Acórdão nº 2518/18.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | ROS |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO (…), Lda.
veio propor contra (…) ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe: A. a quantia de € 7 028,55, a título de capital; B. a quantia de € 792,60 a título de juros de mora vencidos, acrescidos de juros de mora vincendos, calculados à taxa comercial até efetivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de empreitada para remodelação de um imóvel, a pedido da ré.
Concluídas as obras, foram emitidas as correspondentes faturas, no valor do capital peticionado, as quais até à data não foram pagas pela ré não obstante as mesmas já se encontrarem vencidas e a autora ter interpelado várias vezes a ré para realizar o cumprimento voluntário das mesmas.
* Regularmente citada, contestou a Ré, alegando, em síntese, que a autora não concluiu as obras objeto do contrato de empreitada nos termos e prazos acordados pois a obra não ficou concluída no prazo convencionado e apresentava defeitos cuja reparação a ré exigiu à autora.
A ré não eliminou os defeitos pelo que a obra não foi concluída e a ré não a recebeu.
A ré informou a autora que só pagaria os valores em débito após a eliminação dos defeitos.
Assim, ao abrigo da exceção de não cumprimento do contrato, considera não ter que efetuar o pagamento das faturas e pugna pela improcedência da ação.
*Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido formulado pela autora.
*A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: I. Como resulta das alegações que se dão aqui por integralmente reproduzidas por economia processual, a recorrente entende que não pode operar a exceção de não cumprimento do contrato no caso sub judice.
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Porquanto, salvo melhor opinião, considera a recorrente que ao abrigo do disposto no art. 1224º, nº 1, do CC, verifica-se a caducidade do direito da recorrida de: exigir a eliminação dos defeitos ou nova construção, nos termos do disposto no art. 1221º, do CC; de exigir a redução do preço e a resolução do contrato, nos termos do disposto no art. 1222º, do CC; e ainda de exigir indemnização nos termos do disposto no art. 1223º, do CC.
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Nessa medida, não se aceita a verificação da exceção de não cumprimento atento a que a recorrente já não se encontra obrigada a cumprir para que se opere a exceção.
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É que a exceção de não cumprimento do contrato tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contratante, consistindo numa recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega, sem que acarrete a extinção do direito de crédito de que é titular o outro contraente.
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Significa dizer que a comprovação da exceção implica, não a absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo, ou seja, a condenação da ré/recorrida a pagar à autora /recorrente a quantia dívida contra simultânea eliminação dos defeitos (existentes e subsistentes) por parte daquela.
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De modo que não se compreende a decisão recorrida, porquanto o tribunal a quo procedeu à absolvição da ré/recorrida do pedido – isto é extinguiu, sem mais, o direito de crédito da autora recorrente.
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Mais! Não se compreende como é que o tribunal a quo dá como facto provado (18) “a correção/execução dos trabalhos elencados em 9. ascende à quantia de € 2 542,83” (valor com o qual não concordamos como se verá adiante) e absolve a ré/recorrida na totalidade do pedido.
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Aliás, quer-nos parecer que ainda que o tribunal a quo tivesse proferido decisão condenando a ré no pagamento dos € 7 028,66 (capital integral) contra a eliminação dos defeitos pela autora, tal consubstanciaria abuso de direito, porquanto não estariam a ser observados o princípio da proporcionalidade e da boa-fé.
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Além do mais, somos da opinião que através de toda a prova acima elencada a recorrente logrou afastar a presunção de culpa no que foi alegado pela recorrida para fundamentar a exceção de não cumprimento do contrato, todavia, tal não foi analisado pelo tribunal a quo.
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Pelo que importa a reanálise.
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Sucede que existiram vários trabalhos a mais solicitados pela recorrida à recorrente, conforme resulta provado através dos autos de medição juntos às faturas peticionadas na p.i., de todos os e-mails juntos pela recorrente em sede de audiência de julgamento (e-mails trocados com o Eng. L. B. com os autos de trabalho a mais e a menos, e-mails trocados entre a recorrente e a recorrida já representada pela nova mesa administrativa, datados de janeiro de 2017).
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Além disso, também não foi realizado aditamento ao contrato de empreitada no que se refere a alargamento do prazo inicialmente acordado, quando se verificaram atrasos imputáveis à recorrida.
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Ficou provado nos autos, através dos e-mails tocados entre a recorrente e o Eng. L. B. e a prova testemunhal acima transcrita, pelo menos, os seguintes atrasos imputáveis à recorrida: falta de licença da obra, para que os veículos da recorrente pudessem entrar e estacionar diretamente no local da obra; atraso e troca de picheleiro contratado diretamente pela recorrida e adjudicação da cozinha.
