Acórdão nº 91/18.8YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução25 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório: I 1) - AA, Juiz ..., no Tribunal da Relação de ..., interpôs “recurso”[1], agora, “ação administrativa de impugnação de ato administrativo”da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, realizado em 2018.10.30, que converteu em processo disciplinar o processo de Inquérito n.º 2016-347/N ao abrigo do disposto nos artigos 164º, n.º 1, e 168º, n.º 1, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais[2], aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho.

II Requerimento inicial: O Demandante alegou o seguinte: Foi-lhe instaurado, em 30.10.2018, Procedimento Disciplinar com o n.º 2018-370/PD, através da conversão do Processo de Inquérito n.º 2016-347/IN.

Contudo, nessa data, o direito de lhe instaurar procedimento disciplinar havia prescrito em 01.06.2017, de acordo com o disposto no artigo 178º[3], da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas[4], pela Lei n.º 35/2014, de 30 de junho, com sucessivas alterações, sendo que a última alteração foi efetuada pela Lei n.º 6/2019, de 14/01.

Tendo o processo de inquérito sido aberto em 03.10.2016 e aplicando-se o tempo de suspensão máxima [6 meses], em 03.04.2017 terminou a sua suspensão e em 03.06.2017 caducou o direito de lhe instaurar procedimento disciplinar [60 dias após o fim da suspensão], pois o conhecimento da infração disciplinar ocorreu, no caso concreto, em 03.10.2016, data em que se verificou “a extração da certidão do processo-crime e consequente abertura do procedimento inquérito”.

Ora, o Conselho Superior da Magistratura, após tomar conhecimento dos factos geradores de uma eventual sanção disciplinar, deixou transcorrer o período durante o qual tinha que ter instaurado o respetivo processo.

Daí que se fale de uma prescrição com natureza de caducidade, pois perde-se o prazo de exercício desse direito.

Acresce que o processo de inquérito encontra-se delimitado por um período temporal de 6 meses, o qual, foi aqui largamente ultrapassado, razão pela qual o processo estava prescrito.

Relativamente à própria instauração do processo de inquérito, exige-se que o mesmo seja utilizado para desenvolvimento de diligências de investigação, que permitam concluir pela existência, ou não, de infracões disciplinares.

Ora, no caso, “a única coisa que foi concluída foi um “copy paste” do despacho de indiciação do processo-crime para o despacho de instauração de procedimento disciplinar”.

Conclui-se, pois, que o processo de inquérito n.º 2016-347/IN não teve nenhum outro propósito a não ser o de estender desmesuradamente o processo disciplinar, pelo que, em rigor, não podia o processo ter sido suspenso pelo período legalmente admitido para efeitos de processo de inquérito, razão pela qual o direito de instauração do procedimento disciplinar prescreveu em 03.12.2016, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.° da LGTFP, aplicável “ex vi” dos artigos 32.° e 131.° do EMJ.

A admitir-se, de outra forma, ou seja, que os prazos contidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 178.° da LFTFP, se possam estender, para lá do que a própria lei limita, é admitir-se, de igual forma, uma completa falta de proteção aos direitos de defesa do arguido, o que viola os princípios da segurança e da confiança jurídica subjacentes ao Estado de Direito Democrático (artigo 2.° da CRP), da legalidade (artigo 29.° da CRP), e os direitos de defesa do Arguido (artigo 32.°, n.º 1, da CRP).

***** Por outro lado, alega que, mesmo que o conhecimento da infração se tenha verificado em 06.02.2018, data em que o Conselho Plenário ratificou o despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura que tomou posição sobre a sua suspensão preventiva de funções, também já havia prescrito o direito a instaurar-lhe procedimento disciplinar.

Aduz, para tal, a incompetência daquele para proferir o despacho ratificado (vício da incompetência).

Com efeito, nos termos das normas conjugadas dos artigos 111º, 149º, alínea a), 151º, alínea a), e 158º, “a contrario”, todos do EMJ, a competência para a instauração de procedimento disciplinar aos Juízes das Relações pertence ao Conselho Plenário e não é delegável.

Ora, sendo assim, a ratificação do mencionado despacho não produz efeitos desde a data da sua prolação, mas apenas a partir da data da ratificação pelo que, para efeitos da prescrição, o despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Vice-Presidente é irrelevante.

***** Por último, e também por mera cautela, a decisão que lhe foi notificada, ou seja, a proferida em 30.10.2018, é nula, por violação do disposto no artigo 135º, n.º 1, do EMJ.

Na verdade, dispõe este normativo que o CSM pode deliberar que o processo de inquérito constitua a parte instrutória do procedimento disciplinar, se se apurar a existência de infração e desde que o arguido tenha sido ouvido.

