Acórdão nº 262/18.7T8LSB-A.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução03 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, cidadão suíço, residente na …, intentou em 4 de Janeiro de 2018, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB - Air Lines, pessoa colectiva com sede em …, Suíça, e sucursal em Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 400,00, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou que adquiriu, através da reserva …, bilhete para o voo n.º LX2085 operado pela R., a realizar no dia 27/06/2016, com partida do Aeroporto de Lisboa (LIS) às 14h30 e chegada prevista ao Aeroporto de Zurique (ZRH) às 18hl5 (horas locais). Efectuou o check-in para o referido voo, tendo emitido o respectivo título de embarque (boarding pass). O voo acima indicado foi cancelado pela R. pelo que o A. apenas embarcou no voo LX2085 para o destino final, Aeroporto de Zurique (ZRH), às 14h30 do dia 28/06/2016, tendo assim chegado com mais de três horas de atraso em relação à hora inicialmente prevista. Não foi informado pela R. do cancelamento do voo com um período de aviso prévio de duas semanas.

Nos termos do artigo 52º, nº 1, alínea c), do Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro, cada passageiro tem o direito a ser indemnizado pela R. nos termos do disposto no artigo 7º do mesmo Regulamento.

Por se tratar de um voo intracomunitário com mais de 1.500 kms, é aplicável a alínea b) do nº 1 do referido artigo 7º do Regulamento pelo que cada passageiro tem direito a uma indemnização no valor peticionado.

A R. contestou e, no que ora releva, invocou a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, alegando existir uma relação jurídica plurilocalizada: o autor é cidadão suíço e reside na Suíça; a R. tem sede na Suíça; o local de destino da viagem é um aeroporto suíço; e o embarque ocorreu em Portugal.

Estando em causa um contrato de transporte aéreo internacional, nos termos dos instrumentos internacionais que indica (Regulamento n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro e Convenção de Montreal), por aplicação do artigo 59.º, n.º 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, o tribunal internacionalmente competente é o tribunal da sede da R., que é também o local de destino do voo e o local onde a obrigação foi ou deveria ter sido cumprida, ou seja, o tribunal suíço.

Em sede de contraditório à invocada excepção, o A. defendeu a sua improcedência, alegando que lhe cabe escolher o tribunal onde pretende ver o seu direito reconhecido, tendo optado pelo tribunal da partida do voo (Lisboa), que também corresponde ao local do incumprimento do contrato por aí ter sido cancelado o voo.

Por despacho saneador, datado de 27/05/2018, foi apreciada a invocada excepção de incompetência internacional, nos seguintes termos: “Dispõe o artigo 62.°, al b), do CPC que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando foi praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram.

Esta norma enuncia o critério da causalidade - um dos três critérios de atribuição de competência internacional com origem legal aos tribunais portugueses - e consiste em determinar a competência internacionais destes sempre que tenha sido praticado em território nacional o facto ou algum dos factos integradores da causa de pedir.

In casu, e ainda que o pedido se sustente no cumprimento de uma obrigação pecuniária, o facto que serve de causa de pedir é o cancelamento de um voo operado pela ora ré, com partida de Lisboa para o aeroporto de Zurique, no dia 27.06.2016. Ou seja, o facto que serve de causa de pedir foi praticado em território português.

Acresce que o artigo 7.° n.° 1 al. b) do Regulamento (CE) n.° 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Setembro de 2012 (salvaguardado pelo artigo 4.°, n.° 1, do mesmo Regulamento), que dispõe que «o lugar de cumprimento da obrigação será, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues» tem sido entendido no sentido de que o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado num contrato de transporte aéreo de pessoas é aquele, à escolha do requerente, em cujo foro se situa o lugar de partida ou de chegada do avião.

Por fim, e no que respeita ao «local do estabelecimento em que tenha sido celebrado o contrato», dispõe o artigo 81.° n.° 2, parte final, do CPC que a acção contra pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Portugal pode ser proposta no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da administração principal.

Nestes termos, conclui-se pela competência dos tribunais portugueses, para prosseguir com a presente acção e, especificamente, por este Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, tendo em conta o supra citado artigo 81.° n.° 2, parte final, do CPC e o disposto no artigo 71.° n.° 1, 1.ª parte, do mesmo diploma legal.” Inconformada com esta decisão, a R. interpôs recurso no Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento em violação das regras de competência internacional.

Por acórdão de 19/02/2019, foi proferida a seguinte decisão: “Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida, embora com fundamento jurídico diverso.” 2.

Vem a R. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por via normal e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando as seguintes conclusões: “a. Na contestação apresentada no processo sub judice, a ora Recorrente alegou a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por preterição das regras de competência internacional vigentes no ordenamento português.

  1. O Tribunal a quo julgou, em Despacho Saneador, os argumentos invocados pela ora Recorrente totalmente improcedentes.

  2. A Recorrente interpôs recurso ordinário de apelação do Despacho Saneador, pugnando que o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado num contrato de transporte aéreo internacional de pessoas é aquele, à escolha do passageiro, em cujo foro se situa a sede da transportadora ou o lugar de destino do passageiro.

  3. Como nenhum desses locais corresponde a Portugal, a Recorrente concluiu pela incompetência internacional dos Tribunais Portugueses; a igual conclusão chegou a Recorrente ao aplicar os princípios de Direito Internacional Privado, nomeadamente o princípio da conexão mais estreita.

  4. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o Acórdão ora Recorrido que julgou improcedente o recurso, mantendo, embora com fundamento jurídico diverso, a decisão recorrida.

  5. Em particular, o Tribunal da Relação aderiu a uma interpretação da Convenção de Lugano II efetuada pelo Tribunal de Justiça nesta matéria, concluindo pela existência de um "direito de opção concedido ao autor, uma vez que podia optar entre o lugar de partida do voo cancelado (Lisboa) e o lugar de chegada do voo (Zurique), em conformidade com a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-2004-08".

  6. Porém, e salvo melhor entendimento, existe uma norma especial relativamente à mesma matéria de competência judiciária aplicável a todas as ações por danos decorrentes de transporte aéreo internacional de passageiros, a qual é lei internacional especial face à lei geral invocada pelo douto Tribunal.

  7. O recurso é admissível enquanto revista ordinária, uma vez que não há sobreposição de julgados, nomeadamente quanto à fundamentação das decisões das instâncias, e porque estamos perante uma das situações em que o recurso é sempre admissível (cfr. artigo 671.°, n.º 1, a) CPC).

  8. Sendo o contrato de transporte aéreo internacional a base contratual que sustenta o direito que o Recorrido alega deter contra a Recorrente, impõe-se que se atendam às regras que regem este tipo de contrato para se aferir qual o Tribunal competente para apreciação do mesmo e da eventualidade da existência de um direito a uma compensação pelo seu cumprimento defeituoso.

  9. Esclareça-se que, ainda que objetiva, a indemnização prevista no Regulamento (CE) n.° 261/2004 não deixa de ter em vista a compensação de um dano decorrente do incumprimento de um contrato de transporte aéreo internacional.

  10. Não tendo sido convencionado qualquer pacto privativo de atribuição de jurisdição, então, por força do princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno, a competência internacional para a apreciação do litígio das partes decorre, em primeira linha, das normas de competência internacional.

  11. Verifica-se existir, a par do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 e da Convenção de Lugano II sobre todas as matérias civis em geral, uma Convenção que dispõe de normas especiais de competência judiciária relativamente a todas as ações por danos decorrentes de transporte aéreo internacional de passageiros.

  12. Em particular, a situação em apreço será determinada, em exclusivo, pela Convenção de Montreal - Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, transposta para a ordem jurídica portuguesa através do Decreto-Lei n.° 39/2002 de 27 de novembro e que se aplica a todas as operações de transporte internacional de pessoas, bagagens ou mercadorias em aeronave efetuadas a título oneroso.

  13. Estas regras são de carácter e aplicação exclusiva, como resulta do texto da própria Convenção e da sua antecessora, ainda em vigor, a Convenção de Varsóvia.

  14. Também em virtude do critério da especialidade, a lei especial (Convenção de Montreal) prevalece sobre a lei geral (Convenção de Lugano II), uma vez que a lei geral não revoga a lei especial, a menos que outra seja a intenção inequívoca do...

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