Acórdão nº 1198/16.1T8SXL-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Os presentes autos de reclamação de créditos correm por apenso à ação de divisão de coisa comum, que tem como Autora “CC, Ldª” e como Ré DD.

  1. Nestes autos vieram reclamar créditos (entre outros credores, que agora não releva considerar): - «AA, SA», que reclamou a quantia de €550.721,21 referente a mútuos bancários e juros, com hipotecas que incidem sobre o imóvel objeto da ação de divisão de coisa comum nos autos principais; - «BB – ..., Lda.», que reclamou a quantia de €783.260,00, englobando o valor de €550.000 a título de capital e o valor de € 233.260,00 a título de juros de juros de mora, referente a crédito resultante do incumprimento de contrato promessa de compra e venda do imóvel em causa nos autos principais, alegando ter direito de retenção.

    Esta reclamante juntou aos autos certidão da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena, de 01.02.2006, com nota de trânsito em julgado em 23.02.2006 (a fls. 246-256 dos autos), proposta por “EE, Inc.”, que passou posteriormente a denominar-se “FF INC.”, contra GG e a Ré nos autos principais, bem como cópia de um «Contrato de Cessão de créditos e de Transmissão de Garantias e de Direitos», celebrado entre aquela «FF INC.» e a reclamante «BB, ..., Lda.», datado de 22.12.2009, (a fls.185-193 dos autos).

  2. A primeira instância (por sentença de fls 379 e seguintes dos presentes autos) graduou o crédito da “AA” em segundo lugar [após os créditos de IMI reclamados pelo Ministério Público em representação do Estado – Fazenda Nacional], mas não reconheceu o crédito reclamado pela “BB”.

  3. Inconformada, a credora “BB” interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido nos termos que se transcrevem: «Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, alterando a sentença recorrida, pelo que julgando também reconhecidos os créditos reclamados por “BB, ... Lda.”, são os mesmos graduados em 2º lugar – após os créditos de IMI reclamados pelo Ministério Público em representação do Estado – Fazenda Nacional, e anteriormente aos créditos reclamados por “AA”, que passam a ser graduados em 3º lugar, passando os créditos reclamados pelo “Instituto da Segurança Social, IP” a ser graduados em 4º lugar.» 5. A credora “AA”, inconformado com a decisão da segunda instância, que reconheceu o crédito da credora “BB” e o graduou antes do seu, interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: «1.

    Decidiu, em suma, o tribunal de cujo Acórdão se recorre que o tribunal de primeira instância devia ter reconhecido o direito de crédito e garantia à reclamante, BB — Imp. e … Lda., ora recorrida, uma vez que não estava em questão nenhuma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que aquele tribunal pudesse conhecer.

  4. Reconhecendo, por conseguinte, o crédito reclamado pela BB — … Lda. e bem como o respetivo direito de retenção.

  5. Na reclamação de créditos apresentada pela recorrida falhou, de forma evidente, a exposição dos factos que permitiram concluir pela traditio do imóvel, bem como o pedido de reconhecimento do direito.

  6. Dispõe a alínea d) do n.1 do art. 552º do C.P.C. que: "Na petição, com que propõe a ação, deve o autor: expor os factos essências que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamentação à ação”.

  7. Por sua vez, decorre do n. 2 do art. 604º do C.C que, para que exista um direito de retenção, é necessário que o respetivo titular detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem e que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deva a restituição, bem como que entre os dois créditos haja uma relação de conexão nas condições nele definidas "resultar o credito de quem esteja obrigado a entregar a coisa de despesa com ela feitas ou de danos por ela causados" (in Código Civil anotado por Antunes Varela e Pires de Lima Vol. l, 4.º ed., pág. 773).

  8. Acresce ainda, nos termos do disposto no n. 1 e alínea a) do n. 2 do art. 186º do C.P.C., que: "É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial" e "Diz-se inepta a petição: quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

  9. Tendo faltado, por parte da recorrida BB — … Lda., a exposição dos factos que consubstanciariam uma eventual traditio do imóvel, bem como a formulação do pedido de verificação do direito de retenção, não só faltou a invocação da causa de pedir, como também a indicação do pedido.

  10. Pelo que, o tribunal de primeira instância, ao abrigo do disposto nos artigos, 552º, 186º n. 1 e 2 alínea a), 576º n. 2 e alínea b) do art. 577º do C.P.C. podia e devia ter conhecido oficiosamente a exceção dilatória não suprível, com o consequente não reconhecimento do direito de crédito e de retenção em questão na reclamação de créditos apresentada pela recorrida.

  11. Ainda que assim não se entendesse, o que se equaciona como mera hipótese, sempre seria de trazer à colação o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2014, de 19 de Maio de 2014, no âmbito do qual foi fixada a seguinte jurisprudência: "No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente -comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º n. 1 alínea f) do Código Civil.".

  12. Pretendeu o aresto em questão, com a jurisprudência fixada, proteger o promissário da transmissão de imóvel, para habitação, que obtendo a tradição da coisa seja simultaneamente um consumidor, ou seja, teve em atenção a protecção da parte contratual muitas vezes considerada de "mais fraca", em detrimento de credores hipotecários 11. A recorrida é pessoa colectiva, pelo que, se pode concluir, com evidência, que não é, à luz da Lei, consumidora para efeitos da aplicação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT