Acórdão nº 0331/14.2BECTB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução18 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. RELATÓRIO B…………, S.A., com sede na ………, ………, Lote 4, ……, ………, 7350-…… Elvas, devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (TAF), a presente acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos contra o IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P.

, doravante 1º Réu, e contra o MUNICÍPIO DE MOIMENTA DA BEIRA, doravante 2º Réu, a empresa A…………, LDA.

e a empresa C…………, LDA, pedindo a declaração de nulidade quer da: “…deliberação da Câmara Municipal de Moimenta da Beira de 15 de Março de 2013…” quer do “…acto de indeferimento do pedido de informação prévia (…) relativo à viabilidade de instalação de um CITV (Centro de Inspecções Técnicas a Veículos), no local de Caria, Moimenta da Beira…”; e a anulação do “…concurso para instalação de um CITV (Centro de Inspecções Técnicas a Veículos), no concelho de Moimenta da Beira…”.

Peticionou ainda a condenação do 2.º Réu “…a reapreciar o requerimento de emissão de certidão relativa à possibilidade de instalação de um CITV no local da freguesia de Caria…”.

*Indicou como Contra-Interessados as empresas denominadas A…………, LDA. e C…………, LDA, respectivamente.

*Por sentença do TAF de Castelo Branco, proferida em 17 de Março de 2016 foi julgada a acção administrativa especial improcedente, por não provada; e, em consequência, mantendo-se os actos impugnados na ordem jurídica e absolvendo-se os Réus de todos os pedidos que contra si foram formulados pela Autora.

*A B…………, S.A. apelou para o TCA Sul e este, por Acórdão datado de 08 de Novembro de 2018, (i) concedeu provimento ao recurso jurisdicional; (ii) revogou a sentença recorrida declarando nulos os actos impugnados e, (iii) conhecendo em substituição, condenou o Município de Moimenta da Beira a reapreciar o requerimento da aqui Requerente de emissão de certidão relativa à possibilidade de instalação de um CITV no local da freguesia de Caria, como foi pedido pela Autora.

*A A…………, LDA e o MUNICÍPIO DE MOIMENTA DA BEIRA, inconformados, vieram interpor os presentes recursos de revista, tendo a primeira Recorrente na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “1ª O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul de 8 de Novembro p.p., que revogou a sentença proferida pela 1ª instância e anulou as decisões camarárias impugnadas - que haviam recusado certificar que o terreno da A. reunia as condições necessárias para ali ser instalado um centro de inspecções de veículos automóveis - com fundamento em violação do n° 5 do art° 4º da Lei n° 11/2011 e em desvio de poder.

2ª Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido suscita quatro questões que possuem uma capacidade expansiva e uma importância jurídica que justifica a sua apreciação e resolução por parte deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, inclusive para se assegurar uma melhor aplicação do direito, a saber: 1ª Pode um Município no âmbito do poder de planificação urbanística entender que só autorizará a instalação de uma dada actividade económica - in casu, um centro de inspecções de veículos - na sua circunscrição territorial se a mesma se localizar num determinado espaço considerado idóneo para o efeito, designadamente ente numa zona industrial? 2ª O n° 5 do art.° 4º da Lei n° 11/2011 permite ou não que a Câmara Municipal delibere que só certificará que um terreno reúne as condições para a instalação de um centro de inspecções se esse terreno se situar no espaço previamente aprovado e definido pelo Município para o exercício tal actividade, designadamente numa zona industrial? 3ª Pode o Tribunal ad quem alterar a decisão de facto alcançada pelo Tribunal a quo sem que o recorrente jurisdicional tenha impugnado no recurso essa mesma decisão de facto? 4ª Pode o Tribunal declarar um acto nulo por desvio de poder sem ter dado por provado um só facto que comprovasse a intenção de exercer o poder para um fim diferente daquele para que foi concedido ou a intenção de preterir o interesse público e beneficiar um interesse privado? Na verdade.

3ª As duas primeiras questões colocadas no objecto da revista possuem uma capacidade expansiva por se poderem colocar em todas as (muitas) actuais e futuras acções referentes aos procedimentos concursais para a instalação de centros de inspecções de veículos automóveis, onde por força do disposto no n° 5 do art° 4° e do n° 7 do artº 6° é obrigatória a apresentação de uma certidão camarária comprovativa de que o terreno reúne as condições para ali ser instalado tal centro de inspecções e onde, portanto, se terá de decidir se é ou não permitido aos Municípios, no âmbito do seu poder de planificação urbanística, deliberar que só autorizaram a instalação de centros de inspecção em determinados locais, designadamente numa zona industrial.

4ª De igual modo, também a terceira e quarta questões possuem a via expansiva para serem levadas a revista, uma vez que, saber-se se e quando o Tribunal ad quem pode alterar a decisão da facto da 1ª instância e saber-se se pode dar por verificado o desvio de poder sem que tenha sido dado por provado qualquer facto que comprove que não foi o interesse público o determinante da decisão proferida pela Administração, são questões e assuntos que se podem colocar em todo e qualquer processo judicial do foro administrativo.

Para além disso, 5ª Todas as questões colocadas na revista possuem igualmente uma importância jurídica fundamental, seja por contenderem com um instituto fundamental de direito administrativo - o desvio de poder - e com as exigências de prova para que se possa concluir que a Administração não se moveu pelo interesse público, seja por estarem relacionadas com as regras processuais que disciplinam os recursos jurisdicionais e delimitam a competência do tribunal superior - como sejam os poderes de modificabilidade da decisão de facto - seja por contenderem com o princípio da separação de poderes e a sempre difícil fronteira entre a função administrativa e a função jurisdicional - designadamente no segmento em que um Tribunal vem afirmar que é ilegal o exercício de uma prerrogativa típica da função administrativa, como a de delimitar os usos admissíveis para o território municipal.

Por fim, 6ª A admissibilidade do presente recurso de revista sempre resultaria ainda do facto de ser imprescindível para assegurar uma melhor aplicação do direito e evitar que perdure no ordenamento jurídico uma decisão que elimina uma das principais prerrogativas da autonomia do poder local e do exercício da função administrativa atribuída por lei aos Municípios - o poder de planificar urbanisticamente o desenvolvimento das localidades e de conferir ou não autorizações urbanísticas em função do desenvolvimento urbano pretendido pelos órgãos dirigentes do Município - e que acusa o Município de violar o seu mais sagrado dever - o de promover o interesse público - e de querer beneficiar interesses privados sem que, ao arrepio do princípio do contraditório, tenha sido submetido qualquer facto a prova e sem que o Tribunal tenha sequer dado por provado um só facto que permita alcançar essa mesma conclusão.

7ª Consequentemente, seja por em causa estarem questões com relevante importância jurídica e capacidade expansiva, seja para uma melhor aplicação do direito, julga-se ser inquestionável estarem reunidos no caso sub judice os pressupostos para que este Venerando Supremo Tribunal admita e conheça o presente recurso de revista ao abrigo do disposto no art° 150° do CPTA 8ª Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do art° 615° do CPC, uma vez que conheceu da questão do desvio de poder (e por isso declarou nulos os actos impugnados, o que, aliás, lhe permitiu contornar a questão da caducidade do direito de acção) que não havia sido suscitada em sede de recurso jurisdicional - como facilmente se comprova pela leitura das alegações de recurso apresentadas no Tribunal a quo - pelo que, sendo o objecto do recurso jurisdicional delimitado pelas conclusões e apenas podendo a função cognitiva do Tribunal ad quem exercer-se sobre o segmento da sentença questionada pelo recorrente jurisdicional (v., entre muitos, o Acº do STJ de 18/6/2013, Proc. n° 483/08.0TBLNH.L1.S1 e o Acº de 3/3/2016. Proc. n° 861/13.3TTVIS.C1.S1) é por demais evidente que conheceu de uma questão de que não poderia conhecer.

9º Ao considerar haver desvio de poder sem ter levado à factologia assente qualquer facto - designadamente os que a 1ª instância havia dado como não provados - que permitisse comprovar a intenção de beneficiar interesses privados, o aresto em recurso incorreu na nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do art° 615°, justamente por os fundamentos de facto não permitirem alcançar e estarem em oposição com a decisão jurídica que foi alcançada a propósito do desvio de poder.

Por outro lado, 10ª Ao considerar que o Município não tinha o poder de decidir onde autorizaria a instalação de um Centro de Inspecções - pelo que teria violado a lei e incorrido em desvio de poder ao determinar que só autorizaria a instalação de um centro de inspecções na zona industrial -, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento e violação de lei substantiva, uma vez que semelhante entendimento não tem qualquer apoio no texto da lei - resultando antes do n° 5 do art.° 4° da Lei nº 11/2011 que cabe aos Municípios decidir se um determinado terreno reúne ou não as condições para ali ser instalado um centro de inspecções -, representa uma violação do princípio da autonomia das autarquias locais e das atribuições por lei conferidas aos Municípios - das quais resulta justamente que lhes compete planificar o desenvolvimento e determinar os usos admissíveis para o...

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