Acórdão nº 20427/16.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra BB, advogada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: “a) €36 500, a título de danos patrimoniais; b) €10 000, a título de danos não patrimoniais; c) Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, a serem pagos desde o trânsito em julgado do arquivamento do processo 12399/5TDLSB até efetivo e integral pagamento”.

Alegou o Autor, para tanto, em síntese que: — Na sequência da denúncia apresentada pelo Autor contra a Companhia de Seguros DD, S.A., a 27/07/1999, correram termos na 4.ª secção do DIAP de Lisboa, uns Autos de Inquérito sob o n.°12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente; — O referido Inquérito veio a ser arquivado; — Em 14/09/1999, o Autor solicitou proteção jurídica; — Nos finais de novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que lhe nomeou BB, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa; — O Autor apresentou, a 28/12/2005, junto da Ordem dos Advogados, uma denúncia contra a Ré; — Por força da atuação profissional da Ré, o Autor sofreu danos patrimoniais no valor de €36 500,00 e danos não patrimoniais no valor de €10 000,00, cujo pagamento reclama a título de responsabilidade civil contratual, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos artigos 1157.°, 443.°, 444.°, 798.° e 799.° do Código Civil, 85.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação aplicável à data dos factos e do Decreto-Lei n.° 387-B/87.

  1. Não tendo sido possível a citação da Ré, em virtude do seu falecimento, foi julgada habilitada a herdeira CC que, notificada para os termos da ação, apresentou contestação, em que, além da defesa por invocação da exceção de prescrição e por impugnação, arguiu a exceção de caso julgado, sustentando existir identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir entre a presente ação e aquela que correu os seus termos como Ação de Processo Ordinário n.° 776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa.

    Concluiu pela respetiva absolvição do pedido.

  2. Notificado, o Autor pugnou no sentido da improcedência das invocadas exceções, tendo alegado, naquilo que respeita à exceção de caso julgado, que: «(...) 1. A Ré considera que “O objeto da presente ação já foi decidido noutra ação, (Processo n°776/13.5TVLSB, 6ª Vara Cível de Lisboa), por douta sentença confirmada por acórdãos do TRL e do STJ, que transitou em julgado, em que foram partes a ora Ré e o ora Autor, sobre o mesmo pedido e a mesma causa de pedir”.

  3. Sucede, porém, que a referida sentença teve por base uma visão da relação jurídica entre o Autor e a Ré não assente em responsabilidade civil contratual, e sim extracontratual.

  4. Ora conforme resulta da petição inicial apresentada, o Autor configura a relação jurídica entre Autor e Ré como um contrato de mandato.

  5. Deste modo, a causa de pedir é necessariamente o referido contrato.

  6. Pelo que não haverá identidade entre causas de pedir entre a presente ação e a ação referida no art.º 1.º supra, inexistindo assim exceção de caso julgado material.

    » 4.

    Findos os articulados, procedeu-se à realização de audiência prévia, sendo, após, proferido despacho saneador a julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado material com a consequente absolvição da instância da Habilitada CC (herdeira da Ré), «nos termos e para os efeitos dos artigos da aplicação conjugada dos artigos 278.º, n.º1, al e), 577.º, al. i), 580.º, n.ºs 1 e 2 e 595.º, todos do Código de Processo Civil.

    » 5. Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do qual conclui pela revogação da sentença recorrida, declarando-se a improcedência da exceção de caso julgado e determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento.

  7. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a Apelação, confirmando a decisão do Tribunal de 1ª. instância.

  8. Mais uma vez inconformado, o Autor / Apelante veio interpor revista, a título excecional, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O presente recurso tem por objeto o Douto Acórdão de 09.10.2018, o qual manteve a decisão da primeira instância, a qual julgou procedente a exceção do caso julgado, tendo absolvido CC (herdeira da Ré) da instância.

    1. Em Tribunal de primeira instância foi considerado existir a exceção do caso julgado com base em ação de processo ordinário que correu sob o nº 776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da extinta 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, na qual foi julgada procedente a exceção da prescrição, tendo sido absolvidos os Réus da instância.

