Acórdão nº 1204/14.4TJVNI-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO Declarada que foi (no 4º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão) a insolvência de AA, S.A.

e tendo o Administrador da Insolvência apresentado a relação de créditos a que alude o art. 129.º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), veio o credor reclamante BB impugnar tal relação.

Pretendeu que o seu crédito - correspondente ao montante do sinal (€100.000,00) passado no âmbito de contrato-promessa celebrado com a Insolvente e ao valor de benfeitorias (€82.000,00) realizadas no prédio prometido vender - havia de ser qualificado como garantido pelo direito de retenção, ao invés de comum (tal como constante da dita relação).

Os credores CC, S.A.

e DD, S.A.

responderam à impugnação, concluindo pela respetiva improcedência.

O Administrador da Insolvência também respondeu à impugnação, admitindo a sua procedência quanto ao montante de €142.000,00.

A final foi proferida sentença que considerou reconhecido ao Impugnante o crédito de €182.000,00, garantido pelo direito de retenção quanto ao montante de €142.000,00, e que graduou os diversos créditos.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Credora CC, S.A.

Pretendia que fosse revogada a sentença na parte em que considerou garantido pelo direito de retenção o referido crédito de €142.000,00.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação de Guimarães revogou a sentença na parte em questão, decidindo que esse crédito de €142.000,00 tinha natureza comum. Mais foi decidido que o crédito era reconhecido sob condição suspensiva.

Inconformado com tal decisão, é agora a vez do Impugnante BB pedir revista.

Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:

  1. O Acórdão de que se recorre padece de nulidade, por violação das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615 do NCPC.

    B) Da fundamentação de Direito do Acórdão não encontramos os específicos fundamentos que levaram os Exmos. Senhores Desembargadores a desconsiderar como crédito garantido as benfeitorias, no valor de 82.000,00 €, realizadas pelo credor BB (aqui recorrente).

    C) Na verdade, o Tribunal de 1ª Instancia reconheceu dois direitos de retenção ao credor BB: i) um derivado do incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre este e a insolvente (facto provado sob a letra c) da Douta Sentença do Tribunal de 1ª Instancia), que encontra abrigo na previsão normativa do artigo 755, nº 1, alínea f) do CC; ii) e outro proveniente das benfeitorias, no valor de 82.000,00 €, realizadas pelo credor reclamante BB, no imóvel objecto do contrato promessa, alicerçado na previsão normativa do artigo 754 do CC.

    D) O Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de que se recorre, revogou estes dois direito de retenção reconhecidos pelo Tribunal de 1ª Instancia, um sem qualquer tipo de fundamentação (direito de retenção proveniente da realização de benfeitorias reconhecidas e assentes) e o outro com fundamentação de natureza diversa ao primeiro e que não aproveita aquele.

    E) É apodíctico que para o reconhecimento ou não do direito de retenção, oriundo das benfeitorias realizadas pelo credor BB- e facto assente e fixado na alínea i) da Douta Sentença de 1ª Instancia - não relevam nem os casos especiais do artigo 755 do CC, nomeadamente, a promessa de transmissão; nem a qualidade de consumidor, fundamentos utilizados pelos Desembargadores da Relação de Guimarães para revogar a sentença de 1ª Instancia quanto aos dois direitos de retenção reclamados.

    F) O Tribunal da Relação não fundamentou o porquê de desconsiderar o argumento do Tribunal de 1ª Instancia quanto à revogação do Direito de Retenção sobre o imóvel descrito na verba n° 2 do auto de apreensão, proveniente de benfeitorias.

    G) Sendo certo que os únicos fundamentos de direito encontrados no Acórdão apenas se dirigem aos casos especiais de reconhecimento de Direito de Retenção (artigo 755 do Código Civil), que estão em contradição e oposição com a natureza do Direito de Retenção em apreciação no caso concreto (artigo 754 do Código Civil).

    H) Esta mescla efectuada pelo Tribunal da Relação de Guimarães torna o Acórdão ambíguo e obscuro, logo ininteligível.

    I) Ao não separar as naturezas diferentes dos direitos de retenção em análise, e, consequentemente, proferir fundamentação igual para diferentes questões de direito, nomeadamente, não reconhecimento individual de cada direito de retenção, cometeu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão proferido, nulidades nos termos do artigo 615, n° 1, alíneas b) c) e d) do CPC, que aqui expressamente se argui e devem ser declaradas pelo Supremo Tribunal de Justiça.

