Acórdão nº 3245/06.6TBAMD.L2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, CC e DD, alegando, em síntese, que: O seu pai, EE, que era farmacêutico, faleceu em 1975.

Da sua herança, fazia parte a farmácia da …, que nunca foi objecto de partilha e que não podia ser titulada pelos herdeiros, que não eram farmacêuticos.

Os herdeiros (o autor, o seu irmão FF e a falecida mãe destes, GG), porque pretendiam assegurar, em termos de facto, a propriedade da farmácia e assegurar que a propriedade formal seria deferida a alguém que fosse titular de licenciatura em farmácia, celebraram com a ré BB, no dia 16-04-1986, um contrato de trespasse e um contrato de conta em participação.

O preço do trespasse foi pago com dinheiro fornecido pelos herdeiros de EE, tendo sido acordado que os lucros da farmácia seriam divididos, à razão de 98% para os primeiros outorgantes e de 2% para a ré BB, que receberia o montante mensal de Esc. 15.000$00 a título de remuneração de gerência ou direção técnica da farmácia.

Esta ré assumiu a obrigação de trespassar a farmácia a quem os herdeiros de EE indicassem, pelo mesmo preço, considerado já pago, e de não dispor da farmácia por qualquer outra forma.

No ano de 1989, o herdeiro FF, conluiado com a herdeira GG, indicou à ré BB que devia trespassar a farmácia à ré CC.

Esse trespasse foi formalizado por escritura de 19-01-1989 sem o conhecimento ou consentimento do autor.

Os referidos herdeiros celebraram com a ré CC um contrato de conta em participação semelhante ao celebrado com a ré BB, mas sem a participação do autor.

O preço do trespasse não foi pago e o trespasse foi efectuado com a intenção de fazer consolidar a titularidade da farmácia na pessoa da filha do FF, a ré DD, à data estudante de farmácia, a quem a ré CC veio a trespassar a farmácia por contrato formalizado no dia 15 de Novembro de 2001.

A ré DD também nada pagou por este trespasse.

Este conjunto de negócios configura um negócio indirecto, cujo único móbil consistiu em defraudar a "Lei da Propriedade da Farmácia", sendo, por isso, nulo; ou, se assim não se entender, tais negócios são nulos por simulação, sendo igualmente nulos os contratos de conta em participação.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir que se declare a nulidade dos aludidos contratos de trespasse da farmácia, juntos com a petição inicial, como documentos nºs 3, 6 e 7.

As rés apresentaram contestações autónomas a contrapor diferente versão.

A ré BB além de arguir a ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário passivo, por desacompanhada do herdeiro FF, cuja intervenção provocou, referiu que foi proprietária e diretora técnica da farmácia entre 1986 e 1989, trespassando-a, com o consentimento dos intervenientes no anterior trespasse, incluindo o autor, por não possuir as habilitações técnicas – opção de “Ramo de Farmácias de Oficina e Hospital”, então necessárias para o exercício da direção técnica da farmácia.

Sustentou ainda que não existiu negócio indireto nem simulação e que o autor procede em abuso do direito, pedindo, em reconvenção, que o mesmo fosse condenado em indemnização no montante não inferior a € 14.963,95, além de multa e indemnização por litigância de má-fé.

Por sua vez, a ré CC alegou ter pago o preço de três milhões de escudos pelo trespasse da farmácia e ter recebido o preço de trinta milhões de escudos, quando a trespassou à ré DD, concluindo pela inexistência de negócio indireto, simulado ou celebrado em fraude à lei e, por isso, pugnando pela condenação do autor em multa e indemnização por litigância de má-fé.

Por seu turno, a ré DD alegou ter pago o preço de trinta milhões de escudos, quando adquiriu por trespasse a farmácia, e que não existiu negócio indireto, simulado ou celebrado em fraude à lei.

O Autor replicou, mantendo a sua posição, questionando que tivesse sido efectuado o pagamento do preço de trinta milhões de escudos, respeitante ao trepasse da farmácia para a ré DD, e requerendo que fosse junta aos autos cópia do cheque comprovativo do alegado pagamento e de extrato da conta bancária da ré CC, onde constasse a entrada do respetivo valor.

Foi admitida a requerida intervenção de FF que interveio, alegando, em síntese, que os contratos de trespasse e de conta em participação não visaram assegurar a propriedade da farmácia por parte dos herdeiros e que não existiu simulação.

No decurso da audiência preliminar, o autor requereu a intervenção principal de HH e II, que intervieram associando-se respectivamente e fazendo seus os articulados das rés BB e CC.

Foi elaborado saneador tabelar seguido de condensação da matéria de facto, com selecção da já assente e organização da base instrutória.

No seguimento, as rés juntaram, para além do mais, cópia certificada de um cheque do montante de Esc. 30.000.000$00, datado de 07-11-2001, emitido por DD à ordem de CC.

