Acórdão nº 3622/17.7JAPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução02 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Por acórdão de 4 de Dezembro de 2018 proferido pelo tribunal colectivo do Tribunal Judicial (Juiz …) da comarca do …, foi o arguido AA, com a identificação dos autos, condenado na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.

  1. Discordando, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2019, julgou o recurso improcedente, mantendo o acórdão recorrido.

  2. Não concordando com o decidido no acórdão da Relação, dele vem agora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando motivação de que extrai as seguintes «conclusões» (transcrição): «I. O recorrente foi condenado pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 alínea b) do CP na pena de 16 anos de prisão.

    1. Tendo o tribunal a quo fundamentado a condenação nos seguintes meios de prova: III. A prova pericial (temos o relatório de autópsia de fls. 472 a 475 que não indica uma causa de morte, que se limita a aderir a tese de sufocação – trazida pela policia judiciaria com base em declarações do arguido que não podem ser valoradas - quando estranhamente de toda a análise feita quer à cabeça, quer ao pescoço da vítima resulta na seguinte conclusão “sem evidência de lesões traumáticas” (cfr. Pág. 4 do relatório).

    2. O que, na opinião da defesa, inquina desde logo a afirmação constante do ponto 37 da matéria de facto dada como provada uma vez que analisado este relatório, a única conclusão que se pode retirar é que não foi determinada a causa da morte e muito menos a data em que a mesma ocorreu.

    3. Ora, desde logo causa estranheza esta contradição no resultado destes dois últimos exames, sendo que o do IPAC foi iniciado a 20 de novembro de 2017 e o da polícia judiciária a 22 de março de 2018, ou seja, bastante depois da ocorrência dos factos.

    4. Pelo que o Tribunal a quo ao referir que na análise do top foi encontrado um perfil de misturas de mais de um individuo, da qual não pode ser excluído ADN de BB e AA, está a “ignorar” o exame realizado pelo IPAC.

    5. Embora, sempre se diga, que o facto de não se poder excluir um perfil, não significa que esse perfil está presente, pois faltando elementos, não é possível identificar a quem efetivamente pertencem tais vestígios.

    6. Apoiou-se também o Tribunal a quo na Prova documental (na qual insere a reconstituição feita pelo arguido), designadamente na análise ao telemóvel do arguido, bem como o extrato de listagens de comunicações do cartão Vodafone do telemóvel da vítima.

    7. Dessa análise resulta não ser verdade que o arguido ligava diariamente à vítima (veja-se a titulo de exemplo que lhe liga dia 4 de julho e depois apenas a 12 de julho e a 18 de julho, ou em outubro que lhe liga nos dias 12, 17 e 21 de outubro); X. Não ser verdade que o arguido apenas mandou um SMS à falecida no dia 5/11/17 (Desde logo no dia 30 de outubro (dia apontado como o da morte da vitima) às 22.13 o arguido enviou a seguinte mensagem: “esqueci-me de te desejar uma boa noite e feliz. LP”); XI. E não ser verdade que a falecida não “tinha mais ninguém” além dos colegas de trabalho e do arguido, pois analisado o seu extrato de comunicações, há vários números (pelo menos outros 6), para além do arguido que lhe ligam e enviam SMS.

    8. Da analise da prova documental resultou o auto de visionamento de imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância do prédio sito na Rua …, nº 369 de fls 316 e seguintes onde efetivamente é visualizado o arguido a passar no passeio, mas em momento algum é o mesmo visto a entrar ou a sair do prédio onde a vitima residia, que era no nº 363 da mesma rua.

    9. Sem que o Tribunal a quo tenha ponderado o facto de resultar das imagens recolhidas que o arguido passou naquela zona mais duas vezes nessa noite.

    10. Se foi o arguido o autor dos factos em que momento é que os praticou? E o que é que aconteceu no entretanto dessas passagens? XV. E porque é que lhe manda uma mensagem nessa noite depois das 22h? XVI. E não é o recorrente que tem de responder a estas questões… é a investigação que tem de demonstrar com a certeza necessária que o recorrente praticou os factos pelos quais vem acusado.

    11. Em especial se considerarmos que o acórdão dá como provado que o arguido depois de matar a vítima trouxe o seu telemóvel e que só no dia a seguir à noite o deitou fora.

    12. A verdade é que nada na envolvência do crime leva a crer que se tratou de um crime premeditado, sendo que os factos acima descritos apenas se coadunam com um crime premeditado e assim temos de concluir que esta atitude do arguido é a prova da sua inocência.

    13. Se tivesse sido praticado pelo arguido no dia 30 de Outubro como é afirmado, o mesmo teria tido tempo e oportunidade de voltar a casa da vítima e retirar todos os objectos que de alguma forma o pudessem ligar ao crime, bem como teria continuado a enviar-lhe mensagens.

    14. Não se esqueça que é o arguido que livremente consente na busca à sua residência, bem como na leitura do seu telemóvel.

