Acórdão nº 587/12.5TBCBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | MARGARIDA FERNANDES |
Data da Resolução | 19 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório M. T.
instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra A. C.
e mulher, M. C., pedindo que as liberalidades – doação a estes das fracções designadas pelas letras “O” e “P”, dinheiro, doação a uma sociedade destes de um estabelecimento comercial- sejam reduzidas pela forma estabelecida no art. 2174º do C.C. em tanto quanto for necessário para que a sua legítima seja preenchida.
Alega, em síntese, que é filha de J. F., falecido em -/-/2008. O falecido outorgou procuração a favor dos réus conferindo-lhes poderes para, nas condições que entendessem, doarem a eles próprios, para entrarem na comunhão do seu casal, as fracções autónomas designadas pelas letras “O” e “P” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na C.R.P. de X sob o nº 410 – .... No exercício desses poderes, por escritura pública outorgada no dia 28/08/2008, no C.N. de X, o réu marido doou os imóveis em causa a si próprio, para entrar na comunhão do seu casal, valendo estes, à data, respectivamente, € 50.000,00 e € 70.000,00.
O seu progenitor faleceu intestado, no estado de solteiro, sem ascendentes vivos, tendo-lhe sucedido a autora como única e universal herdeira.
Em vida J. F. havia doado aos réus todo o dinheiro que tinha depositado nas contas bancárias, abertas em seu nome no balcão de X do Banco ... nº 3666670 e ..., em montante superior a € 100.000,00, bem como doara a uma sociedade constituída pelos réus o estabelecimento de talho instalado no R/C do prédio urbano sito na Praça …, X, inscrito na matriz respectiva da freguesia de ... sob o art. 612º, que lhe pertencia e onde, no início deste milénio, fez vultuosas obras de beneficiação ao abrigo do programa PROCOM, que o valorizaram em mais de € 150.000,00.
Conclui que, à data do óbito, o património valia, pelo menos, € 370.000,00 correspondendo a sua legítima a metade.
*Os réus contestaram dizendo que a inoficiosidade terá que ser realizada com os valores dos bens doados á data do óbito e não da doação. Negaram o valor atribuído pela autora às fracções, bem como a doação do dinheiro e do estabelecimento comercial de talho, o qual pertence à sociedade “Talho Central de X, Lda.”. Referem que o falecido não realizou no imóvel obras de beneficiação.
*Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e controvertidos com elaboração de base instrutória, sem reclamações.
* Em sede de audiência final a autora apresentou articulado superveniente alegando que, em vida do pai, teve fugazes encontros com o mesmo devido a preocupação deste em esconder a paternidade pelo que não lhe conhecia o património. Quando procedeu a buscas, realizou-as na Conservatória do Registo Predial e nos Serviços de Finanças, apenas tendo conhecimento dos imóveis mencionados na petição inicial. Em Março de 2015, de forma acidental, tomou conhecimento que, em 27/06/2008, o progenitor fizera uma doação aos réus do prédio rústico denominado “Tapada ...
”, sito no lugar de ...
, freguesia de ...
, inscrito na matriz sob o art. 434º, descrito na C.R.Predial de X com o nº 357 e da fracção designada pela letra “D”, correspondente no R/C esquerdo do Bloco B do prédio descrito na mesma C.R.Predial sob o nº 1490-...
. Apesar da atribuição do valor de € 500,00 e € 60.000,00 respectivamente entende que o prédio rústico, pelos bons acessos, excelente localização e benfeitorias, designadamente a ampla construção de rés-do-chão, valia, pelo menos, € 20.000,00 e a fracção, integrada em prédio recente, central com activa componente comercial valia, pelo menos, € 85.000,00 sendo metade desses valores a sua legítima.
O articulado superveniente foi liminarmente admitido.
Os réus contestaram contrapondo que o recibo do Cartório está datado de Janeiro de 2015 e que as doações foram apenas uma questão formal, pois o falecido quis realizá-las aos sobrinhos, que com ele conviveram e coabitaram, filhos da irmã Ermelinda Fernandes e que, por isso, em 18/03/2009, a fracção designada pela letra “P” foi doada ao seu irmão J. M.. Negam que os imóveis tenham o valor indicado pela autora, acrescentado que o prédio rústico é terreno inculto, não apto para construção, sem acesso à via pública, apenas possuindo uma construção em blocos de cimento e uma placa em cimento, por si realizada para arrecadação e usada como depósito de lenhas.
*Após realização de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra: “Em face do exposto, o Tribunal, julgando a ação parcialmente provada e procedente: a) decreta a redução, por inoficiosidade, das doações identificadas no ponto 3) da fundamentação de facto; b) determina que o preenchimento da legítima da Autora M. T., no valor de € 49.944,75, seja realizada através da fração “O”, que fica a pertencer-lhe, e pelo pagamento pelos Réus do montante de € 432,25; c) condena os Réus na entrega da fração e do montante identificados em b).
Custas a cargo da Autora e dos Réus, na proporção 8/10 e 2/10, respetivamente.
Registe e notifique.”*Não se conformando com esta sentença veio a autora dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I. De acordo com a motivação vertida supra em 1º, impõe-se a alteração das respostas à matéria de facto, devendo dar-se como provado o ponto 4 da base instrutória, embora com diferente redacção: o falecido J. F. doou aos réus o estabelecimento de talho instalado no prédio urbano sito na Praça ..., nesta vila, inscrito na matriz respectiva de ... sob o art. 612 (da coeva matriz), que lhe pertencia e que valia 42.000,00€.
-
Nesta parte, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. 342º e 344º, nº 2 e do C.C., conforme supra melhor exposto.
-
Também como consta da motivação, em 2º, parece evidente e manifesto que o Tribunal se equivocou ao calcular o valor da totalidade dos bens (excluído o talho) doados aos réus, em 91.889,50€.
-
De facto, alterada a matéria de facto no sentido vindo de indicar, ou seja, incluído o talho, o valor dos bens doados ascenderá a 200.939,50€ e a legítima da recorrente a 100.196,75€.
-
Quando assim se não entenda, como está demonstrado, o conjunto destes bens ascende a 158.939,50€, pelo que a legítima da recorrente é de 79.469,75€. Nesta hipótese, o Tribunal incorreu em erro de cálculo que deverá ser rectificado nos termos do art. 614º, nº 1, do CPC, sendo que, esta rectificação deve ocorrer com precedência à subida do presente recurso ex vi nº 2 do mesmo preceito.
-
Por fim, o preenchimento da legítima da interessada, deve processar-se de acordo com o critério que o Tribunal de 1ª instância seguiu, pelo que: a. Para a legítima 100.196,75€, com o talho a entrar como doado, devem os réus e recorridos ser condenados a entregar à recorrente ambas as fracções “O” e “P” (no valor global de 68.887,50€) da última das doações, continuando a redução pela entrega da “Tapada ...” (no valor de 15.552,00€), devendo ainda os recorridos pagar-lhe, em dinheiro, o diferencial de 15.757,25€.
-
Quando assim se não entenda e se desconsidere a pretendida doação do talho, visto que o montante da legítima da recorrente é de 79.469,75€, deverá esta ser preenchida pela entrega à recorrente das mesmas fracções “O” e “P” (no valor global de 68.887,50€) e o remanescente, ou seja, 10.582,25€...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO