Acórdão nº 486/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 486/2019

Processo n.º 501/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, “LTC”), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 07 de dezembro de 2018, que confirmou a decisão do Juízo Local Cível de Paços de Ferreira – Comarca do Porto Este, de 07 de julho de 2017, decisão esta que, por sua vez, julgou improcedente, por não provado, o pedido de remoção do cabeça de casal, nomeado no âmbito dos autos de inventário que aí correm termos.

2. Através da Decisão Sumária n.º 444/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

3. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo». Suscitação que, conforme decorre do n.º 2 do artigo 72.º do referido diploma legal, carece de ser feita «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».

Apesar de o recorrente não explicitar a «interpretação normativa sufragada pela Mma. Juiz, relativamente ao princípio do dispositivo do art. 5º do CPC» cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não se justifica, contudo, formular um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, em ordem a possibilitar o suprimento de tal omissão. E isto porque, conforme dos autos resulta, não foi previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade normativa, única suscetível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.

4. Para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso, exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, o ónus estabelecido no n.º 2 do artigo 72.º da LTC tem uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação, perante o tribunal a quo, do objeto do recurso. Quando esteja em causa a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade pressupõe que «esse sentido (dimensão normativa)» seja «enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição» (cf. Acórdão n.º 367/94).

Ora, tal ónus não se mostra observado no presente caso.

Com efeito, tanto no corpo da alegação como nas conclusões que acompanharam o recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação do Porto ¾ que delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem —, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, recondutível ao artigo 5.º do Código de Processo Civil.

Conforme da referida peça resulta, o recorrente quedou-se ali pela invocação de que «a interpretação sufragada pela Mma Juiz, relativamente ao principio do dispositivo do art. 5º do CPC, não só abala a própria natureza do sistema de direito processual civil, permitindo que a comunidade jurídica, em vez coligir factos para apreciação em julgamento reúna conclusões e dispense os tribunais do seu juízo de avaliação decisória (…)»; «[s]endo que tal interpretação normativa, violou o disposto no art. 203º dado que, apesar de os tribunais serem independentes, estão sujeitos à lei, bem como colidiu ainda com o estabelecido na última parte do nº 4 do art. 20º e nº 1 do art. 202º todos da CRP (…)»; «[d]este modo, a norma do art. 5º do CC, na interpretação normativa atribuída pela Mma. Juiz ao caso dos autos, deve ser objeto de inconformidade constitucional por ofensa ao estabelecido nos preceitos constitucionais acima observados (…)» (Conclusões 19ª, 20ª e 21ª). Argumentos dos quais extraiu a necessidade de «interpretar os termos do art. 5º do CPC conforme a Constituição, isto é, com a dimensão normativa que tenha implícita a possibilidade de, atento ao princípio do dispositivo, não ser exigido à contraparte a prova de que a cabeça de casal no inventário não suscitou a habilitação de herdeiros por negligencia ou dolo, mas apenas demonstrar a forma como esta soube do falecimento do interessado nas partilhas e bastando esta conhecer esse facto para ter o dever o comunicar ao Tribunal» (Conclusão 23ª).

Do exposto resulta que o recorrente, ao invés de identificar a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver reconhecida, pugnou pelo acolhimento da interpretação do artigo 5.º do Código de Processo Civil considerada não só aplicável ao caso sub judice, de acordo com as particulares incidências, como, também, conforme à Constituição.

Sucede, todavia, que, conforme tem este Tribunal não raras vezes sublinhado, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica, no plano formal, a enunciação positiva e expressa da dimensão normativa pretendida sindicar, não se bastando com a mera afirmação, perante o tribunal recorrido, de que «a interpretação normativa atribuída pela Mma. Juiz ao caso dos autos» é inconstitucional, ainda que acompanhada da especificação da interpretação que em alternativa se preconiza para assim se excluir a legitimidade constitucional de todas as demais.

Não tendo sido identificado perante o Tribunal recorrido qualquer enunciado normativo suscetível de vir a constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, este não pode ser admitido por insuprível inobservância do ónus imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC.

Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admite o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

«a-QUESTÃO PRÉVIA

l -Sem embargo de erro da nossa parte, importa dizer que o recorrente é efetivamente A., e a recorrida apenas B., e não mais qualquer outro dos herdeiros, tanto assim que nenhum deles apresentou contra-alegações ou sequer têm mandatário constituído nos autos. Daí, não se compreender a designação de recorridos referida aos outros interessados, devendo, a nosso ver, o lapso ser corrigido.

2-Posto que, devolvida aos autos a questão de mérito, constata-se que a douta decisão sumária imputa ao impetrante o facto deste não haver suscitado de forma processualmente adequada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do preceito aplicável ao caso dos autos, referindo para tanto o seguinte:

"Quando esteja em causa a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade pressupõe que «esse sentido (dimensão normativa)» seja «enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta como, em geral,-o operadores-do direito- ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado. por. desse modo, afrontar a Constituição» (cf. Acórdão n.º 367/94).

Ora, tal ónus não se mostra observado no presente caso".

2-E a seguir, a Exma. Senhora Relatora adiantou ainda o que à frente se observa:

"Com efeito, tanto no corpo da alegação como nas conclusões que acompanharam o recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação do Porto -que delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem , o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa recondutível ao artigo 5º do Código de Processo Civil.

Conforme da referida peça resulta. o recorrente quedou-se ali pela invocação de que era interpretação sufragada pela Mma Juiz relativamente ao princípio do dispositivo do art. 5° do CPC, não só abala a própria natureza do sistema de direito processual civil, permitindo que a comunidade jurídica, em vez coligir factos para apreciação em julgamento reúna conclusões e dispense os tribunais do seu juízo de avaliação decisória (…)»; «[s]endo que tal interpretação normativa. violou o disposto no artº.203º dado que, apesar de os tribunais serem independentes, estão sujeitos à lei, bem como colidiu ainda com o estabelecido na última parte do nº 4 do art. 20· e nº 1 do art.20º todos da CRP (…)»; «[d]este modo. a norma do art. 5° do CC, na interpretação normativa atribuída pela Mma. Juiz ao caso dos autos, deve ser objeto de inconformidade constitucional por ofensa ao estabelecido nos preceitos constitucionais acima observados (...)»

(Conclusões 19\20.º e 21 a). Argumentos dos quais extraiu a necessidade de «interpretar os termos do art. 5º do CPC conforme a Constituição, isto é, com a dimensão normativa que tenha implícita a possibilidade de, atento ao princípio do dispositivo, não ser exigido à contraparte a prova de que...

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