    2. O Venerando Tribunal a quo considerou «A única questão colocada à apreciação deste Tribunal de recurso reporta-se a saber se o senhor Juiz do Tribunal de Primeira Instância poderia concluir, como conclui, pela verificação da exceção de caso julgado tendo por parâmetro uma sentença, já transitada em julgado, que qualificou a atuação da Ré como configurando responsabilidade extracontratual - assim decidindo pela verificação da prescrição do direito do A. -, sendo certo que na presente ação o A. configura esses mesmos factos como responsabilidade contratual. Com base nesta distinta qualificação jurídica dos factos, o A. defende que não se verifica a mencionada exceção de caso julgado».

    3. Concluiu o Venerando Tribunal a quo: «Assim sendo, parecendo-se ser inquestionável que a qualificação jurídica dos factos é da competência do Juiz, independentemente daquela que é realizada pelas partes, realizada a mesma e proferida sentença sobre essa mesma relação material que venha a transitar em julgado, tais factos não podem novamente ser reanalisados em uma outra ação, ainda que sob outra óptica jurídica, sob pena de violação do caso julgado - artigos 5.º, n.º3, 581º e 621.º do Código de Processo Civil».

    4. O que está aqui em causa não é apenas a qualificação da exceção do caso julgado material, mas igualmente as condições de exercício do Recorrente do direito a aceder ao sistema judiciário com o objectivo de ver reconhecido um direito substantivo de que é titular, ou seja, o direito à ação judicial.

    5. Este direito está consagrado no ar.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, onde é estabelecido que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser negada por insuficiência de meios económicos, estabelecendo o n.º 4 do mesmo artigo que «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».

    6. Estabelece o art.º 10.º da Convenção Universal dos Direitos do Homem que: «Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ele seja deduzida».

    7. Este mesmo direito é garantido pelo art.º 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    8. A ação intentada teve como causa a conduta da Ré BB enquanto patrona oficiosa nomeada no âmbito do sistema de acesso ao Direito, a qual, ao negligenciar o seu dever como patrona oficiosa prejudicou irremediavelmente o Recorrente na demanda.

    9. É no quadro do acesso ao direito e aos tribunais que deve ser analisado o presente recurso.

    10. A Douta Sentença proferida na primeira instância e o Venerando Acórdão de que ora se recorre consideram verificar-se a exceção do caso julgado.

    11. Ao contrário do que é afirmado pelo Venerando Tribunal a quo, no mencionado processo nº776/13.5TVLSB não foram meramente descritos os mesmos factos alegados em sede dos presentes autos.

    12. Nos termos do n.° 1 do art.° 581.° do Cód. Proc. Civil, «Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», havendo identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

    13. Existe a exceção de caso julgado quando ocorra uma tríplice identidade, ou seja, quando em ambas as ações as partes, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos, estando transitada em julgado uma das decisões proferidas.

    14. Conforme salienta Antunes Varela, «Nos termos do art.º 498.º do Cód. Proc. Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual surge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo autor (ou pelo réu no caso de pedido reconvencional ou da alegação de qualquer excepção). Na acção de condenação, por exemplo, a causa de pedir será o contrato, o negócio unilateral ou o facto ilícito real (a injúria, a usurpação do nome, o furto, a agressão física, o acidente de viação gerador de danos, etc.) em que o autor baseia a pretensão deduzida na petição inicial (condenação do demandado a efectuar determinada prestação)» (A: Varela, RLJ, 121º- 47 e s.).

    15. O despacho saneador-sentença proferido no âmbito da ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa teve por base uma visão da relação jurídica entre o Autor e a Ré não assente em responsabilidade civil contratual, e sim extracontratual.

    16. Nos presentes autos o Recorrente invocou explicitamente como causa de pedir o vínculo existente entre a patrona oficiosa (a Ré) e o patrocinado (o Autor), no qual, embora não tenha sido assinado um contrato, a relação que se estabelece entre ambos continua a ser de mandatário e mandatado, ficando o pagamento de honorários do patrono nomeado à responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, em lugar do patrocinado.

    17. A causa de pedir é necessariamente o referido contrato, e não a conduta da Ré que lhe causou o prejuízo peticionado, como seria no...

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