Acórdão nº 3696/15.5T8AVR.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA e BB, LDA, intentaram ação declarativa, na forma comum, contra CC.

Pedem que: a) O réu seja condenado a restituir aos autores a posse integral dos cavalos “DD”, “EE” “FF” e “GG” e, bem assim, do camião de marca MAN, com a matrícula 00-00-00; b) O réu seja condenado a abster-se de, por qualquer forma, violar ou perturbar o exercício do direito de propriedade dos autores sobre os bens supra identificados; c) O réu seja condenado a reconhecer a propriedade integral dos autores sobre os cavalos “DD”, “EE”; “FF” e “GG”, bem como sobre o camião de marca MAN, com a matrícula 00-00-00; d) Seja ordenado o cancelamento do registo de propriedade do camião de marca MAN, com a matrícula 00-00-00 a favor do réu, junto da Conservatória do Registo Automóvel; e) O réu seja condenado no pagamento aos autores de uma indemnização, no valor de 36.250,00 € pelos prejuízos causados com a sua conduta.

Alegam essencialmente que, no Verão de 2013, contrataram o R. para exercer a sua atividade de professor de equitação nas suas instalações, e também para treinar e acompanhar o filho do A. para as competições de obstáculos em que participava; então, em setembro de 2013, o R. convidou o A. a deslocar-se com ele à Alemanha a fim de apreciar um conjunto de cavalos de competição em obstáculos que, segundo ele, constituíam um óptimo negócio; nessa sequência, A. e R. deslocaram-se a Tarp, no norte da Alemanha, onde observaram quatro animais, tendo acordado a compra dos mesmos por € 125.000,00; ainda na Alemanha, A. e R. acordaram entre si que os cavalos em causa seriam pagos por ambos, em partes iguais; já em Portugal, o R. informou que não tinha dinheiro para a respetiva aquisição, tendo o A. pago a totalidade do preço, ficando acordado, ainda, que o A. suportaria todos os encargos com transporte, vacinas, alojamento e alimentação dos animais, enquanto o R. os acabaria de treinar, sendo que, no final, o lucro obtido com a venda dos mesmos seria dividido por eles em partes iguais; para a atividade hípica supra descrita foi adquirido pela A. um camião para transporte dos animais, pelo preço de € 40.000,00, camião que foi ainda alvo de benfeitorias; entretanto, em 23-1-2014, não tendo sido vendido nenhum dos quatro cavalos, A. e R. acertaram as suas contas e aquele emitiu e entregou a este um cheque de € 5.000,00 para pagamento de todas as quantias devidas até ali; acontece que, no dia 19-8-2014, o R., aproveitando a ausência do A., que se encontrava de férias, dirigiu-se às respetivas instalações, apossou-se do referido camião e colocou nele 3 dos cavalos importados e mais um outro, deslocando os mesmos para a sua residência; no mesmo dia requereu que a propriedade do camião fosse averbada em seu nome, o que veio a acontecer logo em 21 de agosto; e, logo no início de agosto, vendeu a terceiro um dos cavalos, conduta da qual resultaram prejuízos para os AA.

Na contestação o R., para além de impugnar parte da factualidade alegada, refere que o camião lhe foi vendido pelo A. como forma de saldar uma dívida que tinha para com ele.

Identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova realizou-se o julgamento. Após o que foi proferida sentença na qual se julgou a ação improcedente.

Inconformados, os AA. interpuseram recurso, seguindo-se a prolação de acórdão no qual se determinou a realização de uma perícia à assinatura atribuída ao A., constante da declaração de venda do camião, bem como a ampliação da decisão de facto, apurando-se a matéria alegada em 54º e 55º da contestação, e anulando-se a sentença proferida.

Realizadas aquelas diligências, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar novamente a ação improcedente.

Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, julgando parcialmente procedente a apelação, decidiu o seguinte: «- declarar o A. AA possuidor dos cavalos “DD, “EE”, “FF” e “GG”, e a A. BB, Lda, possuidora do camião, marca MAN, com a matrícula 00-00-00; - condenar o R. na sua restituição aos AA.: - ordenar o cancelamento do registo do camião, marca MAN, com a matrícula 00-00-00, a favor do R., por nulidade do mesmo.

- condenar o R. a entregar aos AA. a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros); - julgar a acção improcedente no mais.

Custas por ambas as partes, na proporção de 1/5 para os AA. e 4/5 para o R.».

2. Inconformado, vem agora o Réu, CC, interpor recurso de revista ao abrigo do artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: «1ª Na sua petição inicial, os Autores/Recorridos, fundamentaram o pedido formulado relativamente “ao reconhecimento da propriedade do veículo pesado identificado nos autos e cancelamento do registo de aquisição a favor do Réu” na inexistência de título que permitisse tal registo, face a uma alegada falsificação da assinatura constante da declaração de venda para registo automóvel que referiam ter sido efectuada pelo ora Recorrente.

