Acórdão nº 1052/16.7T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA propôs contra BB, CC e DD, SA, acção declarativa de condenação sob a forma do processo comum pedindo a condenação dos Réus no pagamento das seguintes quantias: 43.000,00€ a título de danos patrimoniais; 8.000,00€ a título de danos não patrimoniais; custas processuais que despendeu e venha a despender no processo 447/11.7TTVFR, recursos e quaisquer encargos daí decorrentes, bem como na quantia de 8.959,63€.

Fundamentou a acção quanto aos dois primeiros Réus em responsabilidade profissional por violação do dever de diligência no âmbito da acção proposta para pagamento da totalidade dos créditos provenientes da cessação do seu contrato de trabalho, por considerar que um advogado diligente teria peticionado o pagamento das retribuições intercalares a que tinha direito (que ascendiam a 43.000,00€) e teria interposto recurso de decisão desfavorável dentro do prazo legal.

Alega ainda que ao saber que o recurso para o STJ do acórdão que lhe foi desfavorável foi interposto fora de prazo ficou desgostoso e em estado depressivo, sentindo-se defraudado na confiança que depositou nos seus mandatários.

Invocou igualmente que para cobrança dos demais créditos em que a sua empregadora foi condenada intentou execução no âmbito da qual foi cobrada a quantia de 8.959,63€, que lhe era devida, mas que não recebeu.

Fundamentou a acção contra a 3ª Ré no contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados no âmbito do qual está transferida a responsabilidade civil decorrente do exercício da profissão de advogado.

  1. Os Réus BB e CC contestaram concluindo pela improcedência da acção por inexistência de violação dos respectivos deveres de diligência no exercício do mandato judicial conferido. Requereram a intervenção acessória da EE SA e da DD, SA.

    A Ré DD, SA contestou defendendo não ser responsável pelo pagamento de qualquer indemnização quer por a situação não se encontrar abrangida pela apólice de seguro, que se iniciou apenas em 2014, quer por não se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil do advogado.

  2. Foi liminarmente indeferido o pedido de intervenção da DD, SA por ser parte principal na acção e deferida a intervenção, como parte acessória, da EE, SA, que apresentou contestação esclarecendo em que limites responde perante o Réu BB. 4. Após julgamento foi proferida sentença (em 19-01-2018) que julgou a acção improcedente.

  3. Apelou o Autor tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão (de 05-11-2018) que julgou a apelação parcialmente procedente condenando solidariamente os Réus BB e DD, SA a pagar ao Autor a quantia de 43.000,00€, absolvendo-os quanto ao mais pedido.

  4. A Ré DD, SA interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (transcrição) “1.

    Por não se conformar com a douta sentença absolutória proferida pelo Tribunal de Primeira Instância a qual, apreciando todas as questões fácticas e jurídicas suscitadas nos presentes autos, julgou improcedente, por não provada, a ação interposta pelo Autor, veio o mesmo interpor recurso da decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

  5. O Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão anteriormente proferida, pronunciando-se no sentido de que a atuação dos RR. têm como preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil previstos, nomeadamente, no artigo 483.º CC e, ainda, que não se poderá aplicara exclusão do pré-conhecimento prevista no artigo 3.º, alínea a) da apólice de seguro celebrada com a ora Recorrente DD S.A.; 3. Ora, como é consabido, a obrigação de indemnizar não nasce apenas pela (alegada) existência de um ato ilícito e culposo, tendo de se encontrar preenchidos todos os restantes requisitos que fundamentem a responsabilidade civil dos RR. o que, no presente caso, não se pode ter como verificada.

  6. Ainda que se equacionasse a atuação ilícita por parte do Réu em virtude da omissão do pedido de retribuição intercalares em virtude do despedimento ilícito de que o Autor foi alvo, sempre seria de excluir a obrigação de indemnizar por inexistência de dano.

  7. Não é toda a atuação ilícita que acarreta dano e, o presente caso consubstancia essa mesma situação dado que, na sequência do despedimento, o Autor além de pelo menos manterá remuneração que auferia antes do despedimento ilícito, pôde ainda exercer a sua atividade de profissional liberal a tempo inteiro.

  8. A circunstância de o Autor, pelo menos, manter a remuneração e passar a poder exercer a sua atividade profissional a tempo inteiro - algo que não seria possível em momento anterior ao despedimento da FF- não é suscetível de constituir um dano.

  9. Só é possível colocar o trabalhador na situação em que estava antes de ter sido despedido se se retirarem ou deduzirem todas as quantias que o trabalhador entretanto recebeu e que não teria recebido se tivesse continuado a trabalhar na empresa de onde foi ilicitamente despedido.

  10. Direcionando o teor do artigo 390.º do CT ao caso concreto, e atendendo ao Ponto 39) dos Factos julgados provados, depreende-se que o trabalhador {in casu, aqui Autor), ao ser despedido da FF, Lda., passou a exercer a sua função de profissional liberal a tempo inteiro o que, conforme já referido, se afigurava como impossível em momento prévio ao despedimento considerado ilícito visto que não poderia o trabalhador desempenhar duas atividades a tempo inteiro.

  11. Além disso, do teor do artigo 390.º do CT resulta que às retribuições intercalares alegadamente devidas, sempre terão de ser deduzidas as quantias que o Autor recebeu em consequência do despedimento e que não as teria recebido se tivesse continuado a manter o seu posto de trabalho.

  12. Assim, com o exercício da função de profissional liberal a tempo inteiro, a remuneração que anteriormente auferia com este trabalho - a tempo parcial - sofreu alterações, dado o aumento de horas agora disponíveis da parte do trabalhador.

  13. Este entendimento resulta não só do artigo supra mencionado, mas também da própria jurisprudência, sendo essa a única maneira de colocar o trabalhador na situação em que se iria encontrar caso não tivesse sido despedido.

  14. Inexistindo dano e, consequentemente, nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito e o (inexistente) dano, não poderão dar-se como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, como tal, não haverá lugar a qualquer indemnização.

  15. De facto, aos €30.250,00 (valor alegadamente devido), sempre teriam de ser deduzidas as quantias que o Autor recebeu em decorrência do despedimento ilícito, ou seja, as quantias que o Autor não receberia se tivesse continuado a exercer a sua atividade na FF.

  16. É neste âmbito que o Tribunal de Primeira Instância considera - e, no nosso ver, com total razão - que, não poderá dar-se como verificada a ocorrência de qualquer dano para o Autor.

  17. Deste modo, inexistindo dano - requisito essencial para a efetivação da responsabilidade civil - não se poderão ter como verificados os pressupostos do artigo 483.º do CC, entendimento com o qual se concorda e se tem como único aplicáveL 16. Acresce que, a impossibilidade de receber as retribuições intercalares sempre se manteria mesmo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça tivesse sido interposto, em prazo, pela Ré Advogada. Conforme ficou exposto na decisão do Tribunal de Primeira Instância, as deduções das quantias que o Autor auferiu em consequência do despedimento, seriam mais elevadas do que as retribuições intercalares a que este, alegadamente, teria direito.

  18. Nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º do CC, só se poderá ressarcir a chance perdida quando a existência de chance puder ser provada. Com efeito, se fosse outra a solução, criar-se-ia o caso de todos os alegados danos e chances que se afirmam ter sido perdidas, levarem à sua ressarcibilidade (o que, de todo, não se poderá admitir, sob pena de ser possível a obtenção, por via da responsabilização civil de um advogado, e com base na doutrina da "perda de chance", de um benefício patrimonial superior àquele que se teria obtido por via do "curso normal das coisas" - neste sentido, veja-se "Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ n9 84, ns 5.", acerca da Teoria da causalidade adequada).

  19. Assim, não tendo o Autor logrado provar que, através da omissão do pedido de retribuições intercalares imputável ao Réu advogado, perdeu, realmente, a chance de lhe ver serem atribuídas essas retribuições, não se poderá ter como preenchido o conceito de perda de chance e a sua consequente indemnização.

  20. Deste modo, mesmo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça fosse interposto em prazo, o direito às retribuições intercalares continuariam a ser rejeitadas.

  21. Por outro lado, e no que respeita à pretensa responsabilidade da ora Recorrente, por via do contrato de seguro n.º ... celebrado com a Ordem dos Advogados, sempre se dirá que, salvo melhor e douta opinião em contrário, atendendo à matéria de facto julgada provada nos autos, nunca poderá a ora Recorrente DD responder pelos (pretensos) danos e/ou prejuízos reclamados nos autos pelo A.; 21. Na verdade, da matéria de facto julgada provada nos autos, resulta evidente que o Réu advogado, à data de início do período seguro da apólice n.º ..., garantida pela ora Recorrente, tinha perfeito e efetivo conhecimento da possibilidade de vir a ser responsabilizado pelo A., em decorrência da atuação profissional posta em crise nos autos; 22. Podendo, assim, o 1.º Réu, razoavelmente prever, em data anterior ao início de vigência dos referidos contratos de seguro, que a sua atuação profissional no âmbito do patrocínio forense assumido perante o A., poderia (ainda que em tese) gerar uma reclamação, passível de acionar as coberturas e garantias na apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, não podendo desconhecer e/ou desconsiderar a existência de tal risco; 23. Ora, de facto, e tal como resultou efetivamente demonstrado nos autos, nos termos da alínea a) do artigo 3.º das...

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