Acórdão nº 977/19.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Bruno ..........
intentou no TAC de Lisboa contra a Ordem dos Advogados intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, peticionando a condenação desta a aceitar a sua inscrição como advogado estagiário.
Por sentença de 10.06.2019 foi decidido julgar procedente a acção e intimada a Entidade Requerida, através do seu Conselho Geral, a proceder de imediato à inscrição do Requerente como advogado estagiário.
Não se conformando com o assim decidido, vem a Ordem dos Advogados recorrer para este TCA, tendo as alegações de recurso que apresentou culminado com as seguintes conclusões: I – O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo, através da qual se decidiu intimar a ora Recorrente a inscrever o ora Recorrido como advogado estagiário.
II – Para o efeito, considerou-se no arresto recorrido que as funções desempenhadas pelo ora Recorrido, enquanto militar na Guarda Nacional Republicana, não eram incompatíveis com o exercício da advocacia, não se encontrando-se, porquanto, subsumidas ao disposto no artigo 82º, nº1, k) do EOA que dispõe que: “ 1. São, designadamente, incompatíveis, com o exercício da advocacia os seguintes cargos, funções e actividades: (…) k) Membro das Forças Armadas ou militarizadas.” III – Ora, salvo o devido respeito, não se pode a ora Recorrente conformar com tal decisão, uma vez que, salvo melhor entendimento, o exercício de tais funções, inseridas numa estrutura militar fortemente hierarquizada, sujeita a códigos de conduta e poder disciplinar próprios, como é a de uma força de segurança militar como a Guarda Nacional Republicana, deve, pela similitude de características das funções desempenhadas por militares das Forças Armadas, consubstanciar-se, pela sua natureza, no impedimento elencado na alínea k) do nº1 da supra citada disposição legal – “Forças Armadas ou militarizadas.” IV – Conforme refere o Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, datado de datado de 29 de Outubro de 2003 (ACTC nº 521/03), já, oportunamente, mencionado na Resposta apresentada pelo ora Recorrente, através do qual, se refere que: “ (…) Na verdade, à face de tal legislação a Guarda Nacional Republicana sempre foi definida como sendo uma força de segurança constituída por militares organizada num corpo espacial de tropas (art.os1º da LOGNR e 1º a 4º do EMGNR). [DL 231/93, de 26 de Junho em vigor naquela data]. Uma tal definição adquire, desde logo, a característica verdadeiramente determinante dos militares das Forças Armadas que é a de serem um corpo de tropas, cuja função primordial é a “defesa militar da República”. E se é certo que as atribuições daquele corpo especial de tropas são, predominantemente, funções de autoridade de segurança, de polícia criminal, de polícia fiscal e de controlo de entrada e saída de cidadãos nacionais e estrangeiros do território nacional, não o deixa, também, de ser que, entre elas, se conta, igualmente, a de colaborar na execução da política da defesa nacional (artº 2º da LOGNR). Por outro lado, constata-se que essas suas atribuições são levadas a cabo mediante um esquema organizatório que é decalcado totalmente do que se verifica em relação aos militares das Forças Armadas.(…) V – Ora, ao prever a incompatibilidade versada na supra citada disposição legal, somos levados a crer que o que legislador pretendeu foi, justamente, vedar o exercício da advocacia a quem, inserido numa estrutura organizatória de cariz militar fortemente hierarquizada, como é a de uma força de segurança militar como a Guarda Nacional Republicana, visse a sua autonomia e liberdade, próprias, por definição, do exercício da advocacia, ameaçadas.
VI - Considerando a similitude das características de tal instituição com as desempenhadas pelos militares que integram as Forças Armadas, teremos, forçosamente, que concluir que não poderá ter sido outra a intenção que resulta da ratio legis da disposição legal em discussão nos presentes autos, que não seja a de incluir os militares que desempenham funções na Guarda Nacional Republicana.
VII - Tal interpretação, salvaguardando o interesse público e a dignidade de que reveste o exercício da advocacia, não fere nem conflitua, salvo o devido respeito, com o direito constitucionalmente consagrado da livre escolha e acesso à profissão, decorrente do disposto no artigo 47º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que tal direito não é ilimitado e pode, em nome do interesse público, ceder perante outros valores.
VIII - Encontrando-se, salvo melhor opinião, o ora Recorrido a exercer funções que caem na alçada do impedimento versado na alínea k) do nº 1 do artigo 82º do EOA, e não prevendo o nº3 de tal disposição legal os impedimentos que decorrem daquela alínea, afastando-a, expressamente, o legislador, devia o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter considerado a acção em apreço improcedente.
