Acórdão nº 126/17.1BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I – Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral 109/2017-T que, julgando procedente o pedido de apresentado por Banco S... Portugal, S.A., anulou as 83 liquidações de Imposto Único de Circulação identificadas no seu requerimento inicial, referentes aos períodos de 2010 a 2012 e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o Impugnado da quantia que pagou, no valor de €9.317,28, acrescida de juros indemnizatórios.

No articulado inicial, resumindo a sua pretensão, a Impugnante formulou as seguintes conclusões: «1ª A presente impugnação visa reagir contra a decisão Arbitral proferida a 2017-07-10 pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no âmbito do processo n°109/2017-T que correu termos no CAAD; 2.ª A decisão proferida pelo referido Tribunal Arbitral Singular padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de duas questões essenciais sobre as quais se deveria ter pronunciado [artigo 28°/1-c) do RJAT]; 3.ª Por via do pedido de pronúncia Arbitral visou a Impugnada colocar em crise 100 atos de liquidação de IUC; 4.ª A Impugnante apresentou oportunamente a sua Resposta, mediante articulado no qual, e em síntese: (i) defendeu que o artigo 3° do Código do IUC não contém qualquer presunção ilidível; (ii) colocou em causa o valor probatório dos documentos juntos pela impugnada, tendo salientado que à data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a vários veículos e que a Impugnada não havia dado cumprimento à obrigação declarativa patente no artigo 19° do CIUC; (iii) suscitou a inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3º do Código do IUC; (iv) pugnou pela sua não condenação ao pagamento de juros indemnizatórios e custas Arbitrais face à inércia da impugnada; 5.ª Cada uma destas questões foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado e era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor; 6.ª O Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam ao seguinte: «- A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos atas de liquidação e à ilegalidade dos atas de juras acessórios, face aos anos de 2010, 2011 e 2012, referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados na PI; - A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do imposta único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo, - O valor jurídico do registo dos veiculas automóveis»; 7.ª O Tribunal Arbitral Singular apreciou as questões por si elencadas, as quais correspondem, no essencial, às questões suscitadas pela própria Impugnada; 8.ª Contudo, não só o referido elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular omitiu por completo (i) a questão de saber se à data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a três veículos e (ii) a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do CIUC, ambas suscitadas por banda da Impugnante, como, pior, o discurso fundamentador da decisão Arbitral não lhe reservou uma só palavra; 9.ª As questões a decidir não eram exclusivamente as questões suscitadas pela Impugnada, mas, sim, também as questões suscitadas pela Impugnante, pois de outro modo de nada serve o contraditório corporizado na Resposta oportunamente apresentada; 10.ª Todavia, tudo se processou como se, pura e simplesmente, a Impugnante jamais tivesse suscitado (i) a questão de saber se à data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a três veículos e (ii) a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do CIUC, ou seja, saber se tal interpretação é conforme aos princípios da legalidade e justiça tributárias, da capacidade contributiva, da igualdade e da certeza e segurança jurídicas; 11.ª Ao ignorar estas duas questões fundamentais o Tribunal Arbitral Singular não incorreu em qualquer erro de apreciação da prova, mas, sim, numa inequívoca omissão de pronúncia; 12.ª Nenhuma relação de dependência jurídica existe entre a interpretação da lei em torno do artigo 3,° do CIUC feita pelo Tribunal Arbitral Singular e as inconstitucionalidades suscitadas pela Impugnante que justificasse a omissão em que incorreu aquele areópago, conforme, aliás doutamente, se decidiu no acórdão proferido a 2015-04-23 pela 2ª Secção do 2° Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo n°08224/14; 13.ª A decisão Arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma "decisão surpresa"; 14.ª Acresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão (i.e., a de convencer os seus destinatários) o Tribunal Arbitral Singular coartou irremediável e incompreensivelmente um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Impugnante: o recurso para o Tribunal Constitucional; 15.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a decisão Arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula. Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão Arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.» Admitida a Impugnação e notificado o Banco S... Portugal, S.A, não foi apresentada resposta. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nada disse. Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. II – Objecto da Impugnação das decisões arbitrais Como é sabido, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem encontra-se delimitado pelas conclusões do recurso jurisdicional

Nas situações em que a apreciação pelo Tribunal Central Administrativo tem por objecto decisões dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária (doravante apenas designado por RJAT), e não obstante a opção do legislador pela qualificação do meio processual previsto para provocar essa sindicância como de “Impugnação de Decisão Arbitral”, do que se trata é, do ponto de vista substantivo, de um verdadeiro recurso com um objecto pré-definido e limitado às nulidades das sentença previstas no artigo 28.º do RJAT, à violação dos princípios consagrados no artigo 16.º (para que somos remetidos por aquele mesmo artigo 28.º) ou, excepcionalmente, em casos justificados, com fundamento em outras nulidades processuais cujo reconhecimento se mostra imposto pela unidade e completude do sistema jurídico para que nos remete o artigo 29.º do mesmo diploma legal ou que, pela sua verificação, determinam, subsequentemente, a anulação do processado, incluindo a sentença arbitral que haja sido proferida.

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, não existem dúvidas quanto aos fundamentos da presente Impugnação Judicial se subsumirem aos que legalmente estão previstos, uma vez que, como nos é revelado pela petição, se reconduzem ao vício de omissão de pronúncia de que padecerá a sentença arbitral por, no entender da Impugnante, não terem sido apreciadas duas das questões por si suscitadas no seu articulado, a saber: a questão relativa ao facto gerador do IUC (assente na alegação de que alguns contratos de locação financeira já teriam findado relativamente a vários veículos) e a questão da inconstitucionalidade do artigo 3.º do CIUC na interpretação perfilhada pela Impugnante

São, pois, estas as questões que esgotam o objecto desta Impugnação Judicial e que a este Tribunal Central Administrativo Sul cumpre conhecer. III - Fundamentação de facto 3.1. A decisão arbitral possui, na parte relevante para a apreciação do objecto da presente Impugnação, o seguinte teor: «2 QUESTÕES DECIDENDAS 2.1 Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes: - A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos atos de liquidação e à ilegalidade dos atos de juros acessórios, face aos anos de 2010, 2011 e 2012, referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados na PI; - A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo.

- O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

3 FUNDAMENTOS DE FACTO 3.1 Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos: - A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs; 1 a 76, 77 a 152, constantes das tabelas D e M, do Anexo A, junto aos autos, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; - Considerando-se, também a doutrina e Jurisprudência, apresentada pela mesma, excluindo-se o Requerimento da Requerente, apresentado a este Tribunal, em 2017-07-04, por não se considerar necessário, para a apreciação do mérito da presente causa.

- A Requerida na sua Resposta, assentou a sua defesa em: descrições, legais, doutrinas e jurisprudências, que foram devidamente analisadas. Ressalvando-se, no entanto, os Requerimentos apresentados a este Tribunal, respectivamente, em 22-06-2017 e 07-07-2017, como prova documental, que não foi junto aos autos, por este Tribunal, nos termos, do nº 1 do art. 6º do CPC, ex vi...

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