Acórdão nº 0401/14.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelNEVES LEITÃO
Data da Resolução09 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. A…………, S.A.

    e a Fazenda Pública interpuseram recursos para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela primeira recorrente contra as liquidações adicionais de IVA (exercícios de 2009 e 2011) no montante global de € 343.618,86.

    1.1 A recorrente A…………, S.A.

    apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais do IVA emitidas por referência aos exercícios de 2009 e 2011, na parte em que a Recorrente decaiu, nomeadamente no que respeita ao cálculo da percentagem de dedução do IVA a considerar para os referidos exercícios.

    1. Salvo o devido respeito, a decisão proferida em 1ª. instância, na parte em que julgou improcedente a pretensão da aqui Recorrente, (i) assentou numa errada interpretação e aplicação do Direito interno português e da jurisprudência comunitária, errando nos seus pressupostos de facto e de Direito, (ii) viola ainda o princípio da neutralidade e da igualdade de tratamento fiscal e, bem assim (iii) assenta, por fim, numa errada interpretação dos factos.

      Da redação do artigo 173.º da Diretiva IVA e da sua transposição para o direito interno nacional C. O artigo 23.º do Código do IVA consagra dois métodos distintos para os sujeitos passivos efetuarem a dedução do imposto suportado, nos casos em os mesmos, no exercício da sua atividade, realizam operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito: o método da afetação real, utilizado nas situações em que o sujeito passivo consegue perfeitamente identificar bens e serviços que são apenas parcialmente afetos a operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, podendo, nestes casos, efetuar a dedução do imposto na exata medida da afetação parcial dos aludidos bens e serviços a atividades económicas que confiram o direito à dedução, e o método pro-rata, utilizado nas situações em que o sujeito passivo não consegue identificar claramente em que medida determinados bens e serviços são utilizados para fins económicos, podendo deduzir o imposto suportado com base na percentagem que tais bens e serviços têm no montante anual das operações do sujeito passivo que dão lugar à dedução.

    2. A alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA prevê que os Estados-Membros possam adotar medidas que, quando seja aplicado o método pro-rata, autorizem ou obriguem os sujeitos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou parte dos bens e dos serviços.

    3. A norma da Diretiva IVA supra referida não é de aplicação direta, na medida em que as disposições constantes das Diretivas vinculam os Estado-Membros quanto ao resultado a alcançar e carecem, para a sua aplicação, da necessária transposição, ao abrigo do disposto no artigo 288.º do TFUE, pelo que a sua aplicação no direito interno português teria de ser efetuada por via legislativa, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP e do artigo 8.º da LGT, em conjugação com o já mencionado artigo 288.º do TFUE.

    4. O artigo 23.º do Código do IVA apenas prevê para o método de afetação real a possibilidade de a AT impor condições especiais ou fazer cessar a aplicação do referido método quando tal possa provocar distorções significativas na tributação.

    5. Tal possibilidade não está expressamente prevista para os casos de aplicação do método da percentagem de dedução ou pro rata, sendo o respetivo cálculo determinado nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, o qual não prevê a possibilidade de desconsiderar a totalidade ou uma parte dos bens ou serviços da fórmula aí prevista.

    6. A letra da norma consagrada no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, ponto de partida e limite da interpretação da lei (cf. artigo 9.º do CC), refere, expressamente, que é apenas relativamente à aplicação do método da afetação real que é permitido à AT efetuar correções ao mesmo, nos casos em que a aplicação do aludido método provoque distorções na tributação, não sendo permitido a aplicação da mesma possibilidade por analogia ao método da percentagem de dedução, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT, que proíbe a interpretação analógica em matéria tributária.

      I. A falta de transposição por parte do legislador nacional da possibilidade conferida pela alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA resulta que foi sua intenção de, perante a aludida norma facultativa, optar por não a acolher, nem adotar no ordenamento jurídico nacional.

    7. A legislação interna portuguesa não transpôs internamente a faculdade prevista na Diretiva IVA [v.g., a atual alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da referida Diretiva] que permite aos Estados-Membros obrigar os sujeitos passivos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, pelo que não existe, na letra da lei, nomeadamente no artigo 23.º do Código do IVA, a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

    8. A decisão proferida pelo TJUE no Caso Banco Mais assentou numa errada interpretação do direito interno português, uma vez que não confirmou se a legislação nacional consagrou, efetivamente, a possibilidade conferida pela alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva IVA e, assume que a lei portuguesa previu efetivamente a possibilidade de a AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista, o que não corresponde à realidade.

      L. A posição do STA vertida no âmbito do Acórdão proferido no Processo n.º 0485/17, de 15 de novembro de 2017, bem como no Acórdão proferido no Processo n.º 01874/13, de 17 de junho de 2015, não merece acolhimento no caso em apreço, na medida em que não analisou, em concreto, se a legislação interna portuguesa permitia à AT efetuar correções ao método de cálculo da percentagem de dedução.

    9. Tal posição é corroborada pela jurisprudência emanada pelo CAAD, nomeadamente nos Acórdãos proferidos no âmbito dos Processos n.º 311/2017-T, de 9 de janeiro de 2018, n.º 309/2017-T, de 20 de novembro de 2017 e n.º 312/2017-T, de 16 de janeiro de 2018, que aqui se acolhem.

    10. O entendimento do Tribunal a quo encontra-se inquinado por uma errada interpretação e aplicação do Direito interno português e da jurisprudência comunitária, errando nos seus pressupostos de Direito e de facto, pelo que a sentença aqui posta em crise enferma de vício de violação de lei, razão pela deve ser revogada em conformidade.

      Da violação do princípio da neutralidade pela decisão recorrida O. Em sede de IVA, o valor tributável a considerar no âmbito de operações de locação financeira é, ao abrigo do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, o valor da totalidade da renda recebida ou a receber do locatário.

    11. Não existe na legislação aplicável qualquer distinção entre juro e capital para efeitos de liquidação do IVA, na medida em que o legislador estabeleceu que a base tributável das referidas operações engloba as duas componentes da renda como uma só, fundindo-as no conceito geral de contrapartida.

    12. A Recorrente liquida IVA sobre a totalidade das rendas, ao abrigo da aplicação das disposições previstas no Código do IVA, pelo que a não consideração da componente correspondente ao capital amortizado no volume de negócios para efeitos de determinação do pro-rata tem como consequência que seja a Recorrente, que não é o sujeito passivo final para efeitos deste imposto, a suportar efetivamente uma parte do IVA, concretamente, a componente do IVA suportado relativamente ao capital amortizado.

    13. O cálculo da Recorrente não se mostra incoerente por incluir na determinação da percentagem de dedução em causa o capital reembolsado nas operações de locação financeira e ALD e já não as operações de crédito, uma vez que as operações de crédito encontram-se isentas do imposto em crise, ao abrigo da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, ao contrário do que acontece com as operações de locação financeira e ALD, que são operações tributáveis na íntegra.

    14. A posição do Tribunal a quo vertida na sentença recorrida causa graves distorções na tributação, afetando a neutralidade do imposto e atentando contra o princípio da igualdade de tratamento fiscal, na medida em que nega à Recorrente, que não tem que suportar o encargo final do imposto em apreço, por não ser ela o sujeito passivo final, o direito a considerar, para efeitos de determinação do pro-rata de dedução, a totalidade das, alegadamente, distintas componentes que compõe os contratos de locação financeira e ALD, as quais são sujeitas a IVA na sua totalidade.

    15. Na prática, na posição corroborada pela decisão recorrida, a AT impõe que as operações de locação financeira e ALD em causa sejam operações tributáveis na íntegra, mas já não aceita que o sejam também para efeitos de determinar a proporção ou peso dessas operações tributáveis que conferem direito à dedução no cômputo da atividade global do sujeito passivo.

    16. A posição do Tribunal a quo resulta num claro enviesamento da realidade tributária e onera a aqui Recorrente com um custo efetivo de IVA que não é seu encargo, em desrespeito pelo princípio da neutralidade e da igualdade de tratamento fiscal, causando assim uma distorção significativa de tributação, razão pela qual deve ser revogada em conformidade.

      V. Caso assim não se entenda, requer-se que, nos termos do artigo 267.º do TFUE, a presente instância seja suspensa e se proceda ao reenvio do processo ao TJUE para que esta instância se pronuncie sobre as questões prejudiciais, que se sugerem nos seguintes termos: • O artigo 288.º do TFUE opõe-se a que um Estado-Membro que não transpôs na sua legislação...

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