    15. Quanto à prova testemunhal, em especial ao depoimento dos três inspetores da PJ, entende o arguido que a mesma não poderia ter sido valorada, porque se baseia, essencialmente nas declarações do arguido ou no “ouvir dizer”.

    16. As afirmações das testemunhas baseiam-se nas declarações do arguido ou nas de uma empregada de limpeza cujo nome se desconhece e que não foi indicada como testemunha! XXIII. Como acima se referiu, as imagens não demonstram que o arguido tenha ido a casa da vítima (nas idas e vindas que constam das imagens), e muito menos que tenha sido a ultima pessoa a vê-la com vida.

    17. A verdade é que nem sequer ficou demonstrado que a vítima estivesse em casa aquela hora! Temos um bilhete de autocarro validado na paragem do local de trabalho, mas como é obvio não sabemos onde a vitima se apeou do autocarro, se foi para casa, se foi passear…..

    18. Até porque não foi determinada o dia e a hora da morte, na autópsia.

    19. E quanto à roupa que a vítima tinha vestida quando foi encontrada morta, é referido pelos inspetores CC e DD que é a mesma com que saiu do trabalho, mas a verdade é que as referidas imagens da confeitaria não constam do processo.

    20. Ou seja, mesmo em relação à roupa que a vítima trajava quando saiu do trabalho, temos apenas a palavra dos inspetores, não existindo qualquer registo de imagens.

    21. Mas a verdade é que se tratava de uma roupa perfeitamente comum, umas leggins e uma camisola preta, pelo que nem sequer foi apurado se seria o tipo de vestuário com que a vítima normalmente trajava.

    22. Uma vez chegados a este ponto, importa referir que, na modesta opinião da defesa, o presente processo foi mal investigado desde o início, concentrando-se todas as diligências probatórias em confirmar que teria sido o arguido o autor dos factos, não se procurando sequer outro/s suspeitos ou outras alternativas para a causa da morte da vítima.

    23. Desde logo, ficou provado que a vítima tinha uma relação de cariz afetivo/sexual com um dos seus patrões – a testemunha EE, sendo que não se apurou sequer se o mesmo tinha a chave do apartamento da vítima.

    24. Ou seja, perante uma afirmação não corroborada por qualquer outro elemento probatório é desde logo considerada a mesma como verdadeira, por encaixar na “história” criada.

    25. Outra questão a que é dado enorme relevo quer no julgamento quer no acórdão, prende-se com a questão do dinheiro alegadamente subtraído à vítima pelo arguido, quase que indicando esse motivo como um dos motivos que teriam levado ao homicídio.

    26. Ora, pareceu esquecer-se que na carteira da vítima foram encontrados 50€, além dos 500€ que estavam numa outra carteira.

    27. Ressalte-se que se acha perfeitamente normal que a vítima que ganhava o salário mínimo pudesse ter amealhado 500€ sem qualquer problema e o arguido que ganhava 700€/800€, mesmo com a penhora teve de “roubar” a vítima para ir fazer compras ao Pingo Doce! XXXV. Também foi ignorado o facto de o arguido ter na sua posse a quantia de 250€, que era um fundo de maneio disponibilizado pelo seu empregador, que se encontrava intacto e foi devolvido ao empregador como resultou da inquirição da testemunha FF.

    28. A verdade é que todo este processo e parte da prova nele constante estão inquinados desde o início, senão vejamos: o arguido é interrogado na qualidade de testemunha a 6/11/2018, conforme depoimento de fls 105 e segs, entre as 22h45 e a 01h15, sendo posteriormente detido a 9/11/2018, e após horas de interrogatório, sem a presença de um defensor, presta as declarações constantes de fls 129 dos autos, cujo auto teve inicio às 21h20 e fim à 22h24, nas quais confessa a autoria do homicídio, XXXVII. Sendo que na sequência dessas declarações, é feita a reconstituição dos factos, constante de fls. 148 e seguintes, com inicio às 23h e fim às 23h50.

    29. Importa, desde logo, ir ao cerne da questão de saber se a reconstituição de facto em si, pode ser valorada, assim como os depoimentos dos órgãos de polícia criminal sobre o que viram e ouviram do arguido na reconstituição do facto, nomeadamente através das declarações do arguido prestadas nesse âmbito, ou seja é admissível a valoração da reconstituição pelo tribunal como meio de prova.

    30. No caso sub judice, o tribunal de primeira instância entende que “só podem ser valoradas as declarações do arguido, indispensáveis à reconstituição do facto. Quaisquer declarações do arguido que constem do auto de reconstituição ou de gravações da reconstituição que não sejam indispensáveis à reconstituição do facto merecem o tratamento das 'conversas informais', ou seja, sem validade probatória.” XL. Não pode, pois, o recorrente rever-se com a posição tomada com o Tribunal a quo, já que entende que a reconstituição de facto, in casu, não é mais do que meras declarações do arguido prestadas perante os órgãos...

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