Acórdão nº 01035/18.2BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A………….., S.A.

, contribuinte fiscal n.º ………….., com sede na Rua ………….., n.º …….., 1100-……….. Lisboa, recorreu da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação da decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Ovar de 19 de junho de 2018, proferida no processo de execução fiscal n.º 0159200301500295, instaurado contra B…………., S.A.

, contribuinte fiscal n.º ……….., que teve sede na Rua ……………, n.º ………., sala ………., 3880 Ovar, para cobrança coerciva de dívidas de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas dos exercícios de 1999 e de 2000, no montante global de € 318 718,10.

Com a interposição do recurso apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…) A - O douto Tribunal a quo fundou a sua convicção quanto à matéria de facto dada como provada, do “…exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, os quais não foram impugnados... ", B- Sucede, porém, que, não foi a Recorrente notificada do teor dos citados documentos e informações constantes dos autos e, bem assim, do teor do processo de execução fiscal apenso.

C- Ora, a falta de notificação do teor das informações oficiais - obrigação prescrita na lei (cfr. arts. 115, nº.3, do C.P.P.T.) - constitui irregularidade processual com o regime de arguição previsto no artº. 195 e seg., do C.P.Civil, aplicável ao processo tributário "ex vi" do artº. 2, al. e), do C.P.P.T., consubstanciando omissão susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

D- Por outro lado, sempre se dirá que o princípio do contraditório, consagrado em termos gerais no artº.3, nº.3, do C.P.C., e actualmente entendido como direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo, exige que o Tribunal, antes de decidir qualquer questão de facto ou de direito, ainda que do conhecimento oficioso, permita que as partes se pronunciem sobre ela, salvo caso de manifesta desnecessidade.

E- Com estes pressupostos deve o Tribunal assegurar às partes a possibilidade de se pronunciarem antes se ser proferida qualquer decisão.

F- Sendo que, a falta de notificação para essa pronúncia se reconduz à omissão de um acto exigido por lei que, porque susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, constitui nulidade secundária, sujeita ao regime de arguição do citado artº.195 e seg., do C.P.Civil.

G- Assim sendo, "in casu" e desde logo, não tendo a recorrente sido notificada do teor dos ditos documentos, informações e do processo de execução fiscal, ao abrigo do citado artº. 115, n.º.3, do C.P.P.T., para mais eles sido essenciais para o Tribunal a quo formar a sua convicção sobre os factos dados como provados, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e decisão da causa, a qual tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, incluindo a decisão recorrida (cfr. artº. 195, do C.P.Civil e artº. 98, nº.3, do C.P.P.T.).

H- Por outro lado, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por não ter feito uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos quanto à prescrição das dívidas tributárias e as suas causas de suspensão e interrupção; I- Na verdade, a continuidade do facto interruptivo da citação, em que se apoiou a douta sentença recorrida, configura uma interpretação que não tem qualquer apoio na Lei.

J- Com efeito, esta interpretação - de que a citação para o processo de execução fiscal constitui um facto interruptivo com efeito duradouro - não tem apoio no texto legal aplicável - designadamente no art.º 49.º da Lei Geral Tributária.

K- Nada se definindo na Lei Geral Tributária ou no Código de Processo e Procedimento Tributário sobre qual o efeito da interrupção da prescrição, haverá que - por força do disposto no art.º 2.º, d) da Lei Geral Tributária - buscar-se tal efeito no Código Civil, por ser este de aplicação subsidiária aos dois referidos diplomas.

L- No entanto, apenas e tão só, quanto às consequências da interrupção do prazo de prescrição é que será necessário aplicar subsidiariamente o Código Civil, designadamente o seu artigo 326.º, n.º 1.

M- Tudo o mais e que se reporta, em termos civilistas, a uma causa de suspensão da prescrição só opera no direito civil e, no que respeita ao direito tributário, só poderia ser aplicada, caso a lei assim o determinasse.

N- A integração de lacunas, com recurso a legislação complementar, há-de fazer-se no estrito limite da lacuna em causa, sem recolher dos regimes do Código Civil mais do que aquilo que falta na regulamentação tributária, em respeito ao que estabelece o art.º 2.º da Lei Geral Tributária que a si própria se indica como sendo a primeira lei que regula as relações jurídico tributárias.

O- Pois, em tudo que encontre regulação na Lei Geral Tributária ou no Código de Processo e Procedimento Tributário, por estarmos perante dívidas tributárias, não haverá que recolher regulamentação no Código Civil diploma que regula as relações jurídico-privadas.

