Acórdão nº 973/08.5TABF-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA DE F |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 – RELATÓRIO 1.1. Nos autos de processo sumário com o n.º 973/08.5GTABF, de onde foi extraído o translado que instruiu os presentes autos de recurso, por sentença proferida em 18/08/2008, transitada em julgado, em 17/09/2008, foi o arguido RR condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a multa global de €500,00 (quinhentos euros).
1.2. Em 09/05/2018, foi proferido despacho judicial, declarando extinta aquele apena de multa.
1.3. Inconformado com decidido, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação apresentando a respetiva motivação e dela extraindo as conclusões que seguidamente se transcrevem: 1ª) Por sentença transitada em julgado no dia 17 de Setembro de 2008, o arguido foi condenado numa pena de multa de 100 dias, à taxa diária de € 5 (seis euros); 2a) Em 26 de Agosto de 2008 (ainda antes do trânsito em julgado da sentença), o arguido requereu a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade - fls. 26 e 27.
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) Em 22.03.2011 informou a DGRS da impossibilidade de elaborar relatório por ser desconhecido o paradeiro do arguido. Foram efectuadas diligências no sentido de se apurar do paradeiro do arguido.
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) Por despacho de 13.5.2016 foi indeferido o requerido a fls. 26 e 27 por ser desconhecido o paradeiro do arguido.
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) Sempre que estiver pendente um pedido de pagamento de uma pena de multa em prestações ou um pedido de prestação de trabalho a favor da comunidade o Ministério Público não pode executar essa pena de multa, pelo que o prazo de prescrição dessa pena encontra-se suspenso desde a data da apresentação desse pedido até que seja proferida uma decisão final acerca desse "incidente"( artigo 125 n° 1 alínea a) do Código Penal).
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) O requerimento do arguido a solicitar a prestação de trabalho a favor da comunidade constitui causa de suspensão da prescrição da pena.
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) É o caso dos autos, o prazo de prescrição da pena encontra-se suspenso desde 17/9/2008, por via da apresentação do requerimento (de 26-8-2008) do arguido para prestar trabalho a favor da comunidade, até 13-5-2016 (decisão final acerca do requerido a fls. 26 e 27).
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) Ao declarar extinta a pena de multa em que o arguido foi condenado, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 125º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
Face ao exposto, atendendo a que o prazo de prescrição da pena (4 anos) esteve suspenso entre 17 de Setembro de 2008 e 13 de Maio de 2016, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira o requerido a fls. 184, fazendo-se assim JUSTIÇA.
1.4. O recurso foi regularmente admitido.
1.5. O arguido/condenado não exerceu o direito de apresentou resposta ao recurso.
1.6. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, apôs Visto.
1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1.
Delimitação do objeto do recurso É consabido que as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada a única questão suscitada é a de se a pena de multa em que o arguido foi condenado nos presentes autos não se mostra prescrita.
Para que possamos apreciar a questão suscitada no recurso, importa que se tenha presente o teor do despacho recorrido, que se passa a transcrever: 2.2.
Despacho recorrido Extinção da pena de multa por prescrição Com relevância para a decisão a proferir, considera-se a seguinte factualidade: 1. Por decisão transitada em julgado em 17/09/2008, foi o arguido RR condenado na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), num total de €500 (quinhentos euros) - fls. 21 ss e 30.
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Em 26/08/2008, o arguido requereu a substituição da multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou, subsidiariamente, o pagamento da multa em prestações (fls. 26/27).
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Por decisão proferida em 13/05/2016, foi indeferida a requerida substituição da multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, assim como o requerido pagamento da multa em prestações (fls. 89).
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Por decisão de 15/01/2017, a pena de multa foi convertida em 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária (fls. 105/106).
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Tal decisão não foi notificada ao arguido, por se desconhecer o seu paradeiro.
* O instituto da prescrição da pena tem subjacente a noção elementar de que, aplicada uma pena ao agente pela prática de um crime, a sua execução só se justifica se a mesma ocorrer dentro de determinado período temporal - o definido pelo legislador -, decorrido o qual o seu cumprimento se torna injustificado, comunitariamente não exigido e carecido de fundamento.
Como refere FIGUEIREDO DIAS, com o decurso do tempo «a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: (. . .) quem sofresse execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre (...) o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.
Por todas estas razões, a limitação temporal da (…) execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade» - in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 699.
De acordo com o disposto no art.º 122.°, n.º 1, al. d) e n.º 2 do CP, as penas inferiores a dois anos de prisão prescrevem no prazo de 4 anos, começando o prazo de prescrição a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
A lei prevê, no entanto, causas de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição.
Assim, estabelece o art. 125.° do CP que: «1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) Vigorar a declaração de contumácia; c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão» ¬sublinhado nosso.
Por sua vez, prevê o art. 126.° do CP que: «1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se: a) Com a sua execução; ou b) Com a declaração de contumácia.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade» - sublinhado nosso.
No caso concreto, o prazo de prescrição iniciou-se em 17/09/2008, aquando do trânsito em julgado da decisão (art. 122.°, n.º 2 do CP), pelo que o término do prazo de prescrição ocorre em 17/09/2012, a não ser que, entretanto, se verifique alguma causa de suspensão e/ou interrupção.
Vejamos.
Sustenta o Ministério Público que o requerimento de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade constitui causa de suspensão do prazo de prescrição, ao abrigo do disposto no art. 125.°, n.º 1, al. a) do CP. Isto porque sempre que o arguido tiver requerido a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade (ou tiver requerido o pagamento da multa em prestações), o Ministério Público não pode executar a pena de multa. Donde, no caso concreto, o prazo de prescrição esteve suspenso entre 17/09/2008 (por via do requerimento apresentado em 26/08/2008) e 13/05/2016 (data do despacho que decidiu o requerido).
Salvo devido respeito, que é muito, pela opinião do Digno Procurador Adjunto, assim não entendemos.
Vejamos as razões do nosso entendimento.
Nos termos do art. 125.°, n.º 1, al. a) do CP, a prescrição suspende-se quando, por força da lei, a execução não poder começar ou continuar a ter lugar.
A posição defendida pelo Ministério Público parte do pressuposto que a expressão «execução» contida neste normativo equivale a execução patrimonial, na medida em que se entende que, perante o requerimento do arguido de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, fica o Ministério Público impedido de dar início à execução da pena.
Importa, pois, esclarecer o que se deve entender pelo termo «execução» constante do invocado art. 125.°, n.º 1, al. a) do CP.
Em relação à pena de prisão, o termo «execução» nunca trouxe qualquer dúvida, sendo entendido como início do cumprimento da pena, com a correspondente privação da liberdade.
Já quanto à pena de multa, o termo revelou-se equívoco, ao ponto de ter sido tratado como tendo um duplo sentido: execução patrimonial e cumprimento da pena.
Com efeito, existiram respostas jurisprudenciais diversas quanto à questão de saber se a instauração da execução para pagamento coercivo da multa constituía ou não causa de interrupção da prescrição, nos termos do art. 126.°, n.º 1, al. a) do CP. Tal divergência esteve na...
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