IX – Ao não decidir assim, mal andou o douto Tribunal a quo, incorrendo, por tal motivo, a sentença ora posta em crise em erro de julgamento.
X – Pelo que, nos termos supra expostos, deve o presente recurso jurisidicional ser considerado procedente, por provado, revogando-se a sentença ora recorrida, fazendo-se assim, Justiça.
O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
• Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta não emitiu pronúncia.
• Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.
• II.1.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida errou ao não ter concluído que o Requerente e ora Recorrido se encontrava na situação de incompatibilidade prevista no artigo 82.º, n.º 2, alínea k), do Estatuto da Ordem dos Advogados (Membro das Forças Armadas ou militarizadas).
• II.
Fundamentação II.1.
De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: 1. O Requerente é militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), com a categoria de Sargento-Ajudante de Cavalaria, a desempenhar funções de apoio jurídico na Direcção de Justiça e Disciplina do Comando-Geral da GNR (acordo e cf. fls. 15 e 85 a 89 do PA).
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Por requerimento apresentado no Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados 24.09.2018, o Requerente solicitou a sua inscrição como Advogado Estagiário (cf. fls. 2 a 31 do PA).
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No requerimento supra referido o Requerente apresenta-se como sendo funcionário público e, para efeitos do disposto no artigo 82.º, n.os 1, alínea i), e 3, do EAO, apresentou declaração do Comandante-Geral da GNR onde, entre o mais, se refere que o Requerente é sargento-ajudante, desempenhando funções de apoio jurídico na Direcção de Justiça e Disciplina do Comando-Geral da GNR e que “o exercício da advocacia a cuja inscrição se candidata será prestado em regime de subordinação e exclusividade ao serviço do Ministério da Administração Interna/Guarda Nacional Republicana – em especial por reporte ao disposto no artigo 11.º, n.º 1, do CPTA –, ao abrigo do artigo 82.º, n.º 1, alínea i), e n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados” (cf. fls. 15 do PA).
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Por despacho de 21.12.2018, o Vogal com o Pelouro da Secção de Inscrições do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados decidiu não propor ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados a inscrição do Requerente como Advogado Estagiário por, em síntese, considerá-lo abrangido pela incompatibilidade prevista no artigo 82.º, n.º 2, alínea k), do EAO (cf. fls. 38 a 40 do PA).
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Em 28.12.2018, por despacho do Vogal do Conselho Geral, por delegação de competência, decidiu-se, com base na proposta referida em 4., notificar o Requerente para se pronunciar sobre a intenção de não proceder à confirmação do Requerente como Advogado Estagiário (cf. fls. 41 e 42 do PA).
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Por carta de 11.01.2019, o Requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia, ao referido em 5. (cf. fls. 43 a 89 do PA).
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Em 27.02.2019, por despacho do Vogal do Conselho Geral, por delegação de competência, foi decidido não confirmar a inscrição do Requerente como Advogado Estagiário (cf. fls. 92 e 92 do PA).
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Por requerimento datado de 21.03.2019 e dirigido ao Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, o Requerente interpôs recurso da decisão referida em 7. (cf. 97 a 111 do PA).
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Em 31.05.2019, deu entrada a presente intimação, via SITAF (cf. registo SITAF 590247).
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Até à presente data não foi proferida decisão sobre o recurso referido em 8. (acordo e cf. fls. 144 e seguintes do PA).
49) -Em 2015, o A instaurou a acção, com o Procº 2002/15.3 BELSB, por apenso à qual instaurou a presente acção de intimação que daquela foi mandada desapensar.
50) -Em 16/05/2012, o A instaurou a ação AE, com o Procº 560/12.3BELSB, cujo Acórdão que a julgou improcedente, junto a fls 54/ss, foi proferido a 31/12/2013.
Não foram fixados factos não provados com relevo para a decisão da causa.
• II.2.
De direito Imputa a Recorrente erro de julgamento à sentença recorrida por nesta não se ter concluído pela improcedência da intimação a aceitar a inscrição do ora Recorrido como advogado estagiário, por se verificar uma situação de incompatibilidade de acordo com o previsto no art. 82.º, n.º 2, al. k), conjugado com o disposto no art. 188.º, n.º 1, al. d), ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados.
E podemos já adiantar que lhe assiste razão. Vejamos porquê.
O ora Recorrido enquanto militar da GNR é um “membro das Forças Armadas ou militarizadas”, estando, assim, em situação de incompatibilidade que impede a sua inscrição como Advogado ou Advogado Estagiário, nos termos previstos no art. 188.º, n.º 1, al. d), do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Lendo o Estatuto da...
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