Acórdão nº 293/17.4T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA, por si e em representação de sua filha BB, instaurou ação declarativa com processo comum contra CC - Companhia de Seguros, S.A.

, e Caixa DD, S.A.

, pedindo o reconhecimento da existência de um contrato de seguro do Ramo Vida que a mesma celebrou consigo e com o seu falecido ex-marido e a condenação a pagar à 2ª R. a quantia em dívida à data do óbito deste relativa ao contrato de mútuo que ambos celebraram com esta. A haver falha dos serviços da 2ª R., pede a sua condenação no valor a que teria direito de receber da 1ª R.

Para o efeito, alegou que, juntamente com o seu ex-marido, para garantia do empréstimo que ambos contraíram junto da 2ª R., foi celebrado com a 1ª R. um contrato de seguros do Ramo Vida. Esse contrato estava em vigor à data do óbito do ex-marido, uma vez que a falta de pagamento de prémios anteriormente vencidos nunca foi comunicada à A.

A DD veio invocar a ilegitimidade da A., em virtude de a única herdeira do falecido ex-marido ser a filha de ambos, menor de idade. Em todo o caso, o pedido subsidiário contra si deduzido não merece provimento, na medida em que, estando o contrato em vigor, procede o pedido contra a 1ª R. e, não estando, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada.

Por sua vez, a R. Seguradora defendeu-se dizendo que, na sequência da falta de pagamento dos prémios de seguro, enviou para a morada constante do boletim de adesão o aviso correspondente de anulação da apólice, o que, em face da respetiva não regularização, acabou por suceder.

Foi proferida sentença que julgou procedente a ação reconhecendo que o contrato de seguro do Ramo Vida invocado pela A. se encontrava em vigor à data do óbito do seu marido e condenando a R. CC a pagar à DD a quantia de € 56.929, 71 – correspondente ao valor em dívida pelos segurados à data do óbito, no âmbito do empréstimo referido nos autos – e a pagar à A. a quantia a liquidar ulteriormente correspondente às mensalidades que, após Outubro de 2016, a mesma pagou à 2ª R.

A R. CC apelou e a Relação, com um voto de vencido, revogou a sentença e absolveu a R. CC do pedido.

As AA. interpuseram recurso de revista em que suscitam as seguintes questões: a) Falta de prova de que a carta remetida ao segurado EE chegou ao seu destinatário ou à recorrente, ou foi deles conhecida e ausência de qualquer comunicação enviada à A. recorrente que também era segurada; b) Falta de qualquer interpelação admonitória dos segurados para transformar a mora em incumprimento definitivo; c) Ambos os segurados tinham interesse na apólice de seguro, de tal modo que a A. recorrente também deveria ter sido notificada para efetuar o pagamento dos prémios em falta; e) Manutenção em vigor do contrato de seguro, por inverificação da sua resolução.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados: 1. A A. celebrou em 19-2-02, no estado de casada com EE, um contrato de compra e venda, acompanhado da outorga de um mútuo com hipoteca e fiança com a R. DD.

  1. Tal contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança destinou-se à aquisição da fração autónoma designada pelas letras “AQ”, correspondente a uma habitação no 2º andar dtº, traseiras, com entrada pela Av. …, nº 381, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. …, nºs 760, 764, 768, 776, 780 e 786, e Av. …, nºs 315, 329, 337, 343, 359, 381, 385 e 387, freguesia e concelho de …, descrito na CRP de … sob o nº 1951 inscrito na matriz sob o art. 6006.

  2. O valor mutuado pela 2ª R. ascendeu a € 84.796,00, a amortizar em prestações mensais e sucessivas pelo período de 30 anos.

  3. Com a celebração do contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, os mutuários celebraram com a 1ª R. um seguro multirriscos habitação, sob a apólice nº 4…/19…84 e ainda um contrato de seguro do Ramo Vida para cada um dos mutuários, sob a apólice nº 5…06, nos termos que constam de fls. 19 vº e 20, de onde consta, além do mais, o seguinte: “Ramo Vida Grupo” … “Pessoa segura: EE” (no certificado com o nº 26…4) “Pessoa segura: AA” (no outro certificado com o nº 10….44) Em cada um dos certificados consta ainda: “Tomador do seguro: Caixa Geral de Depósitos “Beneficiários: Em caso de morte Caixa Geral de Depósitos Em caso de vida: Caixa Geral de Depósitos” … “Garantia: a Companhia de Seguros CC, SA, garante o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de Morte Invalidez total e permanente por acidente Invalidez absoluta e definitiva por doença” No “certificado” nº 26. …4, respeitante a EE, indica-se que “está relacionado com o certificado nº 10. ...24 titulado por AA” e no “certificado” nº 10. ...24, respeitante a AA, indica-se que “está relacionado com o certificado nº 26. …4 titulado por EE” (fls. 19 vº e 20).

  4. Das Condições Particulares do contrato de seguro do Ramo Vida referido (fls. 45 a 47) consta, além do mais, que: - Se trata de um “contrato de seguro de Vida, grupo, 100% contributivo”.

    - São “Pessoas Seguras os clientes do Tomador do Seguro que contratem com o Tomador do Seguro empréstimos para compra de habitação própria”.

    - “Em caso de morte de cada pessoa segura é beneficiária a entidade mutuante pelo valor em dívida à data do sinistro até ao limite do capital seguro”.

    - “Os prémios do seguro são integralmente pagos pelas Pessoas Seguras. No caso de adesões conjuntas, o prémio é pago pela primeira Pessoa Segura”.

    - “A falta de pagamento dos prémios na data de vencimento confere ao Segurador o direito de resolver a adesão por escrito, sem prejuízo dos direitos que assistam ao Beneficiário Aceitante.

    Para o efeito: a) Não havendo pagamento do prémio nos 80 dias subsequentes ao respetivo vencimento, o Segurador interpelará o aderente, através de carta registada, para querendo efetuar, no prazo de 45 dias, o pagamento; b) Nos 30 dias subsequentes à data de vencimento do prémio, o Segurador interpelará o Beneficiário Aceitante para, querendo, se substituir ao aderente no pagamento até ao fim do prazo previsto em a); c) Caso a Pessoa Segura não efetue o pagamento e o Beneficiário Aceitante não se substitua no mesmo, a adesão será resolvida findo o prazo previsto em a), com efeitos à data de vencimento do prémio em dívida”.

  5. Segundo o art. 9º das Condições Gerais (fls. 52): “… 2. Quando o valor seguro for contratado por Adesão Conjunta, o capital seguro para cada cobertura é o mesmo e único para o conjunto das Pessoas Seguras, pelo que será pago por uma única vez.

    …”.

  6. Nos termos do art. 15º das Condições Gerais do contrato (fls. 53): “… 2.

    As comunicações e notificações do Segurador previstas nesta apólice consideram-se válidas e plenamente eficazes caso sejam efetuadas por escrito, ou por outro meio de que fique registo duradouro, para a morada do Tomador do Seguro, Pessoa Segura e Beneficiário, constante do contrato”.

  7. Quer no seguro multirriscos, quer no seguro do Ramo Vida, a 2ª R. DD constava como “beneficiária” do seguro.

  8. Consta da cláus. 17ª, al. a) do Documento Complementar que faz parte integrante do contrato de compra e venda com mútuo com hipoteca e fiança que: “À credora fica reconhecido o direito: a) Alterar o seguro referido na cláusula anterior e pagar por conta da parte devedora os respetivos encargos.

    …” (fls. 14).

  9. As prestações de amortização do crédito habitação e os prémios de seguro (multirriscos e Ramo Vida) eram debitadas na conta 0035…056, aberta na agência da 2ª R., em …, em nome dos mutuários.

  10. Os prémios com vencimento em Maio, Junho e Julho de 2013 deixaram de ser pagos por falta ou insuficiência de saldo da conta identificada.

  11. Da carta registada de 15-7-13 enviada pela R. Seguradora e dirigida ao segurado EE, para a morada fornecida pelo mesmo no respetivo boletim de adesão, Av. …, nº 381, hab. 318, …, constava a informação quanto à existência de prémios em dívida (fls. 56 vº) e era solicitado o seu pagamento e feito o aviso de que procederia à anulação da adesão no dia 3-9-13 com efeito à data de 1-5-13.

  12. Através de outra carta datada de 15-7-13, enviada ao cuidado do gerente da dependência da DD da R. FF, em …, balcão através do qual se processou o contrato de mútuo e a adesão do falecido EE ao identificado contrato de Seguro de Vida, a R. Seguradora informou a DD, na qualidade de Beneficiária do contrato, de que, caso não fosse pago o valor em dívida, o seguro seria anulado, com efeito à data em que deveria ter sido pago o prémio mais antigo.

  13. Em 31-10-16 encontrava-se por liquidar junto da 2ª R. a quantia de € 56.929,71 relativamente ao contrato de compra e venda referido.

  14. Em dia ignorado do mês de Outubro de 2016 o mutuário EE faleceu no estado de divorciado da A., tendo-lhe sucedido, como única herdeira, a filha menor de idade, BB.

  15. À data do óbito de EE, a A. e o de cujus não haviam efetuado a partilha do património conjugal, no qual se inseria o imóvel acima melhor descrito, bem como o respetivo passivo decorrente do contrato de mútuo celebrado com a 2ª R.

  16. Em 9-11-16, a A. dirigiu à 2ª R, através da sua mandatária, o pedido de acionamento da apólice de seguro de vida nº 5. …06 identificada.

  17. Por carta datada de 17-11-16, veio a 1ª R. informar que “não nos será possível proceder ao pagamento da(s) indemnização(ões) solicitada(s), uma vez que à data do sinistro o contrato já se encontrava anulado por falta de pagamento dos prémios”.

  18. Desde a data do óbito de EE a A. tem vindo a efetuar o pagamento das prestações do crédito habitação que se têm vencido mensalmente, no montante global de € 3.170,57, até 19-1-18.

  19. Do relatório de autópsia do identificado EE a que as RR. tiveram acesso no âmbito dos presentes autos, resulta que se trata de uma morte de causa indeterminada.

    III – Decidindo: 1.

    Quanto ao recebimento ou conhecimento da interpelação efetuada pela R. Seguradora: 1.1.

    Começaram as...

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