Acórdão nº 119/17.9GTSTB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFILIPA COSTA LOURENÇO
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório No âmbito do Processo Comum Singular nº119/17.9GTSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo local Criminal do Seixal- juiz 1, contra o arguido AA, devidamente identificado nos presentes autos, foi proferida acusação pelo Ministério Público a fls. 247 até 252, através da qual o mesmo foi acusado da pratica como autor material e sob a forma consumada de um crime de homicídio por negligência p.p. pelos artigos 137º e 69º do Código Penal.

A folhas 294 e 294 v., foi proferido despacho a receber a acusação e a designar dia para julgamento nos termos do artº 311º do C.P.P. , recebendo a acusação pública pela exacta qualificação jurídica ali contida.

No âmbito destes autos, o arguido AA alvo da seguinte decisão emanada de sentença proferida a folhas 321 até 342 (a qual foi rectificada a folhas 345 através de despacho judicial) e seguintes, tendo o mesmo sido condenado a final nos seguintes termos seguintes: - Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas:

  1. Condeno o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 1750,00 (mil, setecentos e cinquenta euros).

  2. Condeno o arguido AA na pena de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 8 (oito) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

    Inconformado com esta decisão proferida pelo Tribunal “ a quo”, o Ministério Público, a folhas 346 e seguintes interpôs o presente recurso, que termina com as seguintes: Conclusões 1. O Recorrente Ministério Público vem interpor Recurso da douta Sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo no dia 18 de Fevereiro de 2018 de fls. 321 a 342 em virtude de discordar da supracitada Sentença que decidiu: “ (...)

  3. Condeno o arguido AA, como autor material de um de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 1750,00 (mil setecentos e cinquenta euros).

  4. Condeno o arguido AA na pena de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 8 (oito) meses, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. (...) 2. O objeto do presente Recurso consiste em demonstrar que a qualificação jurídica dos factos é incorreta – o Arguido/Recorrido AA deveria ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira em vez de ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência simples - e ao mesmo tempo que a medida da pena aplicada é desedificante por reporte à gravidade e à censurabilidade da conduta levada a cabo pelo referido Arguido/Recorrido, ao seu grau de ilicitude, à sua culpa e às consequências humanas que advieram desse sinistro rodoviário que implicou a perda de uma vida humana, ainda jovem, que em nada contribuiu para a ocorrência do supracitado sinistro rodoviário.

    1. A definição legal do conceito de negligência está consagrada no artigo 15º do Código Penal.

    2. A negligência funda-se na suscetibilidade do agente evitar a prática de um certo facto ilícito sob a condição desse facto ilícito poder ser previsto pelo seu Agente, ou seja, na possibilidade do Agente se abster de uma determinada conduta.

    3. A negligência consiste na omissão de um dever de cuidado adequado a evitar a realização de um tipo legal de crime, que se traduz num dever de previsão ou de justa previsão daquela realização e que o Agente, à luz das circunstâncias do caso concreto e das suas capacidades pessoais podia ter observado.

    4. A imputação a título de culpa fundamenta-se na violação voluntária de regras de cuidado impostas por normas legais ou regulamentares destinadas precisamente a prevenir a violação de bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico português.

    5. No caso concreto, o bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico português é a segurança do tráfego rodoviário.

    6. O artigo 146º, alínea h), do Código da Estrada, estatui que o desrespeito das regras e sinais relativos a distâncias entre veículos, cedência de passagem, ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha, início de marcha, posição de marcha, marcha atrás e atravessamento de passagem de nível, quando praticadas numa autoestrada ou via equiparada, consubstanciam uma contra-ordenação muito grave ao Código da Estrada.

    7. O artigo 18º, nº 1, do Código da Estrada, regula que o condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.

    8. Por seu turno, o artigo 24º, nº 1, do Código da Estrada reza que o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veiculo no espaço livre e visível à sua frente.

