Acórdão nº 22392/16.0T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA e BB intentaram a presente acção, com processo comum, contra CC, S.A., pedindo a condenação desta a pagar €105.000,00 ao Autor e €50.000,00 à Autora, quantias estas acrescidas de juros de mora, calculados ao dobro da taxa legal, desde os prazos de 15 dias após as altas clínicas que a Ré possuía para efectuar a proposta razoável e até integral pagamento.

A fundamentar aqueles pedidos, alegam que, no dia 9 de Dezembro de 2015, pelas 18,52h, na Via de Cintura Interna, freguesia de …, Porto, ocorreu um acidente, no qual interveio o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ...CDR, pertencente ao autor, e por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-MU, conduzido pela sua proprietária, DD, imputando o mesmo acidente à culpa efectiva e exclusiva desta.

Em consequência do acidente, o Autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

A responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo ...-...-MU encontrava-se transferida para a Ré/CC, S.A..

Regularmente citada, contestou a Ré, articulando, com utilidade, que o acidente ocorreu pela forma indicada na petição inicial, porém, considera exageradas as verbas indemnizatórias reclamadas pelos Autores.

Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: “

  1. Condenada a ré a pagar ao autor a quantia de €75.000,00 (€70.000,00+€5.000,00) como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos; b) Condenada a ré a pagar à autora a quantia de €2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; As referidas quantias são acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4% incidentes: 1. Sobre a quantia de €70.000,00 fixada a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade funcional permanente de que ficou a padecer o autor, desde a data da citação até integral pagamento; 2. Sobre as quantias de €5.000,00 e €2.500,00 atribuídas a título de danos não patrimoniais, desde a data da sentença até integral pagamento.

Condenada a ré, ainda, a pagar ao autor todas as quantias que o mesmo venha a despender em consequência de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e acompanhamento médico regular, e a liquidar em execução de sentença.” Na audiência final de 2 de Julho de 2018, o Autor/AA requereu a ampliação do pedido, tendo-se consignado em acta: “Com resulta do relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal foi apurado que o Autor/AA , em consequência direta do acidente de viação em causa nos autos, irá ficar permanentemente dependente das seguintes ajudas: 1 – Ajuda medicamentosa 2 – Tratamento médico regular, tudo conforme o relatório de fls. 120.

Como referido, tais danos são consequência direta do traumatismo do evento do autor. Assim quer que V.Exª se digne admitir a ampliação do pedido primitivo, nos termos do disposto no art.º 265º nº2 do CPC, sendo que ampliação é consequência do desenvolvimento do pedido primitivo e considerando que não obstante ter reconhecido a sua existência o certo é que o sr. perito médico não logrou concretizar tipicidade, quantidade e periodicidade dos aludidos tratamentos médicos regular e ajudas medicamentosas, motivo pelo qual o autor AA requer a V.Exª a condenação da ré em quantia que vier a ser liquidada em momento ulterior, nos termos do preceituado no art.º 609º n.º 2 do CPC”.

A Ré/CC, S.A., opôs-se à requerida ampliação, alegando que “as ajudas medicamentosas e tratamentos médicos referidos nas conclusões do relatório médico foram notificados às partes em 22 de dezembro de 2017. Perante essa notificação, as partes nada disseram, bem como pediram qualquer esclarecimento”, sendo que na petição inicial, não foi alegado que, em consequência directa do acidente, o Autor/AA ficou permanentemente dependente de ajuda medicamentosa e de tratamento médico regular, nem foi formulado o correspondente pedido.

No despacho de fls. 146, foi considerado que “o pedido ora deduzido é tempestivo, face ao exposto no art.º 588º n.º 3 a) c, do CPC, sendo certo que a ampliação requerida, consubstancia desenvolvimento do pedido primitivo, conforme se dispõe no art.º 265º n.º 2 do CPC.” Inconformada com a sentença proferida em 1ª Instância, recorreu de apelação a Ré/CC, SA, aduzindo as conclusões, adiante consignadas, uma vez que se torna necessário considerar para apreciar o objecto da presente revista: “1. Entende a ré que foi muito exagerada a condenação decidida pelo tribunal a quo.

  1. A ré sindicou (e continua a sindicar) o deferimento do pedido de ampliação do autor AA e, consequentemente, também sindica aqui o segmento decisório da douta sentença ora recorrida, referente à liquidação em execução de sentença das citadas ajudas medicamentosas e dos citados tratamentos médicos regulares e do citado acompanhamento médico regular.

