Acórdão nº 82/18.9YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA, Juíza ..., veio interpor recurso contencioso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 11 de julho de 2018, proferida no âmbito do inquérito disciplinar n.º …, que ratificou o despacho do Ex.mo Senhor Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 02.07.2018, que determinou que se instaurasse o processo disciplinar à Senhora Juíza e que o processo de inquérito fosse convertido na parte instrutória do processo disciplinar, de harmonia com o disposto no art. 135.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  1. A Ex.ma Senhor Juíza ... peticionou, em súmula, que a deliberação referida é portadora dos vícios já assacados em sede de reclamação da decisão do Senhor Vice-Presidente, considerando que não existem indícios da prática de infração disciplinar, por se ter baseado em prova ilícita (qual seja: a informação do Centro Cirúrgico de …, através do seu diretor clínico, sobre a data da realização da intervenção cirúrgica que esteve na base do atestado médico apresentado para a justificação da sua ausência entre o dia …. e o dia …) por violação do direito à reserva da vida privada, e porque se destinava não a instruir processo disciplinar, mas apenas o processo de inquérito que decorria; assim sendo, a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar e a sua integração neste como sua parte instrutória determina, igualmente, a invalidade do processo disciplinar por integrar prova ilícita. E daqui conclui pela nulidade da decisão do Senhor Vice-Presidente e, consequentemente, da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura que a ratificou.

    Entende ainda que o seu direito de defesa, se encontra limitado por estar condicionado à decisão sobre a reclamação que apresentou contra a decisão do Senhor Vice-Presidente, a partir do momento em que o Plenário do CSM decide ratificar o ato do Senhor Vice-Presidente antes de ter expirado o prazo de reclamação — “ratificar a decisão antes de decidida a reclamação, consubstancia a violação do direito fundamental de defesa da Autora em processo sancionatório, direito esse que tem consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa” (art. 66.º da petição apresentada). Conclui, pois, que a deliberação do Plenário do CSM, ao ratificar o ato impugnado, é nula, nos termos do art. 161.º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

    Daqui resulta, segundo a Autora, a nulidade da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 11.07.2018, que ratificou a decisão de instauração do procedimento disciplinar (com conversão do inquérito em instrução), e o arquivamento do inquérito, por inexistência de indícios de infração disciplinar.

  2. Cumprido o disposto no art. 174.º, n.º 1, EMJ, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) apresentou resposta onde, em súmula, sustentou que a data da intervenção cirúrgica a que foi submetida começou por ser divulgada aquando da apresentação, pela Senhora Juíza ..., do atestado médico para justificação da sua ausência, tendo, a Senhora Juíza ..., com a apresentação do atestado médico, renunciado à reserva da vida privada relativamente aos factos que aduziu para expor os motivos da sua ausência. Perante os factos inscritos no atestado, nomeadamente, a realização de ato cirúrgico, apenas foi obtida informação sobre este mesmo dado, concluindo que “não existe qualquer dado sob reserva da vida privada envolvido no conhecimento posterior da data de uma cirurgia” (cf. art. 18.º, da resposta apresentada). Não existe, pois, prova ilícita, pelo que a ratificação do ato de conversão do inquérito em processo disciplinar não padece de qualquer vício.

    Entende ainda que, tendo havido ratificação da decisão do Senhor Vice-Presidente, de 02.07.2018, cujos efeitos retroagem à data a que o ato respeita (cf. art. 164.º, n.º 5, do CPA), então “haverá que concluir-se que o acto em questão é da autoria do Plenário do CSM sendo que, das deliberações do CSM recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 168.º, n.º 1 do EMJ” (art. 35.º, da resposta apresentada).

    Por fim, considera que não houve violação do direito de defesa, não só porque a Senhor Juíza ... declarou no inquérito não pretender prestar declarações, como ainda porque exerceu o seu direito de defesa mediante a apresentação de reclamação do despacho do Senhor Vice-Presidente.

    Conclui pela improcedência do recurso contencioso.

  3. Notificada nos termos do art. 176.º, do EMJ, a Autora apresentou alegações que concluiu nos seguintes termos: « A) Reiteram-se todos argumentos vertidos na petição inicial nos artigos 24.° a 52.°, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos por motivos de economia processual; B) O único meio de prova prova obtida nos autos de processo disciplinar prova ilícita, porque obtida de forma ilegal e com violação dos direitos fundamentais da Exma. Senhora Juiz, ora Recorrente, assim implicando a impossibilidade da sua utilização.

    C) E inexistindo prova dos "indícios" de a que alude o artigo 135.° do EMJ, forçosamente se deverá concluir pela inexistência de indícios da prática de infracção disciplinar, D) Assim inexiste fundamento para a conversão do inquérito em processo disciplinar, impondo-se a declaração de nulidade do despacho do Vice-Presidente do CSM, o que expressamente se requer, bem como a ratificação que se sucedeu.

    E) Devendo, consequentemente, ser proferido despacho no sentido do arquivamento dos autos.

    F) A prevalecer a tese agora defendida pelo Recorrido em sede de Resposta, no sentido de que é aceitável a violação do direito fundamental à reserva da vida privada, previsto no artigo 26.°, n.° 1 do CRP, sem que o titular tenha consentido de forma expressa nessa violação, estamos perante uma solução de direito que encerra uma interpretação inconstitucional, não devendo ser atendida a mesma.

    G) Tanto mais que a violação do direito fundamental a supra aludimos, ainda que autorizada, sempre teria que obedecer ao princípio da proporcionalidade, o que não ocorre no caso: ficciona-se uma "autorização" para se colocar em causa o núcleo essencial do direito fundamental à reserva da vida privada previsto no n.°l do artigo 26.° da CRP.

    Acresce que, H) O despacho de admissão da reclamação apresentada pela Recorrente, e consequente suspensão do processo disciplinar em curso enquando aquela não foi apreciada, ocorre depois da ratificação do despacho de conversão; I) O procedimento iniciado com a Reclamação deve ter despacho, que aprecie os fundamentos da mesma ou, em alternativa - o que não se afigura possível dado que a reclamação ainda tem objeto - decisão de inutilidade sob pena da violação do dever legal de decidir que impende sobre o CSM; J) A não apreciação da reclamação - por condiciona o direito de defesa da Recorrente no âmbito do processo disciplinar - consubstancia a violação daquele direito de defesa, encerrando assim uma interpretação inconstitucional do disposto no artigo 32.° da CRP.

    K) Pelo que, também nesta parte, deve o acto ser declarado nulo e de nenhum efeito, o que expressamente se requer.

    Termos em que...

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