Acórdão nº 69/18.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório P.........., S.A. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 7.04.2019 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada por aquela contra a Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros (Recorrida), sendo contra-interessadas R.........., Lda., S.........., S.A.

e C.........., S.A..

A A. e ora Recorrente, por referência ao procedimento …..AQSGPCM/2017 de “Aquisição Centralizada para a Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança ao abrigo do Acordo Quadro AQ-VS-2014”, para a prestação de serviços de vigilância e segurança, celebrado pela ESPAP para as entidades adquirentes integradas na Presidência do Conselho de Ministros, sendo que o âmbito de aquisição se enquadrava no Lote 20 (serviços combinados na Região de Lisboa e Vale do Tejo) e no Lote 25 (serviços combinados em todo o Território Nacional), havia peticionado a “declaração de nulidade ou a anulação das decisões de adjudicação proferidas no procedimento de aquisição dos serviços de vigilância e segurança sub judice; // b) A condenação da Ré a reiniciar o procedimento, solicitando aos concorrentes os esclarecimentos necessários e convenientes para esclarecimento dos preços propostos”.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: A. De acordo com o artigo 71.º, n.º 2, do CCP, “Quando o caderno de encargos não fixar o preço base, bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para os efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo” (realces nossos).

  1. Desta forma, verificando-se a situação prevista na parte inicial do artigo 71.º, n.º 2, do CCP, e no artigo 115.º, n.º 3, do CCP, o órgão competente para a decisão de contratar (e, por delegação, o júri do procedimento) pode classificar como anormalmente baixo um determinado preço (cfr. Acórdão do TCA Sul, de 23/11/2011, proferido no âmbito do processo n.º 07914/11, Acórdão Lombardini, e ainda o Acórdão do Tribunal Geral (nona secção), de 05/11/2014, proferido no processo T-422/11).

  2. Esta conclusão de que o Júri do Procedimento pode, e deve, formular um juízo de anormalidade do preço em face de uma proposta concretamente apresentada (caso a mesma contenha indícios dessa anomalidade), é reforçada pelo disposto no artigo 69.º, da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014 (e cujas disposições são diretamente aplicáveis por já ter decorrido o período de transposição da mesma).

  3. Assim, o Júri do Procedimento, quer por aplicação direta do CCP, quer por aplicação da doutrina e jurisprudência mais autorizadas sobre a matéria, quer por aplicação direta da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, está vinculado a solicitar esclarecimentos quando verifique que um determinado preço proposto apresenta indícios de anomalia.

  4. Ao entender de forma distinta, a sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente o artigo 71.º, n.º 2, o artigo 115.º, n.º 3, ambos do CCP, e o artigo 69.º, da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, os quais devem ser interpretados no sentido de considerar que, verificando-se uma anomalia nos preços propostos, o júri do procedimento está vinculado a qualificar o preço como anormalmente baixo.

  5. Por outro lado, existindo indícios sobre a anomalidade do preço, a Entidade Recorrida tem o dever de investigar do fundamento dessa anomalidade.

  6. Ora, no presente caso, a Entidade Recorrida nem sequer indagou sobre a anormalidade do preço proposto pois, apesar de a ora Recorrente a ter alertado para esse facto, a Entidade Recorrida, nem sequer recorreu ao mecanismo, legalmente previsto, de solicitar esclarecimentos aos concorrentes.

  7. Assim, o fundamento invocado pela Entidade Recorrida para nem sequer solicitar esclarecimentos aos concorrentes não procede porque assume, sem ter qualquer elemento para isso, que existirão justificações para esse preço.

  8. Acresce que a atuação da Entidade Recorrida no presente caso é manifestamente contrária ao princípio da boa fé.

  9. O princípio da boa-fé, tal como entendido no artigo 10.º, do CPA, “obriga a Administração também num plano substancial erradicando decisões manifestamente incompreensíveis e inaceitáveis pelos seus destinatários para além de imprevisíveis e inesperadas (…)” (MONCADA, Luiz S. Cabral de – Código do Procedimento Administrativo anotado. Coimbra: Coimbra Editora, página 103; Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (pleno), em 02/05/95, no âmbito do Rec. 22871).

  10. A Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros, Entidade Recorrida nos presentes autos, promoveu, em 15 de Janeiro de 2014, um procedimento para a celebração de um contrato para a aquisição de serviços de vigilância e segurança.

  11. Nesse procedimento, a Entidade Recorrida definiu determinados limiares mínimos de preço para a prestação de serviços que eram objeto do referido procedimento e do presente.

