Acórdão nº 5388/16.9T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. A AA - Imobiliária e Construção, S.A., intentou a presente ação declarativa comum contra BB e CC - Seguros Gerais, S.A., pedindo a condenação solidária destes réus a pagarem-lhe a quantia de € 223.206,07, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação.

Alegou, para tanto e em síntese, que contratou o co-réu, Dr. BB, para patrociná-la em ação judicial pendente, sendo que o mesmo incumpriu o mandato forense que lhe foi conferido, o que lhe causou danos patrimoniais no valor de € 223.206,07.

  1. Citados os réus, só a ré seguradora contestou, invocando a exceção perentória da exclusão do pré-conhecimento do sinistro, prevista na alínea a), do art. 3º das Condições Especiais da Apólice e impugnando, no mais, a factualidade vertida na petição inicial.

  2. Realizada a audiência prévia, nela foi proferido despacho saneador, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

  3. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o réu BB a pagar à autora a quantia de € 197.906,82, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado e absolveu a ré CC - Seguros Gerais, S.A. do pedido contra ela formulado.

  4. Inconformada com esta decisão, na parte em que absolveu a ré CC - Seguros Gerais, S.A.. do pedido, dela apelou a autora para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 18.12.2018, julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela autora e totalmente improcedente a ampliação do recurso apresentada pela ré seguradora e, alterando a decisão recorrida, condenou a ré CC - Seguros Gerais, S.A., a indemnizar a autora pela quantia de € 145.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

  5. Inconformada com esta decisão, a ré CC - Seguros Gerais, S.A. dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1. O Tribunal de Primeira Instância decidiu absolver a aqui Recorrente do pedido formulado pela A., considerando que, apesar de se encontrarem preenchidos todos os pressupostos que fundamentam a responsabilidade civil e, consequentemente, o dever de indemnizar, tal responsabilidade fica afastada da aqui Recorrente porquanto os factos consubstanciadores da responsabilidade do Réu Dr. BB são conhecidos deste desde data anterior à data do início do contrato de seguro celebrado entre a aqui Recorrente e a Ordem dos Advogados.

  6. Considerando, assim, encontrarem-se excluídos os danos sofridos pela Autora das garantias da apólice nº 60…58, em consequência da verificação da exclusão de cobertura contratual prevista no artigo 3.º, alínea a), das condições particulares da referida apólice.

  7. Inconformado com tal decisão veio a A. interpor Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pugnando pela condenação da aqui Recorrente, essencialmente com fundamento na inaplicabilidade à A., enquanto terceira lesada, das cláusulas respeitantes à delimitação do objecto seguro, e bem assim da exclusão contratual de pré-conhecimento do sinistro prevista no artigo 3.º, alínea a), das condições particulares da apólice de seguro.

  8. O Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão anteriormente proferida, pronunciando-se no sentido de que não se poderá aplicar a exclusão do pré-conhecimento prevista no artigo 3.º, alínea a) da apólice de seguro celebrada com a ora Recorrente CC - Seguros Gerais S.A.

  9. Entendimento, que salvo o devido respeito não poderá colher, porquanto se encontram nos autos elementos, de facto e de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, designadamente no que respeita à verificação da exclusão de pré-conhecimento invocada pela ora Recorrente e prevista no artigo 3.º, alínea a) das Condições Particulares da Apólice n.º 60…58.

  10. De facto, atendendo à matéria de facto julgada provada nos autos, nunca poderá a ora Recorrente CC responder pelos danos e/ou prejuízos reclamados nos autos pela A., por via do contrato de seguro n.º 60…58 celebrado com a Ordem dos Advogados.

  11. Na verdade, da matéria de facto julgada provada nos autos, resulta evidente que o Réu advogado, à data de início do período seguro da apólice n.º 60…58, garantida pela ora Recorrente, tinha perfeito e efetivo conhecimento da possibilidade de vir a ser responsabilizado pela A., em decorrência da atuação profissional posta em crise nos autos; 8. Podendo, assim, o 1.º Réu, razoavelmente prever, em data anterior ao início de vigência do referido contrato de seguro, que a sua atuação profissional no âmbito do patrocínio forense assumido perante a A., poderia (ainda que em tese) gerar uma reclamação, passível de acionar as coberturas e garantias na apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, não podendo desconhecer e/ou desconsiderar a existência de tal risco; 9. Ora, de facto, e tal como resultou efetivamente demonstrado nos autos, nos termos da alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice 60…58, ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice as Reclamações “por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.

