Acórdão nº 1797/07.2TVLSB.L2-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução29 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório: Z. (entretanto falecida tendo sido habilitado no seu lugar A.), B. e C. intentaram ação de prestação de contas, com processo especial, contra X., entretanto falecida, tendo sido habilitadas D. e E., pedindo a citação da RR. para apresentar contas ou contestar a ação, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas apresentadas pelas Autoras.

Para fundamentar a sua pretensão alegam, em síntese, que outorgaram a favor da R., no dia 14 de Maio de 1990, procuração irrevogável a conferir os poderes necessários para vender, pelo preço e condições que esta entendesse, o prédio sito na Av. …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz respetiva sob o artigo 4… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 5...

No âmbito dos poderes conferidos pela procuração a R, veio a outorgar a escritura pública de compra e venda do prédio indicado. A venda foi realizada pelo preço de trezentos e vinte milhões de escudos, sendo que a R. entregou apenas às AA. a quantia de cinquenta milhões de escudos. A R. agiu nos termos do mandato que lhe foi conferido pelas AA, pelo que é obrigada a prestar contas nos termos do artº 1161 alínea d) do CC.

Contestaram as RR. habilitadas, pugnando pela improcedência da ação, por considerarem que não existe qualquer obrigação de prestação de contas. Alegam, em síntese, que a procuração invocada pelas AA. foi emitida a favor da então requerida no âmbito do contrato-promessa de compra a venda que assinaram. Nesse contrato-promessa ficou expresso que as ora AA. prometeram vender o referido prédio à então requerida pelo preço de cinquenta milhões de escudos que aquelas reconhecem ter sido integralmente liquidado, não tendo sido estabelecido qualquer limite de prazo para a celebração da escritura de compra e venda. Ficou também acordado que as promitentes vendedoras, logo que efetuados os pagamentos previstos, se obrigavam a dar a promitente compradora as “necessárias autorizações” para as obras de restauro do prédio prometido em venda e a emitir a favor dela procuração que lhe permitisse “tratar com a Câmara Municipal de Lisboa e quaisquer outras entidades (...)”, pedir licenças de obras ou outras respeitantes ao prédio, procuração essa que vieram a outorgar. E nessa procuração (recebido o preço fixado) as AA. conferem à promitente compradora poderes para dispor livremente do prédio, nomeadamente, “podendo celebrar e assinar contractos de promessa de compra e venda, vender pelo preço e condições que entender, podendo outorgar e assinar a respetiva escritura, fazer registos (...), dar quitação e receber os preços (...).

Declararam as vendedoras que a procuração era “irrevogável, nos termos do artigo 1170 nº2 do Código Civil, (porque) feita no interesse do mandatário, não caducando após a morte das mandantes (…). Ou seja, ainda que não resultasse do contrato, como resulta, o instrumento outorgado pelas promitentes vendedoras não obrigava a compradora, como mandatária, a praticar quaisquer atos jurídicos por conta das vendedoras, pelo que não existe obrigação de prestar contas.

Peticionam ainda a condenação das AA. como litigantes de má-fé.

Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável, tendo sido prolatada sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência absolvo as Rés D. e E. habilitadas no lugar de X., entretanto falecida, do pedido. Custas pelas AA. Registe e notifique.”.

Inconformada com a sentença, as autoras apelaram, formulando as seguintes conclusões: (…) Foram apresentadas contra-alegações.

O processo foi remetido aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.

********* II – Questões a decidir: Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.

Assente o supra exposto, as questões a decidir no presente recurso são aferir da admissibilidade legal do depoimento prestado pela testemunha JG.; da alegada errada apreciação da prova e matéria de facto; da violação do artigo 653º nº 2 e 659º, n.º3 (rectius do artº 607º, do CPC, ex vi artº 7º, nº1, da Lei nº 41/2013, de 26 de junho) do Código de Processo Civil; da alegadamente errada interpretação e aplicação da lei substantiva à matéria de facto.

********* III – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Importa começar por referir que nos presentes autos aplica-se o regime de recursos decorrente do DL nº 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pelo CPC de 2013, ex vi artº 7º, nº1, da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, o que determina a obrigatoriedade de observância, pelos mesmos, do disposto nos artigos 639º, e 640º, do CPC.

Questão prévia: O depoimento da testemunha dr. JG. foi admitido em 9 de março de 2016, em sede de audiência prévia.

Contra tal despacho não reagiram tempestivamente as agora apelantes, nos termos dos artºs 644º, nº2, d), e 638º, nº1, do CPC.

Está assim precludida a possibilidade de recurso quanto a tal questão e tendo por referência tal momento.

Apreciemos agora o demais: Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios: «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Existe divergência jurisprudencial no que concerne a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no Artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil). O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se nos seguintes termos: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» No mesmo sentido no Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12, defende-se que: «Do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. / Tem sim, essa especificação de ser efetuada nas alegações. / Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorretamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.» Consideram-se, assim, genericamente cumpridos os requisitos formais apontados.

Os recorrentes impugnaram a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido e inserta nos números, 7, 8, 9 e 11, insurgindo-se desde logo quanto à valoração da prova em que alegadamente se fundou a convicção, o depoimento do dr. JG.

Importa assinalar que a circunstância de ter sido admitido o depoimento da citada testemunha em sede de audiência prévia não obstava a que, na sequência da identificação da mesma e caso o tribunal recorrido entendesse que a mesma não poderia depor por força do sigilo profissional, o exarasse em despacho, não admitindo então a respetiva prestação. Uma coisa é ser identificado como advogado, coisa diferente é ter intervindo efetivamente na factualidade em discussão, algo que só aquando da identificação prevista no artº 495º, nº2, do CPC, se pode aferir.

O artº 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados dispõe sobre o segredo profissional nos seguintes termos: 1 – O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por coautor, corréu, ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer...

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