Acórdão nº 2020/16.4T8GMR.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução03 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA, Lda, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB - Associação de Futebol, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia global de € 50.315,40, acrescida de juros de mora vincendos à taxa comercial até à data do integral e efetivo pagamento, assim decomposta: a) € 9.532,56, por incumprimento do clausulado na transação do processo nº 991/12.9TJVNF, sendo € 1.000 da falta das duas prestações, € 13,62 relativos aos respetivos juros vencidos e € 8.518,94 da cláusula penal; b) € 40.782,84, por incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo de bens, sendo a quantia (mínima) de € 1.782,84 a título de prejuízo/dano direto, a quantia de € 6.000,00 de dano emergente (honorários e despesas judiciais com advogados) e a quantia de € 33.000,00 a título de lucros cessantes e prejuízos padecidos com a falta de promoção e publicidade da firma, quanto esta última a fixar pelo Tribunal segundo juízos de equidade.

Para tanto, alegou, em síntese: - quanto ao pedido referido em a): na mencionada ação foi lavrada uma transação nos termos da qual a ré se obrigou a pagar-lhe € 17.000,00 em 34 prestações mensais e iguais entre 2.5.2013 e 2.2.2016, sendo estipulada uma cláusula penal de € 8.518,94 para o caso de não pagamento de qualquer das prestações, o que ocorreu quanto às 33ª e 34ª prestações; - quanto ao pedido referido em b): dedicando-se ao fabrico, comércio, importação e exportação de vestuário, calçado e artigos de desporto, celebrou com a ré, em 9.4.2013, um contrato para o fornecimento, em exclusivo, de todos os artigos de desporto para a prática de futebol por todas as equipas e camadas da ré, bem como de todos os artigos de merchandising que consistiam em equipamentos, contrato este cujo incumprimento imputa à ré, daí tendo decorrido os prejuízos cujo ressarcimento pede nos termos acima referidos.

A ré contestou a defender a total improcedência da ação.

Alegou, em síntese, que, devido à situação económica do País e à situação económico-financeira das equipas profissionais da Segunda Liga Portuguesa, foi liquidando as prestações com algumas dificuldades, tendo pago, antes da sua citação, as duas últimas prestações e que, sempre que se atrasou, avisou o sócio gerente da Autora, por isso considerando abusiva a exigência da cláusula penal, que é superior a metade do total devido inicialmente; negou o incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo e, bem assim, que a autora tenha sofrido os danos que invoca.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora: a) € 500,00 por incumprimento do clausulado na transação do processo nº 991/12.9TJVNF, a título de cláusula penal; b) € 319,71, por incumprimento do contrato de fornecimento exclusivo de bens; c) juros à taxa legal decorrente da aplicação da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto, sobre as quantias referidas em 1) e b) desde 12 de Abril de 2016 até integral e efetivo cumprimento; Quanto ao mais, absolveu a ré do pedido.

Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença.

Deste acórdão trouxe a autora a este STJ o presente recurso de revista que qualificou como excecional, ao abrigo da al. c) do nº 1 do art. 672º do CPC, por invocada contradição do acórdão recorrido com um outro proferido pela mesma Relação em 4.10.2017, quanto à aplicação do regime da redução da cláusula penal.

Nas alegações apresentadas, a recorrente formulou as conclusões que expurgadas das atinentes à admissibilidade da revista excecional e, bem assim, das relativas à impugnação do acórdão na parte em que proferiu decisão sobre o segundo dos pedidos formulados pela autora[1], passamos a transcrever: (…) 8) O acórdão recorrido defende a aplicação do instituto do abuso de direito para reduzir o valor da cláusula penal apontando-o como alegadamente excessivo; 9) Porém, não se compreende que o acórdão recorrido defenda a modalidade de abuso de direito, quando não alterou a decisão de 1.a instância que defendeu precisamente o contrário, isto é, que "a questão não deve ser enquadrada na previsão do artigo 334° do Código Civil, mas antes, no artigo 812°, na medida em que, a ratio do preceito constitui uma válvula de escape para comportamentos abusivos", como infra se irá descrever em pormenor; 10) O acórdão fundamento - e bem - defende que o uso da faculdade da redução da cláusula penal não é oficioso, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», nos termos do disposto no artigo 609.°, n.° 1 do CPC; 11) De acordo com o citado Acórdão, o controlo judicial da cláusula penal deve limitar-se aos casos de manifesto abuso, não para limitar de forma injustificada a liberdade contratual e os legítimos interesses do credor; 12) A aplicação da redução da cláusula penal deve ter em linha de conta os objetivos tidos em vista com a cláusula, na justa medida que a ratio da cláusula penal visa reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação e a satisfação do interesse do credor; 13) No caso do acórdão citado e do acórdão recorrido as partes estabeleceram a cláusula penal fixando a indemnização devida, quer para o incumprimento definitivo (sem prejuízo continuar a ser devida a quantia acordada), quer para o cumprimento defeituoso; 14) Nos dois acórdãos (o fundamento e o que aqui se recorre) existe uma total discrepância do conceito de equidade, senão vejamos, no Acórdão fundamento supra mencionado, interpretou a cláusula penal no sentido de não ser reduzida oficiosamente, sob pena de violação o princípio da proibição do julgamento «ultra petitum»; 15) Aliás, o acórdão fundamento defende ainda que, não basta que a cláusula seja excessiva, que ultrapasse o montante dos danos até porque também lhe anda associada uma função compulsória, terá que ser manifestamente excessiva, podendo não ocorrer dano, esse simples facto não justificar a redução; 16) No acórdão recorrido existe a referência que nas circunstâncias concretas de sucessivos incumprimentos do R. e a má-fé da mesma que dá causa à presente ação, quando não obstante de ter existido mora e a A. ter direito a acionar a cláusula penal o valor alegadamente ser excessivo tendo em conta o exposto e o facto de tanto mais de durante o período de quase três anos de sucessivos atrasos da R. nunca interpelou (de forma escrita, mas apenas de forma informal), justificado a redução da cláusula penal com base em alegados juízos de equidade mas com alegados diferentes fundamentos; 17) A intervenção moderadora do Tribunal, nos termos do disposto do artigo 812.° do Código Civil estabelece que o mesmo pode e deve socorrer-se de todos os factores de ponderação de que disponha.

18) O acórdão recorrido defende igualmente que existiu mora, com atrasos nos pagamentos prestacionais reiterados, sem qualquer justificação, não apenas nas últimas duas prestações que foram pagas antes da citação e posteriores à distribuição do presente processo judicial, mas também no decorrer do plano prestacional, tendo ocorrido o primeiro atraso no pagamento da 2.a prestação e seguintes, Cfr. Ponto 2 e 3 dos factos dados como provados; 19) O acórdão fundamento defende que na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal o MM Julgador deverá ter em consideração factores primordiais, com a natureza e condições na formação do negócio, à situação respetiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo presumível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efetivo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má-fé do devedor (aspeto importante, se não mesmo determinante, parecendo não se justificar geralmente o favor da lei ao devedor de manifesta má fé e culpa grave, mas somente ao devedor de boa fé que prova a sua ignorância ou impotência de cumprir); ao próprio caráter a forfait da cláusula e, obviamente e à salvaguarda do seu valor cominatório; 20) A redução da cláusula penal dever ser interpretada de acordo com apreciação global de todo o circunstancialismo objetivo e subjetivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má-fé, de forma que o julgador não pode reduzir a cláusula penal sem tomar tais factos em consideração; 21) Ora, o tribunal recorrido ignorou todos esses factos, sendo que o controlo judicial da cláusula penal deve ser limitado aos casos de manifesto abuso, para limitar de forma injustificada a liberdade contratual e os legítimos interesses do credor; 22) A jurisprudência e a doutrina são unânimes em defender que apenas deve ocorrer a redução da cláusula penal quando for manifestamente excessiva, nos termos do disposto no artigo 812.° do CC; 23) Não basta que a cláusula seja excessiva, que ultrapasse o montante dos danos, até porque também lhe anda associada uma função compulsória, deve tratar-se de montante excessivamente desproporcional em relação ao dano e aos objetivos tidos em vista com a cláusula; 24) Na verdade, pode mesmo não ocorrer dano, esse simples facto não justifica a redução da cláusula penal; 25) Não podemos olvidar que o MM Julgador tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva; 26) Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo) ao dano efectivo não é proibida pela lei, não tendo o juiz poder para a reduzir, assim como supra se mencionou a ausência de dano, por siso, não legítima a intervenção judicial; 27) No caso em apreço, o acórdão recorrido em 1.a instância defendeu que a situação subjudice não se encontrava no artigo 334.° do CC, abuso de direito, mas antes no artigo 812.°...

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