Acórdão nº 1267/18.3T8LRA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução12 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1267/18.3T8LRA.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Cível de Ourém – J1 * I – Recurso interposto pelo Réu: Em 20/05/2019, o Réu (…) veio interpor recurso da sentença final que o condenou no pagamento da indemnização de € 700,00 (setecentos euros) e o referido recurso foi admitido por despacho de 10/07/2019.

Porém, a decisão em causa não é recorrível por não se enquadrar na esfera de protecção do nº 1 do artigo 629º[1] do Código de Processo Civil. Com efeito, o valor da sucumbência é inferior a metade da alçada do Tribunal de Primeira Instância.

Deste modo, não se admite o recurso interposto.

Sem tributação, atenta a manifesta simplicidade do incidente.

* II – Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por (…) contra (…), o Autor veio interpor recurso da sentença.

* O Autor pedia que o Réu fosse condenado no pagamento da quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) pelos danos não patrimoniais experimentados e ainda uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais que terá igualmente sofrido devido ao comportamento da contraparte.

* Em síntese, o Autor alegou que o Réu solicitou os seus serviços de advogado para o patrocinar em determinados processos judiciais. Terminado o mandato, o Réu instaurou uma acção contra o Autor em que produziu declarações falsas, designadamente que ele teria praticado irregularidades no exercício da sua actividade profissional de advocacia e ainda por ter apresentado queixa infundada junto da Ordem dos Advogados e da Autoridade Tributária. Ao tomar conhecimento dessas situações, o Autor sentiu-se ofendido na sua honra e consideração e teve prejuízos reputacionais.

* O Réu apresentou contestação e deduziu incidente de litigância de má fé contra o Autor.

* Foi elaborado despacho saneador com a selecção dos temas de prova em relação ao objecto em causa nos autos.

* Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» julgou parcialmente procedente a acção, condenando o Réu no pagamento ao Autor da quantia de € 700,00 (setecentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, absolvendo as partes da parte remanescente dos pedidos.

* O recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões: «1ª. Subscrevemos na íntegra a enunciação dos pressupostos da responsabilidade tal como são lucidamente descritos no relatório da decisão recorrida, nomeadamente, a) facto voluntário por parte do agente b) facto ilícito, traduzindo a violação de um direito subjectivo ou de uma lei que proteja interesses privados alheios; c) nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, que tenha actuado com culpa; d) a ocorrência de um dano para o lesado; e) a existência de nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.

  1. Segundo uma presunção lógica ligada à normalidade da vida de relação e às regras da experiência comum, as imputações concretamente feitas pelo réu não podem deixar de ser reputadas, para a generalidade das “pessoas de bem” ou mesmo para o “homem médio”, como susceptíveis de ofender a honra e consideração do autor, mexendo quer com a sua esfera interior quer com a forma como é visto pela comunidade, nomeadamente, quando essas imputações são dirigidas sem o mínimo fundamento, à forma como ele exerce a sua profissão de advogado com o único e exclusivo propósito de ofender a sua honra e consideração e de denegrir a sua imagem, não podendo restar dúvidas acerca da sua gravidade.

  2. A ilicitude da conduta do réu é muito significativa porquanto “beliscou” o “núcleo central” da sua intimidade profissional e pessoal, imputando-lhe falta de rigor na apresentação e cobrança das contas de honorários, na apropriação indevida de bens pertencentes ao constituinte, depois de sobre ele ter exercido diversas formas de pressão e pela absoluta demissão da observância de regras profissionais com o que teria causado prejuízos ao réu, assim se repudiando abertamente o conceito de ilicitude “mediamente significativa” e “não muito gravosa e ofensiva” do comportamento do réu perfilhada pela sentença recorrida.

  3. Reconheceu a decisão em recurso que “o réu actuou com dolo eventual” com o que, salvo o devido respeito, não podemos concordar por a factologia acolhida na instância impor outra solução. Na realidade, a conclusão constante da decisão recorrida resulta, tanto quanto podemos vislumbrar, da factualidade dada como provada do respectivo item 5 conjugada com a matéria vertida em 10) quando se diz que “o réu tomou consciência que as declarações por si realizadas no processo referido em 3), constantes da P.I. por si aí apresentada..., poderiam não ser verdadeiras... mas conformou-se com essa possibilidade...”, omitindo que pelo item 9) “foi condenado como litigante de má fé, na medida em que se considerou que ele teria alegado factos falsos ao declarar que desconhecia a razão pela qual o aqui não tinha comparecido no julgamento que teve lugar no processo nº 463/07.3GAVNO...” 5ª. Ora, se relativamente aos factos descritos nas alíneas a) e b) do título VI desta peça processual se pode considerar que “... o réu tomou consciência que as declarações por si realizadas no processo referido em 3), constantes da P.I. por si aí apresentada..., poderiam não ser verdadeiras...”, tendo-se conformado com elas, já no item 9) se sentenciou a sua condenação como litigante de má fé por ele ter alegado factos falsos.

    Ou seja: ficou demonstrada a perfeita consciência do réu de que tinha invocado factos cuja falsidade não ignorava – indo, portanto, para além da falsidade meramente hipotética que caracteriza o dolo eventual – que integram a nosso ver, o dolo directo com a intenção de querer o resultado que sabia ser falso.

  4. Não pode deixar de censurar-se a perspectiva mitigada dos danos sofridos pelo autor como é considerada no aresto em recurso; como se expendeu já, fará pouco sentido julgar verificados determinados “estados de ânimo” – ter ficado nervoso, revoltado e sentir-se atingido na sua honra e consideração e, em simultâneo, não se ter sentido humilhado, envergonhado, angustiado e apreensivo das suas repercussões.

    Desde logo, porque não são realidades antagónicas e, muito menos, retratam conceitos totalmente estanques de um “estado de alma negativo”, mais uma questão de semântica e de injustificável preciosismo do que de diversidade real de conceitos.

  5. Segundo uma presunção natural ligada às regras da vida e da experiência, as imputações feitas pelo réu à pessoa do autor, não podem deixar de ser tidas como susceptíveis de ofender a honra e consideração do visado, apontando genericamente ao círculo da sua intimidade pessoal causando-lhe, como consequência directa e necessária, graves perturbações psíquicas. É um facto público e notório, não carecendo, como tal, de prova. Tudo com mais uma consequência necessária: esse “estado de alma” muito ou pouco provocará sempre uma diminuição da capacidade para todos os actos da vida íntima, familiar, profissional e social da pessoa visada pelo que invocar, para efeitos unicamente profissionais, que para produzir a mesma quantidade e qualidade de trabalho exigia de si um maior sacrifício, não parece configurar qualquer disparate nem absurdo.

  6. Sem obter qualquer vencimento nos diversos pedidos formulados e decaindo nas contestações que foi apresentando perante os tribunais – onde, no domínio dos princípios, podia obter qualquer indemnização ou pelo menos, redução nos pagamentos para que fora intimado – restou-lhe “fugir para a frente” e sem a mínima perspectiva de poder vir a lucrar economicamente com esses procedimentos – leia-se, aliás, com o único propósito de causar dificuldades ao autor – desencadeou queixas contra este tanto na Ordem dos Advogados como na Autoridade Tributária.

  7. Estranha-se que o Tribunal a quo tenha feito uma leitura obtusa desses procedimentos considerando-os legais por configurarem apenas “o exercício de um direito “conclusão que tem de considerar-se paradoxal por no relatório da decisão recorrida considerar-se não ter ficado demonstrado nos autos qual o teor da queixa apresentada pelo réu no Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados e, em concreto, quais foram as imputações que, no seu âmbito, fez em relação ao autor. Certo é que noutro passo do mesmo relatório se diz que o réu “invocava que o autor havia ultrapassado os limites das quantias pedidas a título de honorários, provisões e despesas” (item 12) factos que o Tribunal a quo não reconheceu; ainda, por outro lado, o réu na acção com processo comum que instaurou contra o autor na Instância Central Cível do Tribunal Judicial de Leiria reclamou deste, entre outros, o pagamento “da quantia mínima de 21.500,00 euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais que alegadamente lhe teria causado, referentes a honorários em excesso, incluindo os bens que integraram dações em pagamento” (item 4); acresce ainda que “o réu tomou consciência que as declarações por si realizadas no processo referido em 3), constantes da P.I. por si aí apresentada..., poderiam não ser verdadeiras e que, dessa forma, poderia ofender o autor na sua honra e consideração”, tendo-se, não obstante, conformado com essa possibilidade (item) 10.

  8. Ora, partindo-se do princípio de que o réu tem alguma coerência de raciocínio, como o impõem as regras da experiência comum e do bom senso, não seria crível que apresentasse sobre a mesma matéria (honorários desmedidos) uma narrativa no Tribunal e outra, diferente, na Ordem dos Advogados, ainda que, como emerge do item 10 da matéria de facto provada, as declarações produzidas nesse processo (e, por dedução lógica, também na queixa apresentada na Ordem dos Advogados) “poderiam não ser verdadeiras e que, dessa forma, poderiam ofender o autor na sua honra e consideração. E é por isso que sendo legítimo em si mesmo o direito de queixa, tem de ser...

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