  12. Ora, a Entidade Adjudicante no presente procedimento considerou, menos de 4 anos antes da abertura do procedimento ora em crise, que os preços inferiores aos mencionados ao limiar então fixado apresentavam indícios de anomalia e, consequentemente, exigiu a sua justificação sob pena de exclusão da proposta.

  13. Contudo, no presente momento, e apesar de os preços propostos pela Contrainteressada serem inferiores a esse limiar, a Entidade Recorrida decidiu alterar, sem mais, a sua posição – aceitando preços que 4 anos antes considerava inaceitáveis –, o que claramente contraria os mais básicos princípios da boa fé e segurança jurídica.

  14. Ora, a administração não pode, sem mais, isto é, sem alteração dos pressupostos de facto ou de direito da situação sobre a qual tem de decidir, alterar drasticamente a sua posição sob pena de violar a boa fé, a proteção da confiança e a segurança jurídica.

  15. Tal conclusão é ainda reforçada pela circunstância de, desde o momento em que o referido procedimento foi promovido, ter ocorrido um aumento significativo dos custos com a mão de obra, o que significa que a decisão agora adotada pela Entidade Adjudicante padece de manifesto erro.

  16. Aplicando os critérios que a Entidade Recorrida fixou no anterior procedimento, qualquer proposta apresentada no presente procedimento para o lote 20 com um preço inferior a EUR 1.328.719,67 e qualquer proposta apresentada para o lote 25 com um valor inferior a EUR 7.815.668,51, deveria ter sido considerada como abaixo do limiar do preço anormalmente baixo, e, consequentemente, deveria determinar um pedido de esclarecimentos do Júri do Procedimento.

  17. Aplicando o supra exposto ao Procedimento em crise nos presentes autos, isto significa que as propostas apresentadas pela S.........., pela R.........., pela C.......... e pela P.......... ao lote 20, e pela C.......... e P.......... ao lote 25, apresentam indícios de anomalia e, consequentemente, deveriam ter sido objeto do subprocedimento de pedido de esclarecimentos.

  18. Desta forma, o Júri do Procedimento não pode aceitar as propostas sem solicitar aos concorrentes os esclarecimentos necessários sobre o preço proposto.

  19. Em face do exposto, a sentença recorrida, ao entender que, no presente caso, não se verificava um erro manifesto no juízo constante do ato de adjudicação, incorreu em erro na interpretação e aplicação do artigo 71.º, do CCP, que deve ser entendido no sentido de que, quando o preço proposto não é suficiente para cobrir os custos com a prestação do serviço, existe uma presunção de anormalidade do preço.

    A Recorrida, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, concluindo do seguinte modo: 1.ª) A sentença recorrida julgou improcedente a ação instaurada pela autora / recorrente, tendo decidido (acertadamente) que não se verificavam os vícios alegados pela autora / recorrente; 2.ª) O recurso agora interposto pela autora radica num alegado erro de julgamento da sentença, pois “o júri do concurso devia ter qualificado como anormalmente baixos diversos preços constantes das propostas apresentadas devendo, em consequência, solicitar esclarecimentos aos autores das propostas, incorrendo assim, de igual modo, na violação dos princípios da boa fé e segurança jurídica” (págs. 3 e 4 das alegações de recurso da recorrente); 3.ª) Não assiste qualquer razão à tese sustentada pela autora / recorrente, não se verificando nenhum dos alegados vícios invocados pela recorrente e imputados à sentença recorrida; 4.ª) De acordo com a análise do art. 71º do CCP, realizada pela doutrina e jurisprudência nacionais, o preço anormalmente baixo pode ser fixado através de 3 (três) mecanismos ou critérios: a) quando a entidade adjudicante tenha fixado o preço base no caderno de encargos, considera-se de preço anormalmente baixo as propostas 40% ou 50 % a esse preço base (consoante se esteja perante procedimentos de contratos de empreitadas de obras públicas ou quaisquer outros) – art. 71º n.º 1 do CCP (critério de determinação automática por imposição legal); b) quando a entidade adjudicante, ao abrigo dos arts. 115º n.º 3, 132º n.º 2 ou 189º n.º 3 do CCP, fixe um valor abaixo do qual uma proposta deve ser considerada de preço anormalmente baixo – art. 71º n.º 1 do CCP (critério de auto-limitação); e c) quando não for fixado preço base no caderno de encargos e a entidade adjudicante dos arts. 115º n.º 3, 132º n.º 2 ou 189º n.º 3 do CCP, esta pode, determinar / qualificar, através de uma decisão discricionária (mas fundamentada), uma proposta como sendo de preço anormalmente baixo – art. 71º n.º 2 do...

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