Acórdão nº 1006/18.9T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | FELIZARDO PAIVA |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I- I...
intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “P...”, pedindo a condenação desta: “a) a pagar à Autora as quantias ainda em divida a titulo de compensação e créditos de formação que ascendem a €10.480,22 (dez mil e quatrocentos e oitenta euros e vinte e dois cêntimos); b) a pagar à Autora as restantes diferenças salariais laborais cujas quantias foram supra calculadas e que totalizam o valor global ilíquido de €33.731,67 (trinta e três mil e setecentos e trinta e um euros e sessenta e sete cêntimos); c) a pagar à Autora juros de mora vencidos até 24/08/2018 à taxa legal de 4%, no montante global de €4.885,49 (quatro mil e oitocentos e oitenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos) c) e juros vincendos, à taxa legal, sobre as quantias referidas nas al.s a) e b) deste pedido até efectivo e integral pagamento.” Para tanto, alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi admitida, a 17.10.2005, como docente/professora do estabelecimento de ensino “Colégio de ...”, propriedade da Ré e explorado pela mesma até 31.08.2017, data da cessação do contrato de trabalho da Autora por despedimento colectivo.
Enquanto professora licenciada e profissionalizada, tinha direito a auferir a sua retribuição de acordo com a tabela salarial correspondente à categoria A do anexo V do CCT aplicável ao caso.
Porém, no ano lectivo 2006/2007, entre Setembro de 2006 e Agosto de 2007, no ano lectivo de 2007/2008, no ano lectivo de 2013/2014, entre Setembro de 2013 a Agosto 2014, no ano lectivo de 2015/2016, entre Setembro de 2015 a Agosto 2016, e no ano lectivo de 2016/2017, entre Setembro de 2016 e Agosto de 2017, a Ré determinou unilateralmente reduzir o horário lectivo e o vencimento da Autora, violando os artigos 154º, 155º e 129º, al. d) do Código do Trabalho e 11º, nºs 3 a 5 do CCT aplicável, o que lhe confere o direito de ser ressarcida das diferenças remuneratórias e às diferenças salariais retroactivas.
No ano lectivo de 2014/2015 à Autora foram distribuídas 21 horas lectivas semanais, mas a mesma acabou por estar ausente todo o ano lectivo, ou seja desde Setembro a inícios de Dezembro de 2014 por gravidez de risco e após por gozo de licença de maternidade até Agosto de 2015.
Assim é que, no seu entender, e atento o facto de a Autora ter tido um filho sem estar casada, o que originou fortes pressões junto da mesma, a Ré procedeu à redução da carga horária da mesma no ano lectivo de 2015/2016 e no ano lectivo de 2016/2017, para 7 horas lectivas.
Ademais, a Ré não facultou à Autora a formação certificada nos últimos 5 anos, pelo que, atendendo à remuneração mínima a que a Autora tinha direito de €1.481,82, aquando da cessação do contrato a Ré devia ter pago à Autora quantia superior à que foi paga.
Acresce que, também a quantia paga a título da compensação prevista no artigo 366º do CT, devida à Autora pelo despedimento colectivo teve por base de cálculo a remuneração mensal de €471,49 que ilegalmente andava a ser paga à Autora.
Tendo em conta a remuneração base mensal mínima a que a Autora tinha direito (€1.481,82) a compensação que devia ter sido paga à Autora nos termos do artigo 366º do Código do Trabalho era de €13.661,56, mas apenas lhe foi pago € 4.346,88.
Também por considerar uma remuneração inferior a que lhe era legalmente devida, a Ré pagou a título de proporcionais do subsídio de Natal, a título de proporcionais da remuneração de férias a título de subsídio de férias, quantias inferiores às devidas.
Por força do despedimento colectivo, o montante total da compensação pelo despedimento, crédito de horas de formação e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no montante total de €44.211,89 devia ter sido colocado à disposição da Autora, senão antes, aquando da cessação do contrato em 31/08/2017, o que a Ré não fez, tendo-lhe pago apenas o valor total de 6.148,41€, com base na remuneração mensal de 471,49€ que, ilegalmente, lhe vinha sendo pago a título de remuneração.
+ Na audiência de partes não se logrou obter a composição amigável do litígio, pelo que foi ré notificada para contestar, o que fez, alegando também em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que procedeu, em 31.08.2017, ao despedimento colectivo de todos os 33 trabalhadores do seu referido estabelecimento de ensino e cessou definitivamente a respectiva actividade em 02.10.2017.
A Autora foi admitida, verbalmente (como era prática normal), ao serviço da Ré para substituir uma colega e para leccionar nas chamadas “horas disponíveis”, “horas sobrantes” e “horas excessivas” de outros colegas, nomeadamente outra colega efectiva.
Assim é que a Autora nunca teve horário de 35 horas; com efeito, o seu horário era, sempre foi, desde a sua admissão condicionado à existência daquelas horas disponíveis, termos e condições contratuais do conhecimento da Autora que sempre aceitou e que nunca pôs em causa ou questionou fosse de que modo fosse até 31 de Agosto de 2017.
No período compreendido entre 2007 e 2017, com particular expressão a partir de 2013, o decréscimo do número de alunos que frequentava o estabelecimento de ensino da Ré foi constante, com a consequente e inevitável redução de turmas, razão pela qual foram sendo reduzidas horas lectivas a alguns professores. Assim é que a Ré desenvolveu todos os esforços para não proceder ao despedimento individual dos seus professores/trabalhadores, tendo assegurado até ao limite a manutenção dos respectivos postos de trabalho, através de acordos que foi estabelecendo com os seus professores relativamente a horários e respectivas remunerações, pese embora os prejuízos que foi acumulando ano após ano. Com a Autora, como com todos os outros professores, sempre foi possível chegar a acordo sobre as horas disponíveis em cada ano lectivo e respectivas remunerações, tanto mais que a Autora sabia que tinha sido admitida para, ab initio, leccionar horas disponíveis.
Concluiu a Ré pela improcedência total da acção, por nada ser devido à Autora.
+ Em resposta à matéria de excepção invocada pela Ré, a Autora negou que tivesse sido admitida ao serviço da primeira para substituir uma sua colega e para leccionar as chamadas “horas disponíveis”, “horas sobrantes” e “horas excessivas” de outros colegas.
Acrescentou que, tanto quanto sabe, a professora que foi substituir era uma professora do quadro. Impugnou o constante do seu Registo Biográfico, na parte onde se diz “Docente p/ horas disponíveis”, menção que, há anos atrás, quando viu aquele documento não se encontrava ali aposta, desconhecendo quem ali colocou tal afirmação e qual a intenção II – Foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedentes as invocadas excepções.
Dispensou-se a selecção da matéria de facto, foi definido o objecto do litígio e, enunciados os temas de prova, no normal prosseguimento dos autos veio, a final, a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta: “Face ao exposto, julgando a acção intentada por I... contra a P... totalmente improcedente, decide-se absolver a Ré de todos os pedidos”.
III – Inconformada veio a autora apelar, rematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva: ...
Contra alegou a recorrida, concluindo pela confirmação do julgado: Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da procedência da apelação por entender que as alegações da apelante se afiguraram “factualmente alicerçadas e juridicamente certas representando as conclusões recursivas corolário lógico relativamente à matéria julgada”.
IV – Factos provados: Da petição inicial: ...
Factos não provados: ...
V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem enunciar-se do seguinte modo: 1. Se a matéria de facto deve ser alterada.
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Se são devidas à autora as diferenças salariais e bem assim as resultantes da cessação contratual por si reclamadas.
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Da alteração da matéria de facto: Nada obsta do ponto de vista processual à reapreciação da matéria de facto por esta Relação, dado a recorrente ter observado os ónus a que alude o artº 640º do CPC.
Pretende a recorrente que a matéria de facto seja alterada da seguinte forma: ...
Depois desta síntese[1] relativa à matéria impugnada cumpre apreciar e decidir se há lugar às alterações pedidas pela recorrente.
A recorrente fundamenta a alteração que preconiza na regra probatória que proíbe que se produza prova testemunhal quando a validade ou a prova do facto esteja sujeito à forma escrita devendo constar de documento e na errada apreciação/valoração da prova testemunhal e documental produzida.
No que à proibição de produção de prova testemunhal respeita, a recorrente alega que a ré estruturou a sua defesa invocando a existência de um contrato de trabalho a tempo parcial na medida em que alegou que o contrato havia sido celebrado “para leccionar nas chamadas pela Ré "horas disponíveis" de outros colegas, nomeadamente a colega C...” (alínea LL), o que não pode ser dado dado como provado por a recorrida não poder fazer prova desse facto através de testemunhas.
Assim, toda factualidade alegada pela ré tendente a demonstrar a existência de um contrato de trabalho a tempo parcial deve por esta Relação ser considerada como não provada.
Ora, a configurar-se o contrato de trabalho como contrato a tempo parcial em virtude de ter sido celebrado para “horas disponíveis” e estando este sujeito à forma escrita (alínea g) do nº1 do artº 103º do CT/03[2]), o que constitui uma formalidade ad substantiam (Ac. da RP de 06/06/2016 procº 424/13.3TTVFR.P1 (Maria José Costa Pinto[3]) in www.dgsi.pt), a sua prova não pode ser feita por testemunhas por a isso obstar o disposto nos artigos 364.º e 393.º, n.º 1, do CC.
Todavia, no nosso entender, a matéria da alínea LL) não pode ser interpretada como se as partes tivessem...
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