Acórdão nº 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução24 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A-SA, intentou uma acção com processo comum contra B.

Este réu foi citado e contestou.

A 02/10/2018, a Sr.ª advogada deste réu deu conhecimento aos autos e notificou a autora de que o réu faleceu a 11/08/2018, conforme certidão de óbito que juntou em anexo.

A 18/10/2018, foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento com refª 30261989: Junta cópia do assento de óbito do réu determino a suspensão da instância, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 270º, nº 1, alínea a) e 276º, nº 1, al. a), sem prejuízo do disposto no art. 281º, todos do CPC.

Notifique” A autora foi notificada deste despacho por carta elaborada na mesma data.

(A 09/11/2018, a autora fez um requerimento dirigido ao Senhor Escrivão de Direito, dizendo que: Vimos por meio e após contacto telefónico com o Tribunal, solicitar a indicação da identificação completa - Juízo e Juiz - para envio no sistema citius de um pedido de certidão dos processos: - Processo nº 4421/08.2TBCSC (antigo 1º Juízo Cível) - Processo nº 380/2002. A fim de dar cumprimento ao despacho que se junta e proferido no proc. nº. 2165/17.3T8CSC – Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 2.

O despacho a que a autora faz referência é um despacho de 24/09/2018, em que o tribunal determinava que se notificasse a autora para, em 10 dias, juntar aos autos cópia dos articulados apresentados pelas partes naqueles processos, respectiva sentença, com o trânsito em julgado certificado.

A secção de processos satisfez o pedido da autora naquele mesmo dia 09/11/2018, identificando os dois processos) Depois disso nada mais foi feito nos autos, pelo que no dia 29/04/2019, foi, numa conclusão desse mesmo dia, proferido o seguinte despacho: Por despacho de 18/10/2018, notificado às partes em 21/10/2018, foi decretada a suspensão da instância por óbito do réu, nos termos do disposto nos artºs 270/1-a e 276/1-a do CPC, sem prejuízo do disposto no art. 281 do CPC.

De harmonia com o disposto no art. 276/1-a do CPC, a referida suspensão cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida.

A autora não deduziu o competente incidente de habilitação de herdeiros, nem justificou a sua inércia em promover o andamento regular do processo.

Verifica-se que a instância se encontra suspensa há mais de 6 meses por falta de impulso processual da autora, concretamente por não ter deduzido o incidente de habilitação de herdeiros, sendo que foi notificada da legal cominação, o que evidencia uma conduta processual negligente.

Assim, face ao decurso do prazo de 6 meses sem que a autora tenha impulsionado os autos, ao abrigo do disposto nos artºs 277/-c e 281, n.ºs 1 e 4, do CPC, julga-se extinta, por deserção, a presente instância.

Custas a cargo da autora.

Em conformidade com o disposto no artigo 306/2 do CPC fixa-se à causa o valor de € 120.000.

Registe e notifique.” Esta decisão foi notificada à autora por carta elaborada no dia 30/04/2019.

A autora recorreu deste despacho a 14/05/2019 – para que, por nulidade, seja revogado e substituído por outro que alerte as partes para o risco da extinção da instância, fixando-lhes um prazo de 30 dias para darem andamento aos autos ou requererem o que tivessem por conveniente, ou para que, por nulidade decorrente da falta de fundamentação, seja revogado e se notifique as partes para que, ultrapassado que está o prazo de 6 meses, se pronunciem sobre a falta de impulso processual, fixando-lhe um prazo de 30 dias para darem andamento aos autos ou requererem o que tivessem por conveniente -, terminando as suas alegações com 32 conclusões em 7 páginas que aqui se sintetizam assim: Verifica-se a nulidade da decisão por violação do princípio da proibição das decisões surpresa, do princípio do contraditório e do dever da gestão processual; A deserção não ocorre pelo simples decurso do prazo. Para que a instância se julgue deserta importa ainda que a falta de impulso processual se deva a negligência das partes. Significa, portanto, que antes de julgar deserta a instância o juiz tem de fazer valorização do comportamento das partes por forma a concluir se a falta de impulso resulta, efectivamente, de negligência de alguma delas, ou de ambas, em promover o seu andamento. E para fazer essa valorização, deve sempre ouvi-las para melhor aquilatar da sua decisão.

Ora, as partes não foram notificadas para se pronunciarem sobre a verificação da negligência.

O que se impunha, conforme foi recentemente decidido pelo ac. do TRL de 09/09/2014 [proc. 211/09.3TBLNH-J.L1-7], também tendo em conta a profundidade da alteração dos institutos em causa, os efeitos graves resultantes da mesma (extinção da instância) e o evidente propósito do legislador em obstar que possa ocorrer grave prejuízo dos direitos das partes resultantes da aplicação do NCPC.

Dada a grande diferença de tratamento entre o antigo e o novo CPC justificava-se pelo menos que o tribunal facultasse às partes que algo requeressem com vista à prossecução dos autos, sob pena de aplicação do novo regime de deserção – cfr. nesse sentido, o ac. do TRL de 15/01/2015 [proc. 2998/03.8TCSNT.L1-6].

No mesmo sentido se pronunciou o TRP [de 02/02/2015, proc. 4178/12.2TBGDM.P1] que interpretando extensivamente o disposto no art. 3 da Lei 41/2013, de 26/06 - que, em certos casos, impõe, um dever de correcção e de prevenção do Juiz do processo - entendeu que, antes de dar (por despacho) a instância como deserta (cf. art. 281/4 do CPC), havia que alertar as partes para a extinção da instância.

Não foi por negligência da autora que esta não requereu o prosseguiu com os autos, porque ainda se encontrava a indagar sobre os sucessores do réu falecido para prosseguir com o incidente de habilitação.

Sem prescindir, verifica-se ainda a nulidade da decisão por falta de fundamentação.

* Questão a decidir: se se verificam as nulidades invocadas; se a instância não devia ter sido declarada deserta.

* Os factos que importam para a decisão das questões que antecedem são os que constam acima.

* Diz o art. 281 do CPC, na parte que importa, que: 1: […] considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. Acrescenta o n.º 4: A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

Por regra, o impulso processual, no decorrer do processo, não incumbe às partes, como decorre do art. 6/1 do CPC, pois que, para que lhes incumba, terá de haver alguma norma – ou despacho judicial acrescente-se - que o imponha.

Isto é, como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, Coimbra Editora, 3ª edição, 2014, pág. 22, só excepcionalmente cabe às partes o ónus de impulso processual subsequente. O autor não tem constantemente de impulsionar o desenvolvimento do processo, ideia contrária à anteriormente defendida na prática dos tribunais.

Por isso, é normalmente ao juiz que cumpre dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção.

Há casos, no entanto, em que a lei impõe esse impulso às partes. É o que acontece no precisamente caso da habilitação de partes falecidas no decurso do processo.

Segundo o art. 269/1-a do CPC, a instância suspende-se quando falecer ou se extinguir alguma das partes […]. Segundo o art. 270/1 do CPC, junto ao processo documento que prove o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo hipóteses que não interessam ao caso dos autos. Segundo o art. 276/1-a do CPC, a suspensão por uma das causas previstas no n.º 1 do artigo 269 cessa: no caso da alínea a), quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida ou extinta; Segundo o art. 351/1 do CPC, a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores […] Destas normas decorre, pois, o ónus, para a autora, de promover a habilitação dos sucessores do réu falecido, se quiser que o processo prossiga, pois que os sucessores do réu não fazem ainda parte do processo ou podem nem sequer existir, nem naturalmente terão interesse no seu prosseguimento.

Ónus que não pode ser suprido pelo tribunal, porque não pode ser este a decidir pela autora o prosseguimento do processo contra os sucessores. * Assim sendo, cabia à autora requerer a habilitação dos sucessores do réu, se quisesse que o processo prosseguisse, deixando de estar suspenso. E estando a autora representada por advogado ela não podia deixar de saber que assim era.

Ora, durante mais de 6 meses, a autora nada fez nesse sentido.

* O requerimento que ela fez ao Sr. escrivão de direito, depois da suspensão, não tem relevo para afastar esta conclusão. Pois que esse requerimento não teve como finalidade nada relacionado com a prática do acto que se lhe impunha: requerer a habilitação dos sucessores do réu falecido. Aliás, ela nem podia requerer nada no processo que não fosse com esse fim, salvo urgência do requerido, o que não era o caso, pois que o processo estava suspenso e o acto que praticasse no seu decurso seria nulo, como por exemplo, a junção de certidões a que o réu não podia responder por não existir (art. 270/3 do CPC: São nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se extinguiu. Art. 275/1 do CPC: enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável; […] 2: Os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão; […]).

Falou-se...

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