    54) Sucede que entenderam os Venerandos Desembargadores da Relação de Guimarães não reconhecer o direito de retenção do credor reclamante BB, no que concerne ao valor pago por este a título de sinal (60.000,00 €), por duas razões: c) Não estarem preenchidos os pressupostos do artigo 755, n.º 1 alínea f); e d) Ao credor reclamante não ser reconhecida a qualidade de “consumidor”, logo afastada a aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2014 de 20.03.2014.

    J) No que concerne ao entendimento de não estarem verificados os pressupostos do artigo 755, nº 1 alínea f), decidiu mal o Tribunal da Relação de Guimarães - com todo o respeito que nos merece e que é muito!... -, porquanto esta conclusão dos Exmos. Senhores Desembargadores contraria os factos assentes e fixados na sentença de 1 a Instancia.

    K) Na verdade, a entrega da coisa objecto do contrato promessa pela Insolvente ao credor reclamante BB extrai-se da alínea O), da matéria provada, na sentença do Tribunal de 1ª Instancia e que aqui reproduzimos: “f) A insolvente, representada pelos seus administradores EE e FF, como primeira outorgante, e o impugnante BB, como segundo outorgante, subscreveram o escrito de fls. 89-91 intitulado "Adenda ao Contrato Promessa de Compra e Venda outorgado em 28 de Maio de 2009, datado de 23/03/2011, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, através do qual a primeira outorgante declarou autorizar o segundo a entrar, de imediato, na posse do lote 10 referido em c), com a finalidade de permitir que este inicie no mesmo a construção de um edifício destinado a indústria, e reduzir o preço para a quantia de e 100.000, considerando este já pago”; (sublinhado e negrito nosso).

  2. A motivação do Tribunal de 1ª Instancia para considerar este facto como provado sustenta-se no que se transcreve: “Quanto à tradição do prédio prometido vender, parece-nos que a factualidade apurada permite concluir, sem grande margem para dúvidas, que a mesma ocorreu em data não concretamente determinada, mas depois da outorga do contrato promessa de compra e venda (em 28/05/2009) e antes da data da factura que titulou o preço das obras de construção do pavilhão (30/09/2011). Com efeito, como resultou provado, o impugnante realizou as obras necessárias à construção do pavilhão implantado no lote de terreno prometido vender, sendo certo que na adenda de 23/03/2011, a insolvente autorizou o impugnante a entrar na posse do referido terreno para lá construir o pavilhão. A construção do referido pavilhão pelo impugnante demonstra, pois, que existiu a entrega ao mesmo do descrito lote de terreno." (cfr. página 7 da Douta Sentença do Tribunal de 1ª Instanci

    1. M) No que concerne ao requisito da verificação ao não do incumprimento definitivo - e porque não saberíamos dizer melhor - remetemos para o que a Meritíssima Juiz de 1ª Instancia escreveu na Douta Sentença revogada pelo Tribunal da Relação, e que aqui transcrevemos (cfr. paginas 7 e seguintes da Douta Sentença revogada pelo Tribunal da Relação de Guimarães): “Analisemos agora se a insolvente incumpriu o referido contrato e se o crédito do impugnante goza de direito de retenção.

      Estabelece o n.º 1 do art. o 102.º do CIRE que "Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento. " Quanto ao contrato promessa, o art.º 106.º do CIRE estatui o seguinte: "1- No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.

      2 - À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor. " No caso dos autos, o Administrador não cumpriu o contrato, como resulta do {acto de ter reconhecido ao impugnante o crédito de e 182.000 por ele reclamado.

      Quanto à questão de saber se a declaração de insolvência acarreta a impossibilidade de responsabilizar a insolvente pelo incumprimento do contrato-promessa (já que ao insolvente se substitui e passa a figurar em juízo apenas a massa falida e o administrador), com a consequente exclusão do direito do promitente-comprador ao sinal prestado previsto no n.º 2 do art. o 442.º do CC e do seu direito de retenção, revestindo o respectivo crédito natureza meramente comum, seguimos a orientação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014.

      Com efeito, naquele AUJ defende-se que, no âmbito do CIRE, não está afastada a aplicabilidade do disposto no art.º 442.º do CC, argumentando-se, em abono desta tese, o seguinte: - que disposto no n.º 2 do art. o 106.º do CIRE é apenas aplicável ao contrato promessa com efeito meramente obrigacional e em que não tenha havido aquela tradição ao...

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