Porém, 2ª Como resulta do relatório pericial de fls. 436 e seguintes dos autos, não foi possível concluir pela falsificação invocada.

  1. Daí que o Recorrente considere que se mantém válido e eficaz o registo de propriedade invocado nos autos, mantendo-se consequentemente incólume a presunção decorrente do artigo 7º do Código de Registo Predial.

  2. E a presunção do artº 7º do C.R.Predial, aplicável ao Registo Automóvel, sendo juris tantum, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário (artº 347 e 350 do Código Civil), do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido. Sendo certo que, 5ª Para ilidir essa presunção é necessário ou fazer a prova da sua nulidade ou demonstrar a invalidade do negócio ou acto jurídico com base no qual foi feito o registo.

  3. Prova e demonstração essas que as AA/Recorridas não lograram efectuar.

    Por outro lado, 7ª Há também que considerar que caso os RR./Recorridos tivessem logrado provar a nulidade do registo do camião - o que, como se referiu, não sucedeu -, sempre esta só seria oponível depois de declarada por decisão judicial transitada em julgado, como preceitua o artº 17, nº 1, do C. R. Predial.

  4. Mas também que, como dispõe o artigo 342º do Código Civil, “Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, sendo que “A prova de factos impeditivos modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita“.

  5. E daí que quer considerando a presunção decorrente do artigo 7º do Código de Registo Predial, quer o disposto no artigo 342º do Código Civil, seria forçoso concluir que era às AA./Recorridas aos Autores que cabia a alegação e prova dos factos invocados na petição inicial. Finalmente, 10ª Considerada a prova documental constante dos autos, o preceituado quer no Código Civil, quer no Código de Registo Predial - relativamente ao ónus da prova e à presunção derivada do registo -, a conclusão retirada a respeito do veículo pesado deveria ter sido em sentido contrário à constante do Douto Acórdão recorrido, por o ónus da prova caber à A. (Recorrida) e desta não ter logrado efectuar a prova que lhe competia. Finalmente, 11ª Considerou o Douto Acórdão recorrido que, pese embora os AA.(Recorridos) não tenham alegado os factos constitutivos do direito de propriedade, “quer sobre os cavalos em causa, quer sobre o camião - pois nem alegaram os respectivos factos constitutivos - assiste-lhes, ainda assim, o direito à sua restituição por serem os seus possuidores”, com recurso ao disposto no art.1252º, nº 2, do Código Civil. Porém, 12ª Os Recorridos estão investidos numa posse provisória, derivada do procedimento cautelar, a qual não é de molde a concluir pela verificação da posse nos termos exigidos pelo aludido artigo 1252º do CC.

  6. Pois, a A. (Recorrida) não ficou imbuída na posse em termos definitivos, mas apenas e tão só provisoriamente, aguardando a decisão final, nos autos do processo principal.

  7. E não tendo sido alegado quaisquer actos de posse por parte da A. (Recorrida), não poderia concluir-se que esta estivesse na posse, com recurso à aludida presunção do artº 1252, nº 2 do Código Civil. Pelo que, 15ª Ao julgar a acção parcialmente procedente, nos termos que melhor constam do Douto Acórdão recorrido, violou o mesmo o disposto nos artigos e 17º do Código de Registo Predial, 342º, 347º e 350º, 1251º e 1252º do Código Civil.

    Nestes termos e melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e em consequência ser revogado o Douto Acórdão da Relação do Porto proferido a 03 de Junho de 2019, e assim sendo fazendo-se a habitual JUSTIÇA!» Os recorridos apresentaram contra-alegações, que terminaram com as seguintes conclusões, pugnando pela manutenção do decidido: «I. Competia ao recorrente demonstrar a existência do negócio jurídico subjacente à inscrição do registo do camião na Conservatória, e demonstrar que a assinatura constante da declaração de venda para registo automóvel foi aposta pelo recorrido AA.

    II. A assinatura de um documento particular é um requisito essencial dos documentos particulares.

    III. Estando em causa um documento particular, sendo a respetiva assinatura impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado, incumbe ao apresentante (neste caso, o recorrente), o ónus de prova da sua veracidade.

    IV. Não tendo sido feita tal prova, resta conclui estar-se perante um registo de transmissão do veículo nulo, por insuficiência de título, o que implica o seu cancelamento.

    V. A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real e traduz-se num elemento material de fruição de um direito (o corpus) e de um elemento intencional vertido na intenção de exercer um poder sobre as coisas (o animus), elemento que se deve aferir não pela vontade concreta do adquirente da posse mas pela natureza...

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