Acórdão nº 922/15.4T8VFX.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelHIGINA CASTELO
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO “JL”, autor nos autos identificados à margem, em que é ré “ADP, S.A.”, notificado da sentença absolutória proferida no dia 7 de janeiro de 2019 e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

Foram intervenientes principais nestes autos outras sociedades comerciais, relativamente às quais o recorrente se conforma com a sentença absolutória. Apenas assim não é em relação à ré.

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo: «

  1. A sentença recorrida é escandalosamente nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do C.P.C., por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, consubstanciada na falta de qualquer análise crítica da prova que, expressada na fundamentação quanto à matéria de facto, permita compreender porque julgou provados, ou não provados, os factos que constituíam o objeto do processo.

  2. Aquilo que o Tribunal na realidade fez foi justificar a forma como se demitiu de decidir questões jurídicas, confundindo-as com questões de facto, tal qual ocorre quando referindo-se ao depoimento prestado por uma das testemunhas da Ré ADP, narra que esta «Descreveu as razões porque as ditas TRG são consideradas unidades acessórias à atividade da Ré, no caso a produção de adubos, razão porque a central de vapor, central de tratamento de águas, central de ar comprimido e unidades de tratamento de águas, são instrumentais (e absolutamente necessárias) à prossecução do objeto social da Ré, mas não são o objeto social da Ré, que assim não se dedica a qualquer atividade perigosa.».

  3. De resto, limita-se a dizer que «A primeira testemunha da Ré ADP, microbiologista, que presta serviços à Ré, a pedido desta, e de longa data, depôs com muita relevância, sobre as formalidades a adotar na obtenção de amostras ou colheita de amostras que nos dias imediatos ao noticiar do “surto” as autoridades públicas levaram a cabo em várias unidades fabris do concelho e limítrofes, nomeadamente, na Ré ADP; depôs ainda sobre os procedimentos adotados pela Ré ADP, ainda antes da verificação do evento, seguindo manuais de boas práticas e recomendações, que no fundo eram as únicas diretrizes sobre esta matéria, à data; depôs também sobre a existência de licença ambiental e o seu significado, bem como as medidas que a ADP adotava quanto a empresas prestadoras de serviço de controlo, e as análises (de controlo) trimestrais, que eram feitas; de resto explicou a utilização de químicos como o biodispersante e o biocida, e o seu “reflexo” nos valores detetados, bem como a “apontada relevância” do encerramento das TRG e seu novo arranque. Descreveu as razões porque as ditas TRG são consideradas unidades acessórias à atividade da Ré, no caso a produção de adubos, razão porque a central de vapor, central de tratamento de águas, central de ar comprimido e unidades de tratamento de águas, são instrumentais (e absolutamente necessárias) à prossecução do objeto social da Ré, mas não são o objeto social da Ré, que assim não se dedica a qualquer atividade perigosa.».

  4. A fundamentação em causa é portanto uma conclusão sem premissas, porque assenta na identificação da prova e na referência aos temas sobre os quais esta incidiu, sem qualquer referência concreta ao teor dos depoimentos que permita ligá-los aos factos provados e não provados, omitindo portanto qualquer referência à relevância atribuída a cada um dos meios de prova para a decisão de facto.

  5. Em face do disposto nos art.ºs 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154º do Código de Processo Civil, deve entender-se que, nestas circunstâncias, a falta a fundamentação é total, porque não são inteligíveis as concretas razões de facto e de direito da decisão, em termos tais que não permitem ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões que justificam tal decisão, «o porquê» de ter decidido assim, pois «livre apreciação da prova» (art. 607º, nº 5 do C.P.C.) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova».

  6. Diga-se de passagem, dá até vontade de rir que um tribunal confunda atividade perigosa, para os fins consagrados no Código Civil, com o objeto social de quem usa torres de refrigeração, para assim descaracterizar o perigo concreto resultante dessa utilização e desresponsabilizar quem o faz pela manutenção desses equipamentos, que são unanimemente consideradas perigosas para a saúde pública, levando a que não haja uma única no sul do país, levado a que o presidente da Associação Portuguesa das Empresas dos Setores Térmico, Energético, Eletrónico e do Ambiente a defender publicamente o "desmantelamento imediato das torres de arrefecimento de água nos edifícios públicos e privados" e o "regresso das auditorias obrigatórias à qualidade do ar interior”, levando a que existam normas da Autoridade Regional de Saúde a proibir as montagens de torres de arrefecimento aos projetistas de ar condicionado (https://www.dn.pt/sociedade/interior/fechem-se-as - torres - de - arrefecimento-8914391.html).