    9. O condutor do automóvel com a marca Opel, o modelo Corsa, a matrícula …………… e a cor cinzenta, BB sofreu em consequência do supracitado sinistro rodoviário graves lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, raqui medulares, torácicas e abdominais referenciadas no Relatório de Autópsia de fls. 54 a 56 e 67 que direta e necessariamente determinaram a sua morte, conforme deflui do retromencionado Relatório de Autópsia.

    10. O artigo 137º, nº 2, do Código Penal, estatui que em caso de negligência grosseira o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.

    11. Na douta Sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo datada de 18 de Fevereiro de 2019 de fls. 321 a 345 é dito que “ (...) Esta tutela estabelecida pela lei criminal resulta claramente do dever de respeito absoluto pela dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, o qual consiste na defesa intransigente da vida humana e é o primeiro imperativo de qualquer ordem jurídica, quer no plano internacional (artigos 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) quer no plano interno (artigos 24.º, n.º 1 e 16.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa).

      O direito à vida encontra-se, assim, intimamente ligado à defesa da pessoa enquanto tal, o que justifica a forma enfática utilizada pela Constituição da Republica Portuguesa (“... é inviolável ”) e a protecção absoluta que esta lhe confere – vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, pág. 177.

      Ao conferir-lhe uma protecção absoluta, não admitindo qualquer excepção, a Constituição erigiu o direito à vida em direito fundamental qualificado. Ora, conforme esclarecem aqueles Ilustres Professores, o direito à vida significa, primeiro e acima de tudo, o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, sendo expressão desse direito a punição do homicídio (artigos 131.º e ss. do Código Penal). (...) ”.

    12. Em adição, sustenta outrossim que “ (...) Encontrando-se provado que BB sofreu, como resultado directo e necessário da conduta do arguido, as lesões mencionadas no relatório de autópsia e vertidas nos factos provados, as quais foram a causa directa e determinante da sua morte, dúvidas não existem quanto ao preenchimento deste elemento do tipo.

      Ademais, dúvidas não subsistem de que existe um nexo de causalidade entre o resultado morte verificado e que se visa tutelar na norma que incrimina o homicídio por negligência e a actuação do arguido. (...) ”.

    13. A douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo sufraga ainda que “ (...) Era obrigação geral do arguido, em geral como a de qualquer cidadão que actua de modo a poder afectar a vida de outras pessoas e, especialmente, no exercício de uma actividade perigosa, como é a condução, fazê-lo com atenção e cuidado.

      Verifica-se assim a violação do cuidado externo, objectivamente devido, e do cuidado interno subjectivamente possível, sendo que o normal dos cidadãos podia prever, segundo as regras de experiência geral, que assim actuando, daí poderia resultar um acidente, designadamente um embate, como ocorreu e daí poderiam resultar lesões físicas e mesmo a morte para as pessoas que transportava e para outros condutores. (...) ”.

    14. A primeira questão que se coloca é a de saber se a factualidade julgada como provada nos presentes autos, que é incontroversa, consubstancia ou não uma situação de negligência grosseira.

    15. Na opinião do Recorrente, a factualidade julgada procedente por provada nos presentes autos é subsumível ao conceito de negligência grosseira e por conseguinte a pena aplicável ao Arguido/Recorrido AA terá, na mundividência do Recorrente, que ser uma pena de prisão na medida em que o homicídio por negligência grosseiro não comporta, em alternativa à pena de prisão, a pena de multa.

    16. A colisão entre os dois veículos ocorreu em virtude do Arguido/Recorrido AA não ter mantido a distância de segurança que é imposta pelo artigo 18º, nº 1, do Código da Estrada, relativamente ao automóvel conduzido pela vítima BB que o precedia, por um lado, e ao excesso de velocidade que imprimia à viatura que pilotava por reporte à supracitada distância de segurança que não foi por ele observada, ao arrepio do artigo 24º, nº 1, do Código da Estrada, o que provocou que o veículo ligeiro de passageiros com a marca Golf, modelo Volkswagen, a matrícula 86-46--- e a cor prata...

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