No início do julgamento o autor, suscitando dúvidas sobre o efetivo pagamento desse cheque, veio requerer que as rés DD e CC fossem notificadas para juntar os extratos das respetivas contas bancárias que refletissem a efetivação desse pagamento.

Notificadas, as rés opuseram que o pagamento do montante inscrito no cheque em causa resultava do próprio cheque, não sendo necessários os extratos bancários para o confirmar. Para além de que já tinha decorrido o prazo de impugnação daquele documento.

O autor insistiu na essencialidade da requerida diligência de prova.

Foi proferido despacho onde se fez notar que nada impedia as rés DD e CC, munidas de boa-fé processual, de juntar aos autos extratos bancários que incluíssem a movimentação do cheque dos autos e que, estando essa informação coberta por sigilo bancário, não se mostrava indispensável pedir esses extratos, tendo sido apenas pedida informação ao Banco sobre o significado da inscrição mecanográfica aposta no verso do cheque.

Notificado dessa resposta de fls. 491, que não esclarecia se o cheque tinha sido pago, o autor requereu que a entidade bancária fosse chamada a esclarecer esse facto, designadamente facultando extrato bancário da conta em questão, abrangendo o período de 01-11-2001 a 31-12-2001.

Na sessão subsequente do julgamento os réus requereram a junção de cinco documentos, sendo um deles o que consta de fls. fls. 544, impresso em papel timbrado da Caixa JJ de …, onde é declarado que «de acordo com a consulta efetuada, o cheque n.º 6…70 foi pago pelos nossos serviços ao balcão, à ordem de quem foi emitido, D. CC, conforme expressamente consta do cheque por V. Exªas identificado.» Notificado, o autor não se opôs à junção do documento, mas não prescindiu do prazo para exercer o contraditório.

De seguida foi proferido despacho onde, tendo em conta a referida informação, se considerou que não era necessário solicitar mais esclarecimentos à Caixa JJ, relativos à questão que o autor havia colocado no seu requerimento de 17-03-2010, de saber “se o dito cheque havia sido lançado de novo na conta de ré Dulce, conforme resultaria da análise do verso do mesmo”.

Pronunciando-se sobre esse documento, o autor impugnou as assinaturas nele apostas, ilegíveis e não identificadas, e também o respetivo conteúdo, considerando inverosímil a efetivação do pagamento da quantia de Esc. 30.000.000$00 em numerário.

E, inconformado, agravou do assim decidido, recurso que foi admitido com subida diferida.

O julgamento findou com a decisão sobre matéria de facto que consta de fls. 745 a 757, seguido de sentença que, na improcedência da acção e da reconvenção, absolveu as rés e os intervenientes do pedido inicial e o autor do reconvencional.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, com ele subindo o agravo retido.

Habilitados os sucessores do interveniente FF, entretanto falecido, a Relação de Lisboa proferiu acórdão a «dar provimento ao agravo, revogando o despacho agravado e anulando a decisão sobre matéria de facto em relação aos factos impugnados no recurso de apelação e a sentença, determinando ainda que fosse obtida informação sobre o efetivo pagamento do cheque documentado a fls. 323, repetindo-se, depois, o julgamento e termos subsequentes.» No seguimento foi diligenciado no sentido de verificar se o questionado cheque tinha sido efetivamente pago, o que mereceu a oposição dos réus que impugnaram o despacho que se limitou a determinar a prestação de informações complementares, recurso esse julgado improcedente.

Concluído o julgamento, foi proferida sentença que, na procedência da acção e improcedência da reconvenção, declarou a nulidade dos três contratos de trespasse e absolveu o autor do pedido reconvencional, afastando a litigância de má-fé e o abuso de direito.

Discordando do decidido, as rés trespassárias e os intervenientes seus cônjuges apelaram, tendo rematado a sua alegação por extensas conclusões, onde se identificaram, para apreciação, as seguintes questões: I - A decisão recorrida é nula, por não ter fundamentado as respostas de que resultaram os pontos de facto enunciados sob os n.ºs 34 a 39.

II – A decisão é ainda nula por existir uma clara contradição entre a matéria de facto dada como provada no ponto 19, por um lado, e a constante nos pontos 29, 30, 31 e 44 (esta última com força de caso julgado), por outro lado, sendo tal fundamentação manifestamente contraditória, o que torna a decisão ambígua e obscura quanto a esta matéria, violando expressamente o disposto no artigo 615º nº 1, alínea c).

III - A prova do acordo simulatório não podia ser feita por testemunhas, nem por presunção judicial.

IV - Deverá ser alterada a decisão sobre matéria de facto, julgando-se não provados os factos descritos nos pontos 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 32, 33, e 40 dos factos provados, e julgando-se provados os factos descritos nos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados.

V - A matéria de facto provada não permite julgar verificados os requisitos da simulação.

A Relação de Lisboa proferiu o acórdão de folhas 1573 a 1594 que, na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT