Acórdão nº 1585/16.5PBBRR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 1585/16.5PBBRR, do Juízo Local Criminal de Setúbal (Juiz 3), e mediante pertinente sentença, foi decidido: “Na parte criminal Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais supra citadas, julgo procedente a pronúncia nos termos sobreditos e, por consequência:

  1. Condeno o arguido AB como autor material de um (1) crime de violência doméstica agravado, cometido sobre a pessoa da sua então companheira e mãe da sua filha menor e depois ex-companheira LC, p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 2 do Cód. Penal, na pena de dois (2) anos e três (3) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período dois (2) anos e três (3) meses, a contar da data do trânsito em julgado da sentença, com regime de prova, assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do Cód. Penal.

  2. Mais condeno o arguido no pagamento dos encargos do processo [art.º 514.º, n.º1 do C.P.P.], fixando-se a taxa de justiça em três (3) UC – [artigos 374.º, n.º4, e 513.º, n.º1 do C.P.P., e art.º8.º, n.º9 do R.C.P. e tabela III a este anexa].

  3. Após trânsito: - Remeta boletins à D.S.I.C.C.; - Remeta cópia, com nota de trânsito em julgado, desta sentença aos competentes serviços da DGRSP, para que seja elaborado o Plano de Reinserção Social, atento o regime de prova aplicado ao arguido nestes autos.

    Na parte cível Pelo exposto e de harmonia com as disposições supra indicadas, julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por LC, nos termos sobreditos e, por consequência:

  4. Condeno o arguido, ora demandado, AB, a pagar-lhe a quantia de € 3.500,00 [três mil e quinhentos euros], a título de compensação pelos danos morais sofridos em decorrência do crime de violência doméstica agravado de que foi vítima, acrescido de juros de mora legais contados deste a data da sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo o demandado do demais peticionado.

  5. Condeno ainda o demandado e demandante no pagamento das custas na ação cível, em taxa fixada em função dos termos da condenação e decaimento, respetivamente [art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do art.º 523.º do Cód. Proc. Penal]”.

    Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “I – Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença de 7 de Maio de 2019 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 3, que condenou o Recorrente AB na pena de dois anos e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artº 152º nºs 1 alªs b) e c) e 2 do Código Penal.

    II – Porém, e salvo melhor opinião, a referida sentença deve ser anulada e repetido o depoimento da assistente LC, o qual se encontra impercetível no registo nº 20190325102434 3555151 2871798, com violação do artº 363º do CPP, e consequente nulidade (artº 410º nº 3 CPP), impedindo a correta avaliação do referido depoimento pelo Tribunal de recurso.

    III – A Douta Sentença recorrida padece ainda dos seguintes vícios: A) – Omissão de pronúncia; B) – Erro no julgamento dos factos dados como provados; C) – Falta de exame crítico da prova e errada qualificação jurídica dos factos imputados ao Arguido.

    1. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA IV – A Douta Sentença recorrida não faz qualquer alusão, nem nos factos provados, nem nos não provados (que não existem) da Contestação de Fls. 419 a 421 dos Autos, em que o arguido nega os factos e dá a sua versão dos acontecimentos.

      V – Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, Ed. UCE, p. 967, “o dever de fundamentação exige: a) a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a imputação penal, … incluindo os factos não provados da contestação, importando saber se o tribunal recorrido apreciou ou não toda a matéria relevante da contestação”.

      VI – Não tendo feito qualquer análise da Contestação apresentada e dos factos nela aduzidos, a Douta Sentença é NULA por omissão de pronúncia (Artºs 372º nº 2 e 379º nº 1 alª a) do CPP).

    2. DOS FACTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS VII – Dispensando-nos de reproduzir a totalidade das factos dados como provados, por só alguns serem controversos e decisivos para a justa decisão do recurso, entendemos estarem incorretamente julgados os Factos Provados nºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27 da Douta Sentença recorrida.

      VIII – O Facto nº 5 apoia-se exclusivamente no depoimento da Ofendida (Refª 20190325102434 3555151 2871798), que nas suas declarações reconhece que “…no início foi tudo pacífico e normal…”, e que “… até 9/Outubro/2016 eram só discussões”. Ora se estavam juntos desde 2004 (Facto Provado nº 1) não se entende, pela experiência comum, porque é que de um momento para o outro, decorridos 12 anos, o Arguido passaria a ter “postura crítica” e a querer impor a sua vontade à Ofendida. As provas que impõem diferente entendimento são as declarações do Arguido (Refª 20190325094837 3555151 287119), que negou esses factos, e o depoimento do seu pai, AAB (refª 20190401102001 3555151 2871798) que caracterizou o seu filho como uma pessoa calma, e incapaz de atitudes ofensivas. Não se mostra necessária qualquer renovação da prova, mas a reavaliação da que foi produzida.