P- Nada, em qualquer outra lei ou diploma, pode regular as relações jurídico-tributárias, como a que aqui está em causa, em detrimento do regime que expressamente para elas consagre a Lei Geral Tributária que é a primeira das legislações a elas aplicáveis.

Q- Ou seja, não podemos socorrer-nos de qualquer efeito duradouro previsto no Código Civil porquanto o direito tributário já disciplina quais os factos que têm a virtualidade de produzir o efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.

R- Em matéria de garantias dos contribuintes - como é o caso da prescrição das obrigações tributárias - está legalmente vedada a aplicação de normas de outros ramos de Direito, designadamente de normas de direito civil ou direito privado comum, quando o direito tributário regula na íntegra, de forma especial, a matéria em questão, abrangida pelo princípio constitucional da legalidade.

S- Aliás, sempre estariam em causa obrigações jurídicas e ramos de direito completamente distintos - o direito fiscal, ramo de direito público, e o direito civil, ramo de direito privado - com normativos, objectos de regulação e ratios completamente distintas.

T- Pelo que sempre faleceria a exigência do confronto de "situações análogas", ou mesmo a coincidência de "razões justificativas" de regulamentação (cf. artigo 10.º n.º 1 e 2 do CC).

U- Com efeito, não é legalmente admissível aplicar o normativo do Código Civil em matérias, como a prescrição tributária, totalmente reguladas, nos seus vários aspectos, no próprio direito tributário objectivo - designadamente, não é legalmente admissível aplicar as normas civis que regem a suspensão e a interrupção da prescrição dos direitos de crédito civis, como é o caso do artigo 327.º n.º 1 do CC.

V- No direito tributário, a citação não causa nenhum efeito duradouro da interrupção do prazo de prescrição, apenas o interrompe.

X- De facto, a interrupção e suspensão do prazo de prescrição mostram-se regulados na Lei Geral Tributária, no art.º 49.º, que no seu n.º 4 apenas admite a suspensão do prazo de prescrição nas circunstâncias ali previstas.

Z- Na Lei Geral Tributária, enunciam-se as situações em que, no direito tributário, se deve ter por interrompido e suspenso o prazo de prescrição, o que afasta, só por si a existência de qualquer lacuna sobre esta matéria.

AA- Aliás, na verdade, nada na Lei Geral Tributária ou no Código de Processo e Procedimento Tributário indicia que, a citação do executado, determinará um efeito duradouro da interrupção do prazo de prescrição até ao encerramento do processo de execução.

AB- Concluindo, a matéria de prescrição está sujeita ao princípio da legalidade, não sendo possível adoptar interpretações que, sem apoio no texto da lei, criem efeitos duradouros da interrupção do prazo de prescrição, importados do direito civil, sem que para eles haja remissão expressa, ou se verifique qualquer lacuna a preencher.

AC- Nesta conformidade, a douta sentença recorrida, a apoiar-se na aplicação subsidiária do art.º 327.º, n.º 1 do Código Civil e ao atribuir à citação um efeito duradouro da interrupção da prescrição, enferma de ilegalidade, por violação do disposto nos art.º 2.º e 49.º da Lei Geral Tributária.

AD- Por outro lado, o douto Tribunal a quo, ao decidir pela conformidade do despacho reclamado com os princípios constitucionais da legalidade, da reserva de lei da AR em matéria tributária (artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 i) da CRP), da certeza e segurança jurídica ínsitos ao princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e da garantia fundamental de defesa e protecção jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20.º n.º 1 e 268.º n.º 4 da CRP, incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito.

AE- Isto porquanto, como tem sido definido de forma unânime a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, as normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas garantias dos contribuintes, pelo que se incluem na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

AF- E, sendo a finalidade das garantias dos contribuintes, precisamente, protege-los contra pretensões de liquidação e cobrança de tributos fora das condições previstas na lei, tem de concluir-se, forçosamente, que respeitam às garantias dos contribuintes as normas de que resulte, para os mesmos, a extinção do dever de pagamento de tributos.

AG- Extinguindo-se o direito de exigir o pagamento da dívida de imposto, a prescrição incide sobre um aspecto essencial da relação jurídica tributária, sendo generalizado, na Doutrina, o entendimento de que o respectivo regime consubstancia uma garantia material dos contribuintes.

AH- Ora, sendo as causas de suspensão do prazo de prescrição...

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