Acórdão nº 5955/18.6T8MTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelRITA ROMEIRA
Data da Resolução21 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.Nº 5955/18.6T8MTS.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de …, J 3 Recorrente: B…, Unipessoal, Ldª Recorrida: Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital do Porto Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO A sociedade, B…, UNIPESSOAL, LDA, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, …, …, impugnou judicialmente a decisão do Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital do Porto, que lhe aplicou a coima de €20.000,00 pela prática, a título de negligência, da contra-ordenação muito grave prevista e punida pelo n.º 1 do art. 11º do DL n.º 64/2007, de 14/03, com as alterações do DL n.º 99/2011, de 28/09, e do DL n.º 33/2014 de 4/3.

Admitida a impugnação judicial e designada data para audiência de julgamento, realizou-se o mesmo, nos termos documentados na acta de fls. 159 e, subsequentemente, foi proferida sentença, em 29-04-2019, de cujo dispositivo consta a seguinte decisão: “Nestes termos, e com fundamento em todo o exposto, julga-se improcedente, por não provada, a presente impugnação judicial e, em consequência, mantém-se a decisão da autoridade administrativa.

Sem custas, para além da taxa de justiça já paga, por se considerar que não se justifica a correcção a que alude o artigo 8.º, n. 4 do RCP.

Notifique e deposite.

Comunique à autoridade administrativa, nos termos do disposto no artigo 45.º/3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.”*Inconformada com esta decisão a arguida interpôs recurso, nos termos da motivação junta a fls. 165 vº e ss., que terminou com as seguintes conclusões: “1. Por sentença judicial proferida, em 29/04/2019, o tribunal a quo manteve a decisão da autoridade administrativa, ora recorrida, que determinou a aplicação à Arguida, ora Recorrente, de uma coima no valor de €20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de custas, por violação do art. 11.º do Decreto Lei 64/2007, de 14 de Março, que refere no seu n.º 2 que “Os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a sua actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37.º e 38.º.

” 2. Ora, tal decisão administrativa resultou de uma ação inspectiva ao estabelecimento explorado pela arguida, ocorrida em 16/05/2014 pelas 11h, que se encontrava nessa data a funcionar sem licença de funcionamento.

  1. Nessa sequência a autoridade administrativa aplicou o D.L. 64/2007 com a redação introduzida pelo D.L. 33/2014 de 04/03 que introduziu uma punição muito mais gravosa para a infração em causa, redação essa que entrou em vigor a 04/05/2014, isto é, doze dias antes da data da inspeção em causa! 4. Ora, acontece que, ficou provado nestes autos que pelo menos desde o início de 2013 que o estabelecimento em causa se encontra em funcionamento (veja-se o ponto 12 dos factos dados como provados da douta sentença judicial ora recorrida!) 5. Assim, entendeu o tribunal a quo que não obstante tal facto, ao caso sub judice aplica- se a redação resultante do D.L. 33/2014 de 04/03 por neste caso se tratar de uma contra-ordenação permanente, e por isso uma única contra-ordenação, aplicando-se a todo o comportamento a lei nova vigente no momento da prática do último ato de execução, ainda que mais gravosa, por não ser possível distinguir partes do facto! 6. Ora, salvo respeito por diversa opinião, não podemos concordar com o tribunal a quo, pois a contra-ordenação em causa não constitui um ilícito permanente mas sim um ilícito instantâneo com efeitos duradouros, 7. Vejamos, com efeito atendendo à letra da lei a contra-ordenação em causa consumou- se com o início da sua atividade sem a licença, o que perdura no tempo são os efeitos desse início; 8. Isto é, o citado artigo 11º não fala em abertura e/ou funcionamento do estabelecimento, diz expressamente: “(...) só podem iniciar a sua actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, (...)”; 9. Na esteira de Acórdãos da Relação de Coimbra de 13/01/2010 e de 04/06/2008, bem como de 19/01/2011 no proc. 849/10.6TBCBR.C1, todos em www.dgsi.pt, entendemos que a contra-ordenação em causa se trata então de um ilícito instantâneo com efeitos duradouros e não de um ilícito permanente, ilícito esse que se consumou no momento da abertura do estabelecimento sem a necessária licença, sendo que a continuação do funcionamento do estabelecimento sem a licença não constitui elemento típico da contra-ordenação, porquanto caso obtivesse licença no dia seguinte ao seu início de actividade, ocorreria à mesma a contra-ordenação, o que sucede, outrossim, é que os efeitos da contra-ordenação prolongaram-se no tempo.

  2. Ora, tendo em conta que ficou provado nestes autos que o início da atividade do estabelecimento ocorreu em Fevereiro de 2013, foi nessa data que se consumou a contra-ordenação, e aí terá de se aplicar a redação anterior do D.L. 64/2007 de 14/03, isto é, com as alterações do D.L. 99/2011 de 28/09, aplicando-se a correspondente coima prevista no artigo 30º do D.L. 133-A/97 de 30/05, de 500.000$00 a 2.000.000$00, isto é, o mínimo de € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos).

  3. De facto, e sem prescindir, nos termos do art. 3.º n.º 1 do RGCO, aplicável ao caso, ex vi art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, “a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende”.

  4. Acrescentando ainda no seu n.º 2 “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada”.

  5. A base normativa do regime geral do ilícito de mera ordenação social consagrada no n.º 1 do art. 3.º, identifica-se com o estatuído no n.º 1 do art. 2.º do Código Penal.

  6. Aliás, vai ao encontro, consequentemente, do que a Constituição da República consagra em matéria de irretroactividade da lei penal (vide art. 29.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa); 15. Principio este que é corolário do princípio da legalidade.

  7. No que respeita ao n.º 2 do art. 3.º do RGCO, reflete o princípio de favor mandando aplicar a lei mais favorável, que aqui respeita integralmente o preceito do n.º 4 do art. 29.º da CRP, que, por seu turno, consagra o princípio da retroactividade da lei mais favorável.

  8. Que, no mais, se encontra igualmente consagrado no n.º 4 do art. 2.º do Código Penal.

  9. Conclui-se assim que no caso sub judice impunha-se decisão diversa, aplicando-se a a redação do D.L. em vigor à data da consumação da contra-ordenação por se tratar de uma contra-ordenação instantânea com efeitos duradouros, até porque é a lei mais favorável, e por isso o mínimo da coima legal à data em vigor de €2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), tendo em conta que na determinação da concreta medida da coima a decisão judicial do tribunal a quo não merece censura.

    Nestes termos e nos demais de direito, Devem V. Exas revogar a decisão judicial recorrida por erro na determinação da norma aplicável, devendo aplicar-se ao caso judice o D.L. 64/2007 de 14/03, isto é, com as alterações do D.L. 99/2011 de 28/09, aplicando-se a correspondente coima prevista no artigo 30º do D.L. 133-A/97 de 30/05, de 500.000$00 a 2.000.000$00, isto é, o mínimo de €2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), por ser a redação vigente à data em que a contra-ordenação se consumou, e sem prescindir, por se tratar da lei mais favorável.

    E assim fazer Inteira Justiça.

    ”.

    Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público apresentando contra-alegações, nos termos que constam a fls. 171 vº e ss. que, sem formalização de conclusões, finalizou defendendo que “deverá ser julgado improcedente o invocado erro na aplicação da norma e ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida”.

    *Nesta Relação, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer...

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