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Ou seja, pelas contas efetuadas por alto pelas testemunhas, em sede de audiência de discussão e julgamento, e pelo hiato de tempo que se verifica nos e-mails juntos aos autos a insistir com a recorrida para a resolução da questão do seu picheleiro, seguramente falamos de um atraso imputável à recorrida de pelo menos quatro meses.
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Sublinhe-se, período de atrasos da obra imputáveis exclusivamente à recorrida.
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Todavia, a esse período temos de somar o período necessário para efetuar os trabalhos a mais que foram surgindo ao longo do contrato de empreitada.
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Razão pela qual, em respeito pelos princípios da boa-fé e da confiança, salvo melhor opinião, não é permitido à recorrida invocar o não cumprimento do prazo previsto no contrato de empreitada porquanto contribuiu (em grande medida) para o mesmo.
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Omitiu-se ainda o tribunal a quo analisar a questão da fiscalização.
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Isto é, por regra, o dono da obra contrata alguém independente como fiscal da obra, nos termos do disposto no art. 1209º, do CC, para acompanhar o cumprimento do contrato de empreitada.
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Ora, no caso concreto, foi nomeado pelo dono da obra/recorrida o Sr. Arq. D. C., na qualidade de arquiteto encarregado da obra e, ainda, na qualidade de fiscal da obra.
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Portanto, todas as alterações além de autorizadas pelo Eng. L. B., na qualidade de representante do dono da obra/recorrida, todas as alterações aos trabalhos inicialmente previstos foram de contínuo fiscalizadas e aceites pelo fiscal da obra nomeado pela dona da obra/recorrida e em sua representação, o Sr. Arq. D. C..
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Pelo que, novamente, a invocação deste fundamento pela recorrida consubstancia abuso de direito.
Por fim, XXIII. Não concorda a recorrente com matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo nos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 16, 17 e 18.
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Porquanto, na nossa humilde opinião, a mesma não tem correspondência com as provas careadas aos autos.
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As mesmas só podem resultar da errada valoração dos meios de prova pelo julgador, daí solicitarmos a reapreciação das mesmas por tribunal superior.
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Acresce que, salvo o devido respeito que é muito, não cremos que o tribunal a quo tenha valorado devidamente as declarações das partes, nomeadamente, no tocante às confissões.
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Pois, caso o tivesse feito seria impossível que da lista da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida constassem os atuais pontos 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 16, 17.
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Dispõe o art. 466º, do CPC, intitulado de declarações de parte que “o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (sublinhado nosso).
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Acrescenta o nº 1 do art. 465º, do CPC, que “a confissão é irretratável”.
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Ora, os Srs. R. A. e F. R. – são membros (mesários) da Mesa Administrativa da recorrida, isto é, membros dos órgãos sociais da recorrida.
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Motivo pelo qual foi peticionado que as mesmas prestassem as suas declarações na qualidade de parte, nos termos do art. 466º do CPC, o que foi deferido pelo tribunal a quo.
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Todavia, o tribunal a quo não deu como facto provado as suas confissões.
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Razão pela qual, pelos motivos constantes e provas elencadas no capítulo C, que se dá aqui por integralmente reproduzido, se requer a reapreciação da prova identificada por este Tribunal.
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Porquanto, a alteração de determinados factos dados como provados, designadamente os pontos 6, 7, 8, 9, 10, 14 e 17, levam à evidente exclusão da culpa do empreiteiro/recorrente.
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O que tem relevância em sede análise da aplicabilidade da exceção de não cumprimento no caso concreto.
***A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença, dizendo, quanto às conclusões: I. Há um elenco vasto de “conclusões” que são meramente descritivas, não contendo qualquer juízo de valoração.
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O Tribunal a quo, no ponto relativo aos factos provados enumera e concretiza os elementos de prova trazidos aos autos e teve-os por suficientes para concluir que é operante a exceção de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada em crise nestes autos.
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A autora/recorrente sabia que a obra não tinha sido concluída e que enfermava de um conjunto de defeitos que não corrigiu.
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Há efetivo incumprimento do contrato por parte da autora/recorrente.
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Pode a ré/recorrida invocar, em sede de defesa, como invoca, a exceção, por não ser aplicável o regime da caducidade a que se refere o artigo 1124º do Código Civil.
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Não pode a autora/recorrente pretender que o Tribunal decida de modo contrário à prova produzida em sede de julgamento, designadamente, quanto aos documentos, depoimentos e perícia realizada.
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A Douta Sentença não viola qualquer princípio da confiança, boa fé ou proporcionalidade.
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Pelo que os...
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