  12. Efetivamente, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa razoavelmente vir gerar uma reclamação.

  13. Assim, prevendo, de facto, a apólice n.º 60…58 a retroatividade ilimitada quanto à data de ocorrência dos factos, encontra-se, contudo, a abrangência (ou não) de tais factos nas coberturas contratuais, delimitada pela data da tomada de consciência pelo segurado da possibilidade/razoabilidade de tais factos poderem conduzir à sua responsabilização civil.

  14. De facto, a referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da Apólice de seguro dedicado às Exclusões, sendo assim impropriamente designada de “exclusão de pré-conhecimento”, assume a natureza de disposição delimitadora do objecto da apólice; 13. Nomeadamente por ser clarificadora da disposição de retroatividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que, tendo sido cometidos em data anterior ao termo do período de vigência da apólice, sejam desconhecidos do Segurado em data anterior ao inicio do período de vigência dessa mesma apólice.

  15. Ora, de facto, das disposições legais constantes dos artigos 100.º e 101.º da LCS (DL 72/2008 de 16 de Abril), resulta limitar-se o seu âmbito de aplicação ao incumprimento da obrigação a cargo do segurado de participação de sinistro na vigência do contrato de seguro; 15. Âmbito esse que, como se têm por manifesto, não engloba a exclusão prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições da apólice, a qual regula os “sinistros” conhecidos pelo Segurado em data anterior ao início do período seguro; 16. Não impondo ao segurado (como em face do seu objecto não poderia impor), qualquer ónus de participação do sinistro.

  16. Na verdade, a exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições particulares da apólice n.º 60…58, não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado, de deveres contratualmente estabelecidos.

  17. De facto, como se tem por inequívoco, não poderá a exclusão em causa ser reconduzida a um incumprimento de uma obrigação (quer por parte do segurado, quer pelo tomador de seguro), quando o facto consubstanciador da exclusão é prévio à própria fonte das obrigações assumidas pelas partes, in casu, à própria celebração do contrato de seguro.

  18. Assim, e como se tem por manifesto, o conhecimento por parte do Segurado de qualquer acto ou omissão do segurado, que este, em data anterior ao início de vigência do contrato, saiba ser potencialmente gerador de danos, não poderá deixar de ser determinante para a aferição do âmbito de cobertura da apólice.

  19. Sendo, por razões evidentes, expressamente excluídos aqueles actos ou omissões já conhecidos pelos segurados, à data de início do período seguro; 21. O que, aliás, tem pleno respaldo no regime jurídico do contrato de seguro, nomeadamente no artigo 24.º, n.º 1 do DL 72/2008 de 16 de Abril; 22. De modo que, não sendo aplicável à “exclusão” prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições particulares da apólice, o previsto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como a inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes ao terceiro é, novamente com o devido respeito, irrelevante para a sua aplicação a pretensa natureza obrigatória do contrato de seguro, sendo, consequentemente, despiciendas as considerações vertidas na douta sentença recorrida sobre esta matéria.

    Nessa medida, e por tudo quanto se encontra exposto, sendo inequívoco que o Réu advogado, em data anterior a 01.01.2014, tem conhecimento dos factos e circunstâncias passíveis, ainda que em tese, de gerar a sua responsabilização civil perante a A. (ou, no limite, uma reclamação, nos termos previstos na apólice de seguro garantida pela Ordem dos Advogados), sempre será de concluir (salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário) pela impossibilidade desresponsabilização da Seguradora, ora Recorrente pelos danos presumivelmente decorrentes da atuação profissional do Réu advogado no âmbito do patrocínio assumido perante a A., nomeadamente por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L 72/2008 de 16 de Abril), só assim se fazendo VERDADEIRA JUSTIÇA!».

  20. A autora respondeu...

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