  7. Basicamente o argumento do tribunal é que uma empresa que fabrica adubos não tem uma atividade perigosa, mesmo que porventura utilize equipamentos no processo produtivo que geram particulares perigos para a saúde pública.

  8. Nos termos do art.º 493º, n.º 2 do Código Civil, que a sentença recorrida violou, a culpa presume-se “(…) no exercício de uma atividade perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados (…)”, pois quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

  9. Trata-se de uma presunção de culpa, quer de quem tendo a seu cargo algum edifício ou obra e ela vier a originar danos, causados por defeito de construção ou de conservação, quer de quem exerça uma atividade perigosa, e por via dela vier a causar dano.

  10. A lei não indica, nem seria recomendável que o fizesse, um elenco de atividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos da norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da atividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria atividade como a natureza dos meios utilizados, sendo perigosas as atividades ou meios de as exercer, que criem para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades.

  11. No caso dos autos, o exercício da atividade da ADP é a fabricação de adubos, processo produtivo em que a Ré recorre à utilização de torres de arrefecimento, em que a atividade de refrigeração, própria e inerente a tais torres, consiste na circulação e no arrefecimento de água, subsequentemente expelida para a atmosfera, o que gera a necessidade de controlar e prevenir a concentração da Bactéria Legionella, de forma a evitar a sua propagação.

  12. Relevante, para a questão, não é que a ADP se dedique à fabricação de adubos, atividade que por si não é “perigosa”, mas sim que recorra, nesse processo de fabrico, às torres de arrefecimento que geram dispersão de gotículas de água para o ar – aerodispersão – que provém das bacias de água tornando essencial que se proceda ao correto tratamento da água e que se assegure que não surgirão problemas provocados por esta.

  13. A documentação junta entretanto aos autos permitiu apurar que no 8º circuito das TRG da Ré ADP foram detetadas concentrações elevadas da dita bactéria, pelo que a este respeito, também causa hilaridade, face ao princípio da aquisição processual, hoje plasmado no art.º 5º do nCPC (e já antes no art.º 264º, nº2, do CPC “antigo”) que da sentença recorrida resulte, textualmente, que «Igualmente apurou-se, mas não foi alegado, logo não ficou provado, que no 8º circuito das TRG da Ré ADP, e apenas neste (e em nenhuma das TRG’s das restantes Rés), foram detetadas concentrações elevadas e relevantes da dita bactéria».

  14. Nesta matéria alegou o Autor o que resulta dos art.ºs 62º e 64º da PI, e art.ºs 66 e ss., considerando o Tribunal a quo que o fez «sem se debruçar sobre esta situação em concreto que da prova produzida em julgamento, revelou à saciedade tratar-se de ponto fulcral», ou seja, alegou os “factos principais” que permitiram, depois, apurar os “factos acessórios” de que dependia a procedência da ação, pelo que a este respeito a violação do disposto no art. 5º NCPC, quanto aos poderes de cognição do tribunal, é deliberada.

  15. De resto, foi com a “fundamentação” que supra se transcreveu que a sentença recorrida julgou como não provado aquele que é um facto público e notório: A responsabilidade da Ré ADP, traduzida nos factos, errada e incompreensivelmente julgados não provados: C) Segundo a DGS e INS, logo no comunicado conjunto, datado de 21.11.2014, que emitiram, identificaram a fonte emissora do vírus como tratando-se de uma das torres de refrigeração (TRG) da fábrica da ADP, sita na Estrada Nacional 10, em Salgados da Póvoa, Forte da Casa; D) O surto epidémico de Legionella, que afetou além dos demais, o aqui Autor, teve a sua origem numa dessas torres de refrigeração, na fábrica da ADP; p) Quanto ao primeiro desses factos, o referido comunicado encontra-se publicado no “sítio” da Direção Geral de Saúde: https://www.dgs.pt/a-direccao-geral-dasaude/comunicados-e-despachos-do-director-geral/surto-de-infecao-por-legionella10.aspx; Foi amplamente noticiado, correspondendo portanto a facto público: https://www.jornaldenegocios.pt/economia/saude/detalhe/surto_de_legionella_teve_origem_na_ adubos_de_portugal; https://sicnoticias.pt/especiais/legionella/2014-11-21-Adubos-de-Portugale-a-origem-do-surto-de-legionella; E do referido comunicado, consta textualmente, «Nesse sentido, serão enviados ao Ministério Público, os relatórios até agora produzidos bem como os relatórios da...

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