Ora, não basta, segundo ele, que o arguido seja ouvido pois também tem que ter a possibilidade de se defender.

A audiência do arguido é, pois, condição prévia da conversão do processo de inquérito em procedimento disciplinar.

No caso concreto, o Demandante nunca foi ouvido e nunca se pôde defender, pelo que, sendo a estrutura do inquérito “fixados em termos reflexos à do processo disciplinar” é nula a decisão em causa, ou seja, a que ordenou a conversão em processo disciplinar do processo de Inquérito n.º 2016-347/N.

Termina pedindo: a.

Se declare a prescrição do direito de instauração do procedimento disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.° da LGTFP, aplicável “ex vi” dos artigos 32.° e 131.° do EMJ, e, por conseguinte, a extinção de responsabilidade disciplinar do Arguido, levantando a medida de suspensão preventiva e funções; Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sem se conceder, requer-se: b.

Se decrete a nulidade da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 30.10.2018 mediante a qual se determinou a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar, por violação do disposto no artigo 135.°, n.º 1 e artigos 110.° e seguintes “ex vi” do artigo 133.°, todos do EMJ, com todos os efeitos legais daí decorrentes; Em qualquer caso: c.

Se declare as inconstitucionalidades invocadas por violação dos dispositivos constantes dos artigos 2.°, 18.°, 29.° e 32.°, N.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

III Resposta do CSM: Na sua resposta o Demandado Conselho Superior da Magistratura alegou, em síntese, o seguinte: Ao contrário do que alega o Demandante, na situação vertente o Conselho Plenário - com competência para determinar a instauração de processo disciplinar - apenas tomou conhecimento da infração em 06.02.2018, quando tomou conhecimento dos factos constantes da certidão do inquérito criminal e deliberou ratificar a sua suspensão preventiva.

. Na verdade, quando foi instaurado o processo de inquérito, em 03.10.2016, existiam apenas meras notícias jornalísticas, veiculadas pela comunicação social, sem concretização fáctica, completamente distintas do quadro factual que chegou mais tarde ao conhecimento do Conselho Plenário e que determinou a instauração do procedimento disciplinar.

Acresce que, formalmente, também não assiste razão ao Demandante pois mediante o despacho proferido em 16.01.2017, o inquérito instaurado em 03.10.2016 ficou a aguardar o desenvolvimento do referido processo-crime e, apenas com o conhecimento do Conselho Plenário, em 06.02.2018, da certidão extraída do inquérito do processo-crime, cessou tal sustação, passando a aplicar-se a suspensão por 6 meses do prazo de 60 dias para a instauração do processo disciplinar (artigos 178.º, n.ºs 2 e 3, da LGTFP).

Ora, considerando o conhecimento da infração em 06.02.2018, o prazo para o exercício do direito de instaurar procedimento disciplinar terminou a 5 de outubro de 2018, devendo considerar-se o direito prescrito a 6 de outubro de 2018.

**** Acresce que, como resulta da factualidade relevante, a decisão de instaurar processo disciplinar foi tomada por despacho do Exmo. Vice-Presidente do CSM, em 01.10.2018, que não dispunha (e continua a não dispor) de poderes próprios nem delegados para a tomada de tal decisão, ou seja, como não tem competência para instaurar procedimento disciplinar, carece o seu despacho de suprimento da invalidade por incompetência relativa para a prática de ato, o que veio a acontecer mediante a sua ratificação pelo Plenário do CSM, órgão competente para o efeito.

De acordo com o artigo 164º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo[5], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, “em caso de incompetência, o poder de ratificar o ato cabe ao órgão competente para o efeito”, sendo que são aplicáveis à ratificação dos atos administrativos as normas que regulam a competência para a anulação administrativa dos atos inválidos.

No caso da ratificação, de acordo cm o artigo 164º, n.º 5, do CPA, os seus efeitos retroagem à data do ato a que respeita, pelo que o ato a ordenar a instauração do presente procedimento disciplinar foi praticado em 01.10.2018, portanto, antes de decorrido o prazo para o exercício desse direito, admitindo que a sua prescrição se verificava em 06.10.2018.

Ora, a deliberação proferida em 30.10.2018 pelo Conselho Plenário do CSM, ratificou o despacho do Vice-Presidente do CSM, que concordou com o teor da proposta do Senhor Inspetor Judicial Extraordinário, no que respeita à instauração de procedimento disciplinar.

Contudo, o despacho do Vice-Presidente do CSM não foi ratificado na íntegra, pois o Plenário do CSM apenas ratificou a parte em que se ordenou a instauração do procedimento disciplinar ao Demandante.

Com efeito, não ratificou a parte relativa à suspensão do procedimento disciplinar até ao trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida no processo criminal.

***** Por outro lado, o facto de na deliberação que ratifica o despacho de instauração de processo...

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