  2. Ademais, a ré também sindica, por ser exorbitante, a indemnização fixada pelo tribunal a quo em sede do dano patrimonial futuro (€70.000,00) sofrido pelo autor AA.

  3. A citada indemnização de € 70.000,00 em sede do dano patrimonial futuro não é adequada e justa, tendo em conta as lesões/sequelas efetivamente sofridas pelo autor AA (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos), tendo em conta que ele nunca suspendeu a sua atividade profissional e tendo ainda em conta que a sua remuneração anual líquida se cifrava (à data do acidente) em €37.272,55 (€2.662,35 X 14 meses).

  4. Também peca por exagero a indemnização de €5.000,OO em sede de danos morais sofridos pelo autor - o autor nunca suspendeu a sua atividade profissional.

  5. Finalmente, a matéria táctica provada também não permite considerar-se adequada e justa (salvo melhor opinião) a indemnização de €2.500,00 em sede de danos morais sofridos pela autora BB - também aqui há algum exagero ...

  6. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 562º, 563º, 564º e 566º do C.C. e o disposto no artigo 615º, 1, c), do C.P.C. ” Conhecida a interposta apelação, o Tribunal a quo proferiu acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente o recurso da ré CC, S.A., e, consequentemente: a) Revogar a sentença na parte em que condenou a ré a pagar ao autor todas as quantias que o mesmo viesse a despender em consequência de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e acompanhamento médico regular, e a liquidar em execução de sentença; b) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho.

    No mais, mantém-se a sentença recorrida.” É contra este acórdão que o Autor/AA, se insurge, interpondo recurso de revista, sustentado nas seguintes conclusões: “1. Nas doutas alegações de apelação que a R. apresentou em 02 de outubro de 2018 não foi impugnado ou posto em causa, por qualquer via, o douto despacho de fls. 146 (admissão da ampliação do pedido), mas tão somente a douta sentença.

  7. A R. limita-se a “sindicar” o deferimento do pedido de ampliação do autor AA, constituindo tal sindicância um mero ato de inquirir ou averiguar e não um ato de impugnação ou sequer de discórdia.

  8. Acresce que, a aludida “sindicância” não se mostra fundamentada em argumentos relativos à matéria de facto apurada ou na aplicação do direito, sendo tal afirmação inequivocamente vaga e sem qualquer conclusão ou consequência.

  9. A R. no seu requerimento, alegações e conclusões de recurso, limitou o objeto do recurso à sentença em crise, nos termos e com os efeitos do artigo 635.º n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil.

  10. Sempre se se dirá que as alegações de recurso da R. não incluem o despacho de fls. 136 que, como tal, não incorpora o objeto do recurso de apelação.

  11. Pelo que, ao analisar tal questão (despacho de fls. 136), o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos artigos 635.º n.º 3 a 5 e 639.º do Código de Processo Civil e, julgando para além do objeto do recurso, a decisão do Tribunal da Relação constitui uma condenação ultra petitium, ferindo, por isso, de nulidade o Acórdão proferido, nos termos do disposto no artigo 615.º, al. e) do CPC, por remissão do artigo 666.º do mesmo Código.

  12. Consequentemente, deve manter-se o decidido na douta sentença quanto à condenação da R. no pagamento ao A. “...de todas as quantias que o mesmo venha a despender em consequência de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e acompanhamento médico regular, e a liquidar em execução de sentença.” 8. Por outro lado, atenta a matéria de facto dada como provada, o que está ora em causa não é a extemporaneidade dos factos em que é estribada a ampliação do pedido, mas só e apenas a extemporaneidade da ampliação do pedido em si.

  13. Acresce que, apesar de o requerimento de ampliação do pedido e o requerimento de alegação de factos supervenientes apresentarem semelhanças, por ambos pretenderem uma alegação superveniente, tais semelhanças limitam-se à sua apresentação em momento posterior aos articulados, de forma alheia à normal tramitação processual.

  14. Já que, enquanto a ampliação do pedido (i) radica do princípio da economia processual e da fixação de uma indemnização que considere a extensão total dos danos sofridos oriundos dos factos ilícitos e (ii) exige a alegação de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, o articulado superveniente (i) tem por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão e (ii) exige apenas que a ampliação seja mero desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo 11. Por tudo o supra referido, é forçoso concluir, através da ratio legis de ambos os normativos e considerando a unidade do sistema jurídico, que a ampliação do pedido não se confunde com um articulado superveniente, seja a título formal, seja a título...

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