      IX – O Facto Provado nº 6 encontra-se incorretamente formulado: sendo certo que o próprio Arguido reconheceu que tinha uma arma legalizada em casa, nunca disse que a tinha “em cima da mesa-de-cabeceira”. E como o Tribunal nem sequer logrou apurar de que tipo de arma se tratava (“… uma arma de fogo, cujas características não foi possível apurar…”) não se percebe como pode afirmar que ficava em cima da mesa-de-cabeceira. Se por acaso fosse uma espingarda, também caberia em cima da mesa-de-cabeceira? Mais uma vez a “fonte” da convicção do Tribunal foi apenas a versão da Ofendida, porém insuficiente para a conclusão a que chegou. E a prova que impunha diferente formulação é o depoimento do Arguido, acima referenciado, que referiu guardar a arma num cofre, em local não visível. Não se afigura necessário a renovação da prova.

      X – Igualmente a afirmação de que o arguido (Facto Provado nº 7) se deslocou para as traseiras da residência, efetuando disparos, baseia-se exclusivamente na versão da Ofendida, e pela experiência comum não tem qualquer credibilidade. Se o Arguido, em meio urbano, andasse aos tiros, decerto que os vizinhos ficariam alarmados e se queixariam desse facto, muito provavelmente chamando as autoridades. E se a Ofendida, como quis fazer querer, andasse atemorizada com esse comportamento, mais não teria que fazer do que chamar as autoridades. A sua omissão é a melhor prova de que nada se passou, bem como as citadas declarações do Arguido, que negou esse facto. Não se torna necessária qualquer renovação de prova, mas apenas o recurso à experiência comum.

      XI – O facto provado nº 8 nenhuma relevância tem para a decisão da causa, pois discussões existem em todos os casais; se o agarrão no braço tivesse sido tão forte como se afirma, deixaria nódoas negras, que a assistente não deixaria de exibir na esquadra da Polícia, ou na urgência do Hospital. Mais uma vez, a sua omissão é a prova de que nada se passou, e a melhor prova são as declarações da Ofendida (que desvalorizou o episódio) e do Arguido, que o negou. Pelo que não se torna pertinente a renovação da prova.

      XII – O que consta no facto provado nº 9 não tem qualquer suporte probatório, e nem nas declarações prestadas pela Assistente (referência citada) é mencionado. A prova de que nunca a Ofendida foi posta fora de casa são as declarações da sua amiga LS, prestadas a Fls. 81 dos Autos, que referiu que “… Em data que não pode precisar do ano de 2016 em conversa com a mãe da denunciante soube então que o casal estava a passar por uma fase menos boa da relação e que a LC pretendia voltar a viver em casa da mãe, com a filha”. E nas suas declarações na Audiência de Julgamento (refª citada) a Assistente confirmou que tinha ido viver para casa da mãe em Soure. Logo, isso já estava acertado, e não foi o Arguido que a pôs na rua. As provas que impunham diferente conclusão são as referidas declarações de Fls. 81, e o depoimento do Arguido (refª citada) que negou ter posto a mulher na rua. E, pela experiência comum, uma mulher que fosse posta na rua com uma criança, de imediato chamaria a Polícia, não ia apresentar queixa mais de um mês depois (basta ver o Auto de Denúncia de fls. 6 para ver que só em 16/11/2016 foi participar esse facto, supostamente ocorrido em 11/10/2017!). A renovação da prova passa por ouvir em depoimento a referida LS.

      XIII – O facto provado nº 10 não apresenta, pela experiência comum, qualquer credibilidade. Indica-se uma data concreta, mas “… em hora não concretamente apurada “. Ora todos sabemos que os atuais telemóveis gravam as horas de chamadas, e que permitem fazer “prints” desses elementos (data e hora), o que a Ofendida não fez. Mais uma vez, é a versão da Ofendida contra a do Arguido, e em obediência ao princípio “in dubio pro reo” não deveria ser considerado provado, pois nenhuma testemunha arrolada escutou essa conversa.

      XIV – Sobre o facto provado nº 13, os depoimentos dos vários intervenientes (sobre a existência e o teor dos insultos) não coincidem. De tal forma, que a mãe da Ofendida, MFB (Refª 201903251133444 3555151 2871798) ao mencionar insultos não referidos pelas demais testemunhas (“vaca” e “puta”) mereceu a advertência do meritíssimo Juiz “Ó Senhora, está sob juramento!” (Refª citada); e mais tarde acaba por admitir: “Nunca ouvi esses nomes, foi a minha filha que me contou”. A prova que impunha diferente...

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