Acórdão nº 3550/09.0TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | FÁTIMA GOMES |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.
AA e BB instauraram a acção declarativa contra CC, S.A.
, na qual pediam: a) A condenação da Ré no pagamento ao Banco DD, S.A., banco mutuante, beneficiário do contrato de seguro identificado no art 2º da pi, da quantia de €42.017,93, correspondente ao valor por aquele Banco peticionado à data da execução instaurada; b) A condenação da Ré a pagar ao mencionado banco mutuante as demais quantias que ele venha a peticionar na mesma execução; c) A condenação da Ré a pagar todos os encargos e custas da referida execução, em valor que se liquidará oportunamente; d) A condenação da Ré a pagar aos Autores as quantias por estes pagas a título de prestações do contrato de mútuo e de prémio de seguro após a verificação da invalidez total e definitiva da A. mulher, em quantia que se liquidará posteriormente.
Alegaram, em síntese, que em 12 de Agosto de 1997, para efeitos de obras na sua habitação, o Banco DD, S.A., emprestou aos AA. a quantia de 8.000 000$00 (€ 40.000,00), nos termos e com os prazos constantes do documento junto como Doc. n.º 1 e que por exigência do Banco (cf. cláusula oitava do Doc. n.º 1), o referido contrato de mútuo foi acompanhado pela subscrição pelos AA. de um seguro com a apólice nº.... celebrado com a “EE, S.A.”, pertencente ao mesmo grupo do Banco, com as condições gerais e particulares constantes do documento junto como doc. n.º 2.
O referido contrato de seguro tem por objecto, além do mais, a cobertura da invalidez absoluta e definitiva das pessoas seguras (cf. cláusula “garantias complementares” do doc. nº. 3), sendo que as pessoas seguras são os AA., e o beneficiário e tomador do seguro o Banco FF, S.A.
Sucede que, no ano de 2002, à A. mulher foi diagnosticado carcinoma mamário, por força do qual foi submetida a mastectomia, facto que causou a sua invalidez total e definitiva, incapacitando-a de exercer qualquer actividade remunerada, encontrando-se permanentemente assistida por terceira pessoa, no caso o marido, ora A, que por sua vez fica impedido de exercer qualquer outra actividade.
Mais alegam que pese embora tenham comunicado tal situação ao banco e à ré, comprovada pela documentação clínica, a ré declinou a sua responsabilidade de pagar o capital seguro.
Alegam também que por força de tal situação os AA viram-se impossibilitados de continuar a pagar ao banco as prestações relativas ao contrato de mútuo, tendo o banco instaurado acção executiva, cabendo contudo à ré o pagamento ao banco da quantia mutuada.
2.
Contestou a Ré, alegando, em síntese, que efectivamente em 1997 os AA contrataram com o então EE, S.A., um seguro de grupo associado a um empréstimo que nesse ano lhes foi concedido pelo DD, SA, sendo certo que esse seguro cobria, entre outros, o risco de “invalidez absoluta e definitiva da pessoa segura”, tendo sido entregue aos AA as condições gerais, sucede que, alega, tal contrato de seguro foi anulado por falta de pagamento do respectivo prémio com efeitos a partir de 1.3.2006, conforme carta enviada pela ré, e recebida pela A.
Mais alegou que, face aos elementos clínicos que lhe foram apresentados pela A. esta não está numa situação de incapacidade absoluta e definitiva para efeito da cobertura contratada, a verificação do risco contratado só ocorre, sobre o mais, se a pessoa segura necessitar de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar actos normais da vida diária, o que não foi comunicado à ré, pelo que não terá a A. direito a receber o capital seguro, razão pela qual as participações por si apresentadas foram declinadas.
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Prosseguindo os autos para julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção totalmente procedente e, em consequência: 1- Condenar a Ré CC, S.A. a pagar ao Banco mutuante beneficiário do contrato de seguro com a apólice nº ..., a quantia de €42.017,93 (quarenta e dois mil, dezassete euros e noventa e três cêntimos) correspondente ao valor por aquele peticionado à data da instauração da execução que o mesmo instaurou contra os AA identificada no artigo 4º da pi, acrescido das demais quantias aí peticionadas em sede de execução seja a que título for, designadamente juros, encargos e custas; 2- Condenar a Ré CC, S.A. a pagar aos AA eventuais quantias por estes pagas a título de prestações do contrato de mútuo e prémios de seguro após a comunicação da situação de invalidez total e definitiva da A mulher àquela, não abrangidas na execução referida em 1), em quantia a apurar em incidente de liquidação.” 4.
A Ré interpôs recurso de apelação, que foi conhecido pelo Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí decidido julgar a apelação improcedente e confirmando-se a sentença, mas com distinta fundamentação.
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Desse acórdão a Ré interpôs novo recurso – agora de revista – que foi admitido, com efeito devolutivo e subida imediata pelo tribunal a quo, entendendo que a confirmação da decisão por fundamentos diversos permitia ao recorrente interpor recurso de revista, sem que a tal o impedisse o obstáculo “dupla conforme”.
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Nas conclusões do recurso diz-se (transcrição): 1) O presente recurso tem por objecto a reapreciação do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que, embora com diferente fundamentação, confirmou a condenação da instância; 2) Através da presente acção pretendem os Autores fazer condenar a aqui Recorrente no pagamento da quantia segura ao banco beneficiário por, alegadamente, na vigência daquele contrato de seguro ter tido lugar o evento a que se refere a cobertura contratada, ou seja, a Invalidez Absoluta e Definitiva; 3) Existe preterição de litisconsórcio necessário activo, que é de conhecimento oficioso, num caso como o dos autos em que o Banco beneficiário e tomador do seguro, não é parte nos mesmos; 4) Existe também preterição de litisconsórcio necessário, agora do lado passivo, por a questão da violação do dever de informação não poder ser discutida sem a presença do banco tomador do seguro: é isto mesmo que nos diz o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.03.2015, citado em texto; 5) De qualquer forma, não foi sequer alegado, muito menos consta do elenco da matéria de facto, factos que permitam qualificar o contrato de seguro dos autos como contrato de adesão. Sendo que ainda que se entendesse que estava cumprido o requisito da generalidade, falta aos Autores a alegação da abstracção, logo vedado estava ao Tribunal oficiosamente subsumir o contrato dos autos a tal categoria; 6) Não podia o Tribunal a quo declarar oficiosamente a nulidade de um segmento da cláusula invocada por contrária à boa-fé, excluindo-o da sua redacção: estava, assim, vedado ao Tribunal conhecer de questões de que não poderia tomar conhecimento, sendo nula a sentença à luz deste fundamento (art. 615º nº 1 al. d) e art. 666.º do Cód. Proc. Civil); 7) Esta nulidade não foi peticionada pela Autora, nem tão pouco foi dada pelo Tribunal possibilidade às partes de sobre ela se pronunciar, constituindo uma verdadeira decisão surpresa; 8) De todo o modo, sempre se diga que, nem à luz desta solução encontrada pelo Tribunal a quo para acolher a pretensão da Autora, os factos provados nos autos integram os pressupostos fácticos de que depende o preenchimento da cláusula permitem determinar o momento que a Autora padece de Invalidez Absoluta e Definitiva; 9) Assim, não foi concretizada a data em que se verificou a incapacidade total para o trabalho, o recurso a assistência de uma terceira pessoa e de forma contínua, fazendo-se apenas apelo que foi na sequência da doença que foi diagnosticada à Autora em 2002; 10) Acresce que, não constitui a data da invalidez determinada pelo ISS a mesma para efeito do preenchimento da cláusula contratual em causa nos autos, ignorando-se, aliás, quais os critérios que determinaram a concessão daquela invalidez; 11) Tendo o contrato dos autos sido eficazmente resolvido em 2007 e não se podendo apurar se antes dessa data a situação da Autora integrava os requisitos contratuais previstos na cláusula em apreço, lapidar é concluir que a ação não tem como não improceder; 12) E não se diga, como o fez o acórdão recorrido, que a circunstância de a carta de resolução apenas ter sido dirigida à Autora mulher afasta a eficácia desta resolução por falta de pagamento dos prémios; 13) Na verdade, esta circunstância se revelasse inócua, quer porque estamos perante um seguro de grupo, com vários segurados, quer porque se apurou que a respetiva carta foi recebida por ambos os Autores; 14) É este entendimento que tem sido acolhido na jurisprudência de que são exemplos os acórdãos proferidos por este Alto Tribunal em 14.12.2017 e pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 18.09.2018, citados em texto; 15) Decidindo como decidiu o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 33º, 615º nº 1 al. d) do CPC e 224º nº 1 do CC.
Termos em que, na procedência das conclusões, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que absolva a Recorrente CC, SA do pedido.
Assim decidindo, farão V. Exas a devida JUSTIÇA.” 7.
Foram apresentadas contra-alegações, que concluem assim (transcrição): “1 - 0 presente recurso foi interposto tendo por objeto a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão que havia sido proferida pela 1ª instância, ainda que com diferente fundamentação.
2 - Através dos presentes autos os AA. pretendem fazer condenar a aqui recorrente no pagamento da quantia segura ao Banco beneficiário porque na vigência do contrato de seguro teve lugar o evento a que se refere a cobertura contratada - invalidez absoluta e definitiva.
3 - Na sentença proferida nos autos, declarou-se a exclusão da cláusula inscrita na alínea d) do artigo 2.2 das condições gerais por violação do dever de informação, condenando-se a recorrente no pedido.
4 - 0 Tribunal da Relação entendeu que aquela alegada violação do dever...
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