância e que consta como ponto 9. dos factos provados.
q. O referido email da mandatária refere a existência de problemas com o sistema informático da contabilidade da sociedade insolvente e juntou comprovativos de entrega de IVA de 2013, com correcções efectuadas designadamente a nível de valor na rubrica "transmissões de bens e prestações de serviços", que corrigem da IES de 2013, e cujo valor é muito superior a 22.164,79 € constante da IES de 2013, provando mesmo que existem problemas com o IES de 2013 apresentado e que entram em perfeita contradição com o mesmo.
r. O Tribunal Recorrido não apreciou tais documentos, sendo que os devia ter considerado, pois a sentença da Primeira Instância os reproduz (ponto 14 dos factos provados) e também eles se reportam a elementos elaborados pela Insolvente e entregues junto da Administração Tributária e Aduaneira, beneficiando de igual força probatória às IES e que comprovam que os elementos do IES estão errados.
s. Não tendo o Tribunal Recorrido apreciado os mesmos, violou a força probatória daquela prova documental, cuja autoria não foi impugnada e, por isso reconhecida, fazendo prova plena quanto as declarações atribuídas ao seu autor, nos termos do artigo 376° do C.C.
t. Foram desrespeitadas normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos a juízo considerando os documentos juntos aos autos pela mandatária da Insolvente e que colocam em causa a IES de 2013.
u. Os documentos juntos pelo Recorrente provam que os dados constantes daquela IES não são verdadeiros e não podem determinar a qualificação da insolvência como culposa.
v. Não pode o Recorrente, com base em prova documental, ser condenado sem o Administrador de Insolvência apurar e analisar as declarações de IVA em contradição com o IES de 2013 entregue.
w. Não foi ouvida contabilista - testemunha arrolada - porque o Tribunal a quo não esperou que a mesma regressasse de baixa médica.
x. Foi explicado ao Administrador de Insolvência o problema verificado na sua contabilidade que comprovava que o IES de